Cristina Guerreiro
Mar Crepúsculo - 2004 (Gustavo Fernandes)
Escrevinhou-o com a mão esquerda em concha, a cabeça deitada sobre o mesmo lado a fazer sombra sobre as rimas, da direita tirou o sustento para as letras e pronto.
Estava dito.
Mas não queria que soubessem.
Era segredo.
Poesia é sempre segredo, que não viessem com coisas, aquelas que se arranjam para decifrar rebuscado nas concepções simples da vida o que de simples a vida é: Há fome, come-se. E poesia é pão. Mete-se aos pedaços na boca mas faz-se de modo fechado e recatado no alimento básico e reconfortante da massa que acomoda os sentidos ao lugar. Poesia é isso, sabe-se que existe mas não se conta, não se explica, saboreia-se no silêncio.
Agora depois de escrita, o problema acontecia: Onde escondê-la de olhos profanos?
A gaveta, a gaveta é um bom lugar para dormirem sossegados os verbos terminados em ar. Como o ar que falta quando se diz amar, devagar, suspirar, cantar. Não, a gaveta é remexida, devolvida a mãos inconscientes que amachucam o coração e o espremem até pingar no forro o sangue de quem a fez.
E dentro de um livro? Hum... espremida entre linhas muito rectas, muito sisudas, muito certas dos seus pontos finais e de interregnos de capítulos... Não! Vá lá entender-se a quebra dos versos no acatado da prosa e entre páginas de seu semelhante, como saber qual a poesia original? Melhor não!
Pois se do evidente tantas vezes se cega, que melhor sitio para a esconder se não à vista de todos?
Deu-lhe um beijo, lembrou-lhe ali mesmo já a saudade e contente do seu feito deitou a folha poética ao mar.
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