Mário Faria
Há uma corrente de economistas para quem a política é uma chatice. Para muitos economistas, nomeadamente os neoliberais, tudo se resume a estes dois pontos :
1) a economia é só uma, e as soluções económicas são de tal modo científicas que não podem ser discutidas,
2) a política pretendendo discutir democraticamente o que é indiscutível, só prejudica a solução dos problemas.
Contra esta visão dogmática da teoria e da prática económica, Jacques Sapir (Professor na École des Hautes Etudes en Sciences Sociales) escreveu ”O discurso da globalização comercial, das constituições económicas e dos bancos centrais independentes exprime a despolitização das escolhas económicas. As instituições democráticas são desapossadas da sua capacidade de legislar, regulamentar ou instituir normas, em nome de um princípio de competência reputado ser superior à democracia. Esta despossessão repousa sobre a impotência das instituições democráticas, em particular dos Estados-Nações, diante das forças do mercado. Este último, agora inteiramente fetichizado, perde o seu estatuto de instituição humana para se afirmar, neste estilo de raciocínio, como uma forma quase divina com decisões sem apelo. O espaço da discussão pública tem apenas dois pólos. O primeiro, técnico, pertence aos peritos : é o da exegese das leis naturais da economia. O segundo ético : o da representação da compaixão que se deve sentir perante as consequências dessas leis”.
Em Portugal os mestres da economia e finanças aos pecados do sistema dizem nada. Continuam a defender a liberalização máxima das leis laborais, a deslocalização e a não intervenção do Estado, salvo para as pequenas, médias e grandes empresas, segundo o interesse dos patrões. O Primeiro Ministro trouxe ao debate político a defesa do casamento homossexual, e fez um favor à direita defensora do deus mercado, que continua a adorar. Ficou, essa gente, com um excelente pretexto para se manter nas margens do debate principal e com um bom motivo para continuar a zurzir na esquerda, como se o tema fosse um paliativo para camuflar a crise económica e financeira, que o Governo ignorou, desprezou e não soube combater. Fizeram-lhes o favor e agora é que ninguém os cala. Detestavam e detestam a supervisão e regulação do Estado que agora responsabilizam, culpam a Constituição e defendem que o direito ao trabalho jaz morto e apodrece, no voo voraz do apetite de especuladores, nas garras dos interesses dos magnatas e na esperança do empreendedorismo. Importante, importante é revitalizar o tecido empresarial : se querem ir para a Índia, que bom que é para o nosso país. Que são mais umas centenas de desempregados, face às inúmeras vantagens que a deslocalização em massa, para paraísos laborais, oferece? Só falta pedir (já pediram) que devem ser subsidiados para o efeito, a favor do reforço do prestígio das marcas. Quem ganha é Portugal, dizem eles. Os Madoff´s, deste mundo, ocuparam lugares de grande destaque, escreveram livros, foram requisitados para imensas palestras, leram o mesmo discurso, tiveram a mesma notoriedade e eram tidos como uma espécie de reserva para salvação da humanidade. E continuam com a mesma receita para problemas que eles mesmos criaram na execução da sua doutrina. Não há pachorra!
Esta é a figura de algumas figurinhas do nosso país. Há falta de lideres, dizem alguns predestinados. Modestos como são, falta-lhes apenas acrescentar que ao país faltam homens iguais a eles, que acusam, que despedem, que delapidam, que deslocalizam, que exigem, que esgotam em seu proveito (ou das suas empresas) os recursos disponíveis da banca, que sugam o Estado até ao tutano, enfim : que mamam e quanto mais mamam mais querem.
O que somos e para onde vamos? Aproveito para transcrever o que a este propósito escreveu José Saramago, na revista Visão em 2003, e como é actual o seu comentário :“Não temos um projecto de país. Onde está uma ideia de futuro para Portugal? Como vamos viver quando se acabarem os dinheiros da Europa? Os governos todos navegam à vista da costa e parece que ninguém quer pensar nisto, e ninguém ousa ir mais além. Os governos são apenas os comissários políticos de poder económico. Antigamente, a mentalidade humana formava-se na grande superfície de uma catedral, hoje, forma-se na grande superfície de um centro comercial. Estamos no fim de uma civilização e não temos ideia nenhuma do que vem aí.”
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