EX.MO SNR. GOVERNADOR CIVIL DO PORTO
De há muito que a nossa classe «Parteiras Diplomadas» vem soffrendo uma crise pavorosa, pela concorrência absolutamente ilegal que lhe é feita pelas chamadas « parteiras curiosas, mulheres de virtude, aparadeiras, etc,etc»
As leis que prohibem o exercício ilegal são absolutamente desrespeitadas, e nós reconhecemos, tristemente que não nos valeu a pena completar o nosso curso, pois que a continuarem as coisas assim podíamos muito bem exercer livremente o nosso mister sem preparação alguma e até muito longe, de contribuições que o Estado nos cobra, muitas vezes superiores aos nossos quasi nullos proventos.
Pelas leis, sabe-o V.Exª é absolutamente prohibido o exercício ilegal, mas acontece que a lei é facilmente iludida e os seus fiscaes, muitas vezes animados das melhores disposições esbarram com a teimozia de quem prevarica ou com influencias superiores á sua vontade. Que a lei nada vale prova-o o facto de «centenas curiosas» por esse paiz fora.
Em Março de 1913 foi pelo Ministério do Interior expedida uma circular, recomendando vigilância contra o exercício ilegal, mas a verdade é que tudo ficou na mesma. A este respeito respeitosamente, transcrevemos do « Século» de 15 Junho 1914 o seguinte:
« Em 1913 diz a nossa correspondente publicou-se pelo Ministério do Interior uma circular recomendando o cumprimento das disposições legaes; mas o resultado prático que eu saiba, foi apenas as diplomadas serem obrigadas a apresentar o seu diploma, que lhes custou nove escudos, e tal, registo obrigatório e consequente contribuição, enquanto as « mulheres de virtude » ficaram a rir das despezas a que aquelas foram obrigadas a continuaram a exercer livremente o seu mister.
Passados dias, alguém reclamou no Governo Civil contra aquele ilegal exercício, e a resposta foi que arranjasse duas testemunhas . Numa terra como o Porto, toda a gente sabe quem são as «curiosas» e a policia melhor do que ninguém, porque vivendo nas baixas camadas sociaes, com elas priva.
Talvez se argumente que nem em todas as terras( pelo menos concelhos) há parteiras. Não há nem nunca haverá, pela benevolência de que gosam as «curiosas». È por isso que tantas e tantas infelizes mulheres sucumbem ao ter filhos, não de parto, mas da incompetência da assistência.
È um farrapo humano que se atira á vala: mas a «mulher de virtude» continua exercendo o seu mister, patrocinada por quem devia metel-a na cadeia»
E, é tal o desrespeito pela lei que as «curiosas» não se arreceiam de se inculcarem publicamente parteiras, que até o « Anuário Comercial de 1914 » lhes faz referência. A este respeito transcrevemos aqui o que diz a» Tarde» de 15 Junho 1914.
« Sr. Redactor , no seu valoroso jornal , vem sendo tornado publico, o abandono a que as autoridades lançaram a classe das « Parteiras Diplomadas», para assim ficarem patrocinadas as curiosas.
Desse abandono resulta que 80% dos concelhos de Portugal, está abandonado a curiosas ou mulheres de virtude. Quando aqui no Porto, se verifica que a cada canto há uma curiosa o que ajuizará da província, onde toda a casta de influencia, se move em beneficio dessas criaturas!!
São uma espécie de amas de …padres, note, que aqui no Porto, com uma polícia sanitária e de segurança bem fácil era reprimir esses abusos. Basta querer
Ficará o Porto para posterior ocasião; vamos agora a tratar de mostrar a audácia e descaramento com que essas mulheres de virtude fazem figas á Lei.
Praia da Nazareth: Parteiras (não diplomadas) Rosa Godinho e Rosaria Godinho
Évora – Alice Mendes de Morais Sarmento (diplomada) Maria da Dores Canhão (diplomada) e Augusta Casaca ( é claro que esta não é diplomada) e como nós, lá pelas localidades toda a gente o sabe também…
Várias cartas e informes das nossas colegas aqui signatárias e de declarações de adhesão juntas nos dizem que as leis em vigor são em absoluto insuficientes, para pôr termo ao exercício ilegal, pois pela brandura das Leis, as curiosas de nada arreceiam, havendo muitos casos de reincidência e a declaração d ellas, expressa de que não abandonam tal mister.
Em Vila Verde diz-se «tiram creanças com guarda-sol!!!...»
Demonstrado, como ficou a impossibilidade de garantia de nossos direitos, á face das leis actualmente em vigor, nós as« parteiras diplomadas» vimos solicitar o valioso auxilio de Vª Exª afim de serem garantidos os nossos direitos ou ver-se-há em breve as escolas médicas do paiz sem frequência nos nossos cursos.
Por isso convictas do espírito de justiça no regimem que rege o Paiz ousamos respeitosamente solicitar que em diploma seja determinado que nenhum registo, de nascimento, seja feito sem expressa declaração da parteira assistente.
Por esta forma se garantia o exercício legal das parteiras, a Lei e ainda a veracidade dos registos que muitas vezes é enganada, por declarações falsas.
Confiadas na alta justiça, ousam as suplicantes esperar serem atendidas, sendo garantidas as suas regalias adquiridas pelo estudo e trabalho.
Saúde e Fraternidade
Porto 3 Julho de 1914
A Comissão
Júlio Soares
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