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01/09/25

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NO CORRER DOS DIAS

Marques da Silva



Murmansk, Península de Kola. Se em algum lugar sabia encontrar-te só poderia ser aqui, nesta colina, com o horizonte povoado de contrastes, a cidade, as águas do golfo e os outeiros estendendo-se na outra margem completa de verde boscoso, e este céu de Agosto, melancólico como o nosso Outono. É um desses encontros em que observo o teu silêncio e sei o que vais dizer. Que a paisagem deslumbra, sossega, acalma o pensamento e derrete o que não desejamos conhecer sem ter dúvida que o sabemos. Quando nos encontramos és sempre uma mistura de silêncio e solidão. Não falas, mas vou traduzindo o que dizes sem que da tua boca nasça um som. É um pouco como no poema de Saramago, “que quem se cala, quanto me calei, não poderá morrer sem dizer tudo”. Algum dia, descerias das margens do Árctico. Como nos disse a escrita de Baptista Bastos, “podemos fugir, mas não nos podemos esconder”. O mundo em que vivemos, bate-nos constantemente à porta e só os neutrais, os passivos, os acomodados, podem fingir que o batente está quieto e no exterior não acontece nada. Gostava de te falar do que é positivo, dessa parte da humanidade que ainda nos conforta a alma, falar-te da poesia, que rompe os muros da intolerância, e irreverente, combate de espada em punho, ou daquela em que o amor aflora como uma dádiva, falar-te ainda das palavras que iludem as censuras que se mostram sobre a cobertura dos «nossos valores», mas como esconder-te o que te trouxe em fuga até este extremo nortenho? Vivemos de novo um tempo de sombras pesadas. Os psicopatas do partido do chapeuzinho, continuam alienados a fazer o que melhor sabem, matar e assassinar. Nunca supusemos, no mais pessimista dos nossos sonhos que em pleno século XXI veríamos um povo inteiro a ser dizimado, à bomba e à fome. Mas aí temos aquele antro de maldade há oitenta anos a conduzir um massacre sem fim à vista e há quem bata palmas a esta carnificina. A branca de neve reuniu com os sete anões num encontro patético. Os sete anões ficaram mudos, mas logo que se apanharam em casa voltaram ao mantra que os arrasta, guerra, mais guerra, não param de bombar nos tambores e se o dinheiro lhes falta, roubam o que não é deles e, a esta escumalha de enanos pouco lhes importa quem morre, ou quantos morrem, desde que os seus pérfidos desígnios se possam concretizar, mesmo quando vêem a sua própria casa a fracturar-se e o navio a meter água. Ao lado da gauleiter aparece um personagem que nos faz acreditar numa mistura de palhaço e mordomo. Traz-nos à memória uma figura da nossa infância com uma ranhura no couro cabeludo onde se colocava uma moeda e em troca, abanava a cabeça e sorria. Na sua incapacidade intelectual nem conseguem perceber que o seu reinado de cinco séculos se desmorona de forma irremediável. Uma parte significativa do planeta já não os ouve. A cada dia que passa tornam-se mais irrelevantes. Ainda têm poder, mas é como um rei que no leito de morte acredita que vai usurpar o mundo. Só te podia trazer este planeta que por muito que doa, na verdade existe. Do outro lado, o homem laranja ainda envia as suas armadas pelos mares adentro, mas são gigantes ultrapassados, à mão de semear de pequenos brinquedos que os deixam inoperacionais. Ainda supus que podia dizer-te, resta-nos a natureza para saborear cada recanto, cada espaço de luz e de verde, paisagens irrepetíveis, arvoredos sem fim e rios que cantam do Inverno à Primavera. Mas até esses lugares de silêncio e sossego nos levaram. Deixaram-nos arder num fogo inquisitorial do qual só restaram cinzas carbonizadas e fotografias de negro vestidas. Claro que prometeram, prometem sempre, da próxima vez agiremos de forma preventiva! Daqui a um mês vão voltar a fazer promessas, mais promessas e é disso que desejam que nós vivamos, cordeiros sem latidos destinados a um abate infinito. É este o mundo que nos calhou viver e, se é verdade que outrora conhecemos tempos bonitos, não impediram que os lobos voltassem, mais vorazes do que antes foram, sôfregos e violentos. O discurso é agora mais encapotado, mas o assalto ao poder segue os mesmos caminhos. Se ainda há esperança? Sem dúvida. Enquanto o ser humano e a natureza de onde emergiu existirem, a esperança será sempre um caminho aberto. Vim buscar o teu postal, não quis aguardar e aproveito para conhecer o Árctico na tua companhia porque há prazeres que valem a pena. Olha para esta figura em pedra na nossa retaguarda. Um soldado gigante, maciço, um guarda destas terras, uma ameaça a quem perturbar os silêncios que por aqui se guardam. Estamos protegidos. Afinal, Murmansk é uma «cidade heroína», feito que lhe valeu a resistência ao nazismo. Hoje é um sossego, sentimo-nos bem nesta melancolia, neste abraço que recebemos da natureza. Tudo à nossa volta parece navegar num mar perfeito, como se a parte escura formada pela sombra das asas dos vampiros, não pudesse chegar a estas paragens. Apressemo-nos que o Outono vem a caminho.

DIFÍCIL É COMBATER A GUERRA

Manuel Joaquim

(Trump e Putin em Anchorage, Alaska)



Fazer a guerra é fácil. Difícil é combater a guerra.”. Este é o título de um artigo publicado no Jornal das Beiras, em Março de 2022, de autoria de Manuel Pires da Rocha, e agora publicado no livro “linhas vermelhas”.

A reunião realizada no passado dia 15 de Agosto no território norte-americano do Alasca, na cidade de Anchorage, entre Trump e Putin, foi, provavelmente, das mais importantes dos últimos anos, com consequências directas para a Europa e para o mundo.

É interessante acompanhar o que dizem os comentadores de serviço sobre essa reunião. A única coisa que realmente se sabe é que não houve comentários dos participantes nem actas ou documentos sobre os assuntos tratados. Mas os comentadores falam como se tivessem acesso a informações privilegiadas, pondo-se a adivinhar o que lá se passou, para justificarem a utilização dos espaços e tempos de antenas e os dinheirinhos que vão recebendo dizendo asneiras de todo o tamanho.

Como é interessante ver a deslocação do presidente da Ucrânia aos EUA para reunir com Trump, acompanhado dos pajens europeus que nem sequer foram cumprimentados pelo presidente americano e não participaram na referida reunião. Viu-se, numa reunião posterior, que todos eles estavam sentados à volta de uma mesa a ouvir Trump, e que este, em determinada altura, sobre um assunto levantado pela presidente da EU, lhe disse que não estavam ali para discutir esse assunto. A notícia publicada de que Trump teria telefonado a Putin no meio da reunião é falsa, tendo sido desmentida pela Casa Branca.

Entretanto, sabe-se que a Alemanha, França e Inglaterra ainda não desistiram de mandar tropas para a Ucrânia e quase todas as semanas falam sobre isso. Kaja Kallas, responsável dos negócios estrangeiros da EU, afirmou publicamente de que a EU não permite nenhum acordo com a Rússia. António Costa defende publicamente o reforço militar da Ucrânia para continuar a guerra. A Alemanha prepara-se para o serviço militar obrigatório. O chanceler alemão acaba de dizer publicamente que “não haverá qualquer encontro entre Zelensky e Putin num futuro imediato”. Partidos alemães, há poucos dias, pronunciaram-se contra o envio de tropas para a Ucrânia pelo perigo de provocar o alastramento da guerra. Em Portugal há muitos a defenderem a guerra desde que não sejam eles e os seus familiares a participar. Uma das últimas personalidades, ex-MRPP, defende que “é mais do que tempo de a Europa acordar e se necessário meter botas no terreno”. Como se vê, é “difícil combater a guerra”, pois ela é provocada pelas necessidades económicas controladas pelas elites dos respectivos países. Um balde de água fria foi lançado por Mário Draghi há poucos dias sobre as cabeças destes inteligentes ao dizer que a EU não tem influência política.

Nos jornais lê-se que a EU diz que não quer mais gás russo mas que está a comprar mais do que nunca. As trocas comerciais estão até a ser favoráveis à EU. Em que ficámos? A EU vai a caminho do 19º pacote de sanções e os resultados não aparecem? Anda muita gente a mentir.

A comunicação tem estado, toda ela, concentrada nos incêndios. Comentários sobre o que não se fez e o que se deve fazer é o pão nosso de cada dia. Mas muito raramente se fala ou escreve sobre os grandes interesses que estão em jogo e não só. Sobre os helicópteros Kamov que estiveram anos atrás ao serviço, só li um texto de Miguel Sousa Tavares a falar sobre o assunto. Sabe-se que o governo os ofereceu à Ucrânia. Mas mesmo que ainda estivessem em Portugal não podiam ser utilizados por serem russos. A Espanha também não utiliza Kamov e outros aviões especiais para fogos pelo mesmo motivo. A EU está impedindo a sua utilização não obstante outros países da EU estarem a utilizá-los. Servilmente e em prejuízo do país obedecemos.

Sobre concursos de aparelhos para os fogos também nada se sabe. O que veio nos jornais, há uns tempos, é que foi adjudicado um contrato a uma empresa com sede em Chipre que não tinha aeronaves nem pilotos e que pertenceria a um familiar de ministro do actual governo.

O desmantelamento do SNS continua. As notícias são diárias. Agora os bebés não nascem em qualquer lugar. Alguns têm o privilégio de nascer na A1. Quem quiser saúde que a pague, era um lema do PSD. Não devemos esquecer que PSD e CDS votaram contra o SNS quando foi aprovado. Continuam na mesma sanha.

A educação vai pelo mesmo caminho. Como se ouve, o ensino é para os ricos. Cada vez menos alunos com acesso ao ensino superior. Cada vez mais dinheiro para o ensino privado. Agora, o governo prepara-se para extinguir as bibliotecas escolares e abolir o Plano Nacional de Leitura.

Os inteligentes que nos governam na Europa e em Portugal são ignorantes, sofrem de lavagens ideológicas e procuram servir-se o melhor que podem das influências e lugares que ocupam. Patologias que devem ser estudadas mas com difíceis tratamentos.

A PERGUNTA

Mário Martins




Do Relatório da Comissão Técnica Independente, de Março de 2018, sobre os grandes e fatais incêndios ocorridos em 2017:

A primeira conclusão, baseada nas informações diárias e horárias existentes desde 2002 (série de 15 anos), permite afirmar que há uma correlação muito forte entre o número de ignições e a excepcionalidade das condições meteorológicas. A análise permite indicar que o risco de novas ignições é maior aos fins-de-semana, durante a tarde e princípio da noite. (…) Perante as condições meteorológicas de Outubro poderia (deveria) ter-se antecipado o aumento do número de ignições e, por isso, poderia ter-se actuado, com medidas robustas de pré-posicionamento e de pré-supressão, de forma a prevenir o que era esperado.

A segunda conclusão abrange as causas que têm estado na origem das ocorrências. O padrão dos dias 14, 15 e 16 de Outubro (de 2017) não difere muito da informação sintetizada a partir da série histórica de 17 anos (2001 a 2017). As causas principais são as queimadas (33% nos dias de Outubro contra 31% no período de 17 anos), o incendiarismo (36% contra 33%) e os reacendimentos (24% contra 18%). No que respeita às queimadas, nos três dias de Outubro as duas principais razões dessa causa foram a limpeza do solo agrícola (37%) e a renovação das pastagens (31%). Admite-se que a proximidade anunciada de precipitação pode ter conduzido a um aumento de ocorrências ocasionadas pela limpeza do solo agrícola.

Os impactos no uso do solo foram igualmente analisados. Conclui-se que nas áreas florestais ardidas no ano de 2017, 49,6% estavam ocupadas por pinheiro-bravo, 38,5% por eucalipto, 7,4% por carvalhos, castanheiros e outras folhosas, 3,5% por pinheiro-manso e outras resinosas e, finalmente, 1% por sobreiros e azinheiras. As razões desta concentração em praticamente duas espécies (pinheiro-bravo e eucalipto representam quase 90% da área ardida em 2017) resultam do tipo de combustíveis e da sua estrutura (distribuição vertical de folhas, ramos e matos no sub-bosque) nessas formações florestais, pois estas mesmas duas espécies ocupam, no panorama nacional, cerca de 50% da área de ocupação florestal total.

A análise das áreas envolventes das 1.712 habitações e 768 infra-estruturas empresariais afectadas por estes incêndios confirma que foram estas duas espécies (pinheiro-bravo e eucalipto) que ocupam com maior frequência aquelas áreas. Contudo, sublinha-se a necessidade de não considerar apenas a área contígua ao edificado, mas também a sua envolvente mais distante.

As soluções preconizadas por esta análise apontam para a necessidade de uma gestão do combustível do sub-bosque nos povoamentos de pinheiro-bravo e de eucalipto, assim como a conveniência de aumentar a proporção de folhosas caducifólias nestas áreas de interface.

Nas críticas condições piro-meteorológicas do dia 15 de Outubro o nível de prontidão das actividades de pré-supressão e supressão é determinante. Começa por ser especialmente importante a dissuasão e controlo do uso do fogo e, em geral, a vigilância, nomeadamente onde a vegetação e topografia favoreçam o desenvolvimento de grandes incêndios. A rapidez é decisiva, da detecção à 1ª intervenção, e o despacho de meios de combate e o seu pré-posicionamento devem ser adequados à gravidade da situação, o que deve ser tratado à escala nacional e não se compadece com respostas locais e forçosamente descoordenadas.

A pergunta é inevitável: o que foi feito até agora? 

POESIA

Helena Serôdio






EXALTAÇÃO

Amemos, meu amor, que o sentimento
Exaltará a nossa mocidade,
A loucura febril da nossa idade
Que mais tarde será esquecimento…

Que as nossas vidas sejam um momento
Em que caiba perfeita a eternidade,
E nessa hora de plena liberdade
Disfrutemos do nosso encantamento…

A vida não é mais do que o presente,
É sonho de melódicos harpejos
Desferidos à luz de um sol poente;

E enquanto em nós viver esse fulgor,
Façamos um altar dos nossos beijos,
Sagremos de mãos postas nosso amor!...
 

 

CÂNTICO

Ah! És tu, meu bem? Vem até mim,
Meus braços são dois lírios de candura,
Feitos de suavidade e de brandura
Porque tu , meu amor, vieste, enfim !

Foi-se a dor e com ela a desventura,
Perpassam sombras leves de cetim
E no meu peito há um louco frenesim
De um sonho todo feito de ternura !

Meus braços são poentes radiosos,
Meus olhos são dois astros luminosos
E os meus lábios são uma quimera…

Eu sou o despertar de uma alvorada,
Tu és, ó meu amor, a madrugada.
Ah ! Nós somos os dois a Primavera !...


ROMAGEM DE SAUDADE

António Mesquita


"É possível pensar profundamente enquanto navegamos na internet, tal como é possível pensar superficialmente enquanto lemos um livro, mas esse não é o modo de pensar que a tecnologia encoraja e recompeensa." 
(Nicholas Carr)



A feira do livro é cada vez mais estranha.  Sirvo-me desse tópico numa conversação difícil com uma criatura do écrã. Não falamos da mesma coisa.

Uma vez por ano, a cultura assume a forma tipográfica, e a julgar pelas profecias e pelas estatísticas não valia a pena levantar os stands. É remar contra a maré. 

Desde há uma série de anos que algumas editoras já não apostam na brochura. Dirigem-se ao tacto e ao sentido da decoração. Não digo que uma  capa atraente e modular não convide à leitura e ao prazer de abrir e de folhear. Mas estas moscas não se caçam assim.

A principal função do livro-móvel é preencher um espaço no interior burguês. No fundo, é indiferente que em vez das páginas escritas se guarde aí o whisky. A colecção é outro método de desviar o livro da leitura e de fazer subir as vendas. Os comerciantes pensam como bons linguistas que não se pode dizer que se tem uma coisa que não está completa. 

Que significam as receitas de culinária, opiparamente fotografadas, que se mandam encadernar periodicamente? É impossível que sejam todas úteis. Obter os números que faltam é um desporto, fechar a série é um acto moral. E não é honesto constituir-se proprietário do que está para além das posses de cada um. Esta dificuldade raramente é económica. O comprador está à mercê da vontade de prolongar um monólogo que a casa editora converteu em obrigação. A cultura ou a cozinha é uma questão de títulos, como se a biblioteca se acrescentasse ao nome próprio.

O coleccionador é um burguês gentil-homem que se dispensou de sequer imitar a leitura. E assim ele reage como um homem do nosso tempo, livre do encargo da cultura, graças à sobrehumana tarefa enciclopédica. Como não se pode ler tudo e menos ainda assimilar, o melhor é transformar o escrito em segurança – estou rodeado de obras-primas e de sumas científicas – e num espaço de jogo: posso escolher ao acaso e fazer bingo. 

De resto,  nunca é uma leitura determinada apenas pelo que já se leu. O que é impossível ler pela profusão e pela falta de tempo é sentido pelo leitor que tem à mão esses títulos, como uma extensão do seu poder caprichoso. A única maneira de gozar todo o campo do escrito, sem sentir os limites materiais evidentes da leitura, é fazer como a borboleta. As técnicas de venda e os novos mídia criaram o leitor superficial, sem vontade nem meios para colher dos livros a formação do espírito. 

Se não fosse a escola, a atenção que o livro pede seria uma coisa rara. Não se sabe ler senão relendo, e é sempre a mesma coisa que se lê. A abundância do livro rouba-nos a atenção. É possível que o écrã torne o leitor impaciente e sem a disposição necessária  e a respectiva recompensa.

Quando era adolescente queria comprar tudo. Agora passeio os olhos pelos escaparates e não vejo nada do que quero. A feira quer vender e há muitos jovens, mas apenas fazem turismo.  Porém, o que à partida estaria condenado ao malogro é um relativo sucesso, mas por razões que nada têm a ver com a leitura.

A tradição e o mito da cultura ou do móvel culto criam o acontecimento. Mas ler - o que se chama ler - não é fácil. Nunca tão poucos leram tanto como hoje, se a atenção diagonal for incluída. Mas a maioria está a ser instruída pela internet e as redes sociais.

Não me admiraria que, proximamente, os jardins do Palácio  de Cristal se abrissem a stands virtuais com pavões da mesma matéria.
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