"Prefiro contemplar alguns cenários de teatro onde encontro, artisticamente tratados numa trágica concisão, os sonhos que me são mais caros. Estas coisas, por serem falsas, estão infinitamente mais próximas do verdadeiro, enquanto a maior parte dos nossos paisagistas são mentirosos, precisamente porque descuram a mentira."
Charles Baudelaire (citado por Walter Benjamin in "A Modernidade")
Como deveríamos chamar a este efeito da mentira ou do artifício que se nos apresenta como tal, desistindo de se introduzir de contrabando como verdade, verdade a que não pode aspirar por prescindir à partida de quem o leia e o interprete?
Isto tem, sem dúvida, algo do "larvatus prodeo" de Descartes. Eu avanço mascarado e apontando para a máscara, como se dissesse: este não sou eu. Nenhuma aparência pode pretender representar a realidade, e é por isso que a máscara diz a verdade, mentindo.
Ou então é o efeito de distanciamento concebido pelo teatro de Brecht. A empatia com o público deve ser a todo o momento interrompida, com o dedo que aponta a máscara: cartazes com legendas, infracções ao ritmo dramático ou inversão da relação do público e da cena. É a ética da vigilância crítica e do didactismo revolucionário que estende ao público burguês a sua teia de má consciência e, no fundo, fazendo-o pagar duas vezes pelo espectáculo.
A verdade na arte nunca se pode, pois, atingir directamente e, de resto, a ética não tem aqui sentido.
A verdade a que a arte pode aspirar é a da percepção individual dos limites, essa fronteira entre o que sentimos como um acréscimo de mundo e de inteligência para o compreendermos e a experiência do continuum, do que já, por assim dizer, passou à história.
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