"Tendo saído, Jesus viu, ao passar, um homem sentado ao balcão da alfândega, chamado Mateus, e disse-lhe: 'Segue-me'. E, levantando-se, ele seguiu-o."
("Evangelho segundo S. Mateus")
Manuseando ainda as moedas, Mateus é das cinco personagens à volta da mesa a única que interpreta com benevolência o gesto imperioso. O mais jovem como que se refugia no que lhe está mais chegado (Mateus), o que está de costas leva a mão à espada e o homem cabisbaixo que se encontra em frente de Pedro e de Jesus não levanta a cabeça. Há ainda um outro velho que observa a cena, cauteloso.
A diagonal de luz sublinha a direcção da mão apontada ao homem chamado Mateus que parece não acreditar que seja com ele. Na verdade, aquela mão poderia indicar o jovem sombrio. Este é um ser insatisfeito que se aborrece ou que alimenta uma ideia fixa. Na antiga classificação dos temperamentos, seria um colérico. A idade e o traje afastam, porém, essa hipótese, e sobretudo a indicação da luz.
Enquanto estas personagens estão iluminadas pelo mesmo foco de luz natural, as duas que acabaram de entrar, e sobretudo Jesus, têm uma luz própria que não se sabe donde vem. Mesmo aqui o sobrenatural, neste magnífico pintor, assume as formas do quotidiano (trata-se duma luz natural, mas que provém dum foco desconhecido). O corpo de Jesus é quase completamente interceptado por um Pedro claudicante e sem rosto. Vemos a face de Jesus estranhamente iluminada e o arco do braço com a mão quase abandonada (o gesto é imperioso, mas pela doçura).
A brevidade da passagem no evangelho é sugerida pela posição de Jesus, com um pé pronto a girar na direcção da saída (como diz Enrica Zanin) e naquele gesto sem negociação, pois ver, neste caso, é compreender.
Um homem, um publicano, vai deixar tudo o que o prendia até ali e percorrer um caminho novo, sem tempo para pensar. O quadro, na dramaturgia da luz e na oposição entre as figuras sentadas e plano vertical da direita dá-nos o momento em que tudo se decide.
Esta pintura encontra-se na capela Contarelli em San Luigi dei Francesi, em Roma, diante de outro quadro de Caravaggio que descreve o martírio do apóstolo.
O que é uma vocação? Saberia Mateus que a sua não era a de cobrador de impostos? E donde vem a voz que chama para a vocação senão de dentro?
Caravaggio mostra-nos algo parecido com isso na incrível predisposição de Mateus.
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