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01/07/25

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E AGORA, ESQUERDA?

Mário Martins

https://eco.sapo.pt/especiais/fotogaleria-a-campanha-eleitoral



Os vaticínios falharam mais uma vez: o povo não só não debandou, como ordenou que a direita ou centro-direita ganhasse as eleições, que a extrema-direita ou direita populista continuasse a sua cavalgada eleitoral, e que a esquerda soçobrasse.

Muito devido à derrocada do Partido Socialista e do Bloco de Esquerda, em conjunto a esquerda perdeu, comparando com as eleições do ano passado, quase meio milhão de votos e 23 deputados, salvando-se apenas o Partido Livre, que subiu cerca de 50 000 votos e obteve mais 2 deputados. Já o Partido Comunista contínua a sofrer a erosão da sua expressão eleitoral nacional, perdendo nos últimos 10 anos cerca de 262 000 votos, não chegando, agora, aos 184 000.

Para a corrente de opinião que não considera o PS de esquerda, então esta apenas representaria cerca de meio milhão de votos (em mais de 6 milhões de votantes), com apenas 10 deputados (em 230 lugares). Ou seja, nessa perspectiva, a esquerda é, em termos eleitorais nacionais, praticamente irrelevante.

Para essa corrente de opinião, o povo está mal informado e intoxicado pelos media, escusando-se, no entanto, a esclarecer onde existe uma comunicação social (mais) livre e desintoxicada. Segue-se daqui que o povo real vota contra o seu interesse, coisa que o Partido Comunista já lembrou e “repreendeu”, que o “povo que mais ordena” é um povo ideal, e que a Esquerda não tem nada a mudar. 

Neste quadro lastimoso, os resultados das próximas eleições autárquicas, que serão vistos como uma segunda volta das legislativas, afiguram-se cruciais para a Esquerda minorar os estragos sofridos com o cataclismo eleitoral de Maio, e manter a sua influência no seio das populações locais. 

COMPROMESSO STORICO

António Mesquita


"Não importa a cor do gato, desde que cace os ratos".
 Deng Xiaoping



Neste momento da actualidade geo-política qual é o significado duma homenagem a Enrico Berlinguer, um homem de esquerda que acreditou na passagem gradual da Itália capitalista para o socialismo?

O filme de Andrea Segre, de 2024, começa pelo contra-exemplo da experiência chilena de Salvador Allende e o golpe de Pinochet de 1973. Parece ter ficado demonstrado que não era possível "fazer a revolução" através de eleições.

Por isso, mas não sobretudo por isso, a ideia do "compromisso histórico" de que Berlinguer fez o seu cavalo de batalha, foi mal recebida nos países do bloco de leste. A razão principal era que ela punha em causa a "unidade" do dito bloco e a hegemonia da URSS, surgindo aos olhos desses regimes como uma ameaça. No início do filme, Berlinguer encontra-se em Sofia é alvo dum atentado da polícia secreta búlgara.

O que torna credível o "compromisso" é a específica situação italiana. O PCI é o maior partido comunista europeu, com 1,7 milhões de inscritos e 12 milhões de eleitores. Um golpe à Pinochet não encontraria, talvez, o terreno favorável em Itália. Mas o PCUS não poderia aceitar uma dissidência como essa que poria em causa, em primeiro lugar, a necessidade da sua própria ditadura. Quando se encontra com Brejnev, durante o congresso soviético, é lhe feito sentir um profundo desagrado.

Uma das peças fundamentais para a mudança era o presidente da DC, Aldo Moro que, perante a crise política desencadeada pela escolha dos eleitores e a queda do governo Andreotti (um cínico que colecciona saquetas de açúcar e tem, alegadamente, contactos com a Máfia), pede a Berlinguer uma moratória de alguns meses. Pouco depois, as Brigadas Vermelhas deitam essa estratégia por terra, raptando Moro e, na falta de negociações (a que Berlinguer se recusa), devolve o cadáver uns dias depois, na mala dum carro, deixado nas traseiras da sede do PCI, via delle Botteghe Oscure. Corria o ano de 1978.

Não era de modo nenhum certa a via preconizada pelo secretário-geral do PCI. Uma boa parte da classe política italiana opunha-se, com Fanfani à cabeça. O grande industrial Agnelli, o patrão da FIAT, tinha feito uma declaração peremptória nesse sentido. Mas a América, na  altura, com  Carter (de 1977 a 1981) tinha um presidente razoável. Que restaria, porém, do ideário marxista depois duma co-gestão do capitalismo como era essa do "Compromesso Storico"?

Nada de novo, não é verdade? Quando vemos a evolução da antiga União Soviética, ou sobretudo, a da China. A primeira, oficialmente, deixou de ser comunista (embora  já tenha encerrado o Museu do Gulag e reposto a estatuária estalinista no  Metro), mas o que já foi o "Império do Meio" reclama-se da tríade do movimento comunista, enquanto   deixa funcionar, com relativa autonomia, o sistema capitalista, na visão pragmática de Deng.

O filme de Segre não aborda estes desenvolvimentos, à margem das suas preocupações. Vemos Berlinguer nos comícios, nos encontros de rua com os apoiantes, e, com grande relevo, em família ou nos tempos de ócio. É o caminho dum retrato do homem inteiro. Alguns documentários da época são intercalados para maior "rigor histórico". Mas o tempo limitado do filme impõe alguns atalhos pouco recomendáveis, como fazer duma reunião de família a súmula dum curso para iniciados. Por isso, e porque a honestidade da abordagem mereceria uma outra duração, secundarizando a qualidade cinematográfica esperada, é que, como outros já propuseram, esta era uma grande oportunidade para uma série de televisão.

Grande fumador, num tempo em que essa actividade não era proscrita pelas instâncias sanitárias, Enrico Berlinguer morre aos 62 anos, dum AVC, em pleno comício, em Pádua.

No funeral, em 1984,  com grandes massas do povo e chefes de estado de todo o mundo, foi feita a devida homenagem  ao ideal dum homem, nunca realizado, mas 
que mudou o mundo. Essa homenagem foi a prova de que a política pode calar-se diante da verdadeira grandeza.

O título "La grande ambizione" é uma expressão do célebre teórico marxista Antonio Gramsci (1891/1937) que para ele era indissociável do bem social.


NO CORRER DOS DIAS

Marques da Silva





Tieribierka, Península de Kola. O destino que levamos nem sempre é aquele que os nossos passos seguem. Assim aconteceu quando me aproximei da grande cidade do Árctico. Creio que não estava preparada para o ruído do espaço urbano e segui para Leste na província de Kola, até ao Norte nesta pequena aldeia junto ao oceano. É difícil interiorizar como chegaram aqui os primeiros humanos no século XVI e se deixaram ficar. Até à década de sessenta do século passado foi uma aldeia prometedora e crescendo em população. Havia vida ligada ao mar e à criação de renas, mas quando a tonelagem dos barcos excedeu a capacidade do pequeno golfo onde desagua o rio Tieribierka, a sua pequena indústria desmoronou-se. Hoje os seus habitantes rondam as novecentas pessoas. A aldeia tem mais do que um núcleo populacional entre casas novas, recuperadas e em degradação por desabitadas. Quase diríamos que há um cemitério de barcos abandonados. Quase nos surpreendemos ao dizer que na foz do rio há uma extensa praia que no Verão é frequentada. Quando falamos de estio nestes espaços árcticos tem de ser com alguma reserva. Em Maio a neve ainda perdura pelas colinas da península e em Julho e Agosto a temperatura ronda os quinze graus, mas talvez fruto do clima que vivemos, já alcançou um máximo de 34 graus, pelo que fácil será de pensar como se sentiram quentes os que procuram este lugar recôndito. Hoje está mais ameno, nos seus sete graus. Depois de deambular pela pequena aldeia, atravessei o rio e segui para Norte onde está outro núcleo de casario e prossegui até à costa. Todo este território se desenha em colinas de pedra massacrada pelos ventos e pela rigidez da neve, mas no Verão, quando a planície de brancura se afasta, se derrete em líquido azulado, as partes baixas formam lagos pelo que a imagem aérea dar-nos-á uma ideia de imensas lagoas. É entre elas que o rio que aqui chega navega ao longo de cento e trinta quilómetros. A costa é elevada e de ambos os lados existem praias. A pedra é dura, granítica, mas picada, coberta por um manto de verde que em certos lugares tem a coragem de crescer e ondular entre figuras amarelas que lhe transmitem alegria. Hoje não é fácil estar aqui. Fazem sete graus de temperatura, está ventoso, o mar agitado e já choveu. Nos dias anteriores o sol tem visitado estes lugares e então, é possível sentarmo-nos e olhar o Mar de Barents que se espreguiça à nossa frente deixando-nos na penumbra de um horizonte infinito. Se seguíssemos em frente encontraríamos o Pólo Norte. Aparecem turistas, mas na maior parte do dia, estamos sós. Percebe-se uma solidão diferente dos desertos de areia pela variedade da natureza e dos ruídos. Quando interiorizamos o que nos envolve deixamo-nos invadir por um sentimento de profundidade. É como uma viagem ao interior da alma. Para além dos humanos, aparecem por aqui cada vez mais animais, sobretudo os ursos polares e quase há uma convivência entre ambos. Os grandes animais brancos e peludos procuram as aldeias quando escasseia o alimento e os locais contam imensas histórias da sua interacção. Percebemos a sensação de estar num tempo e num ambiente muito diferente do que nos habituamos como resultado da necessidade de convívio e de interajuda pela agressividade das forças da natureza. Num desses momentos em que procuro estas pedras tive o deslize de deixar o pensamento escorregar na procura do mundo. Ia a escrever do mundo humano, mas sinto uma mistura de receio e desânimo em assim o nomear. O que vemos, ouvimos e lemos é tão perturbador e assustador que nos deixa a dúvida se ainda podemos falar de humanidade e de seres humanos. A bestialidade da malvadez e da perfídia alcançou tal volume que nos sentimos esmagados pela impotência que se abate sobre a nossa consciência quando figuras tresloucadas se apoderam do poder. O que os judeus do chamado Estado de Israel nos têm dito ao longo de oito décadas e com uma enfâse hiperbólica nos últimos dois anos, é de que não têm lugar entre as sociedades humanas. O antro de alienação em que se encerraram, retira-os em absoluto da convivência nos espaços de humanidade. E a grande tragédia, não é a sua escolha, mas antes a Humanidade ter permitido que tal tenha acontecido. Não colocam a Humanidade de joelhos, derrotaram-na e essa derrota é algo que ficará para sempre no âmago da nossa compreensão do mundo humano. Pela segunda vez perguntamos, como é possível termos deixado isto acontecer? Mas agora não temos a desculpa de dizer como no passado, nós não sabíamos. Voltou a chover. Não é propriamente chuva, mas os salpicos da água oceânica que o vento atira para terra. Vou regressar à parte baixa da aldeia para uma conversa. Prometeram-me falar da vida de Aleksandra Andreevna Antonova, nascida em Tieribierka (Teriberka), professora, escritora, poetisa e tradutora da língua kildín Sámi que em 2012 recebeu o prémio Gollegiella, prémio fundado em 2004 pelos parlamentos Sami da Noruega, Suécia e Finlândia. Não sei quantos dias me vou deixar viver entre estes espaços de sossego e remanso. O postal vai comigo até Murmansk.

POESIA

Helena Serôdio



O GRANDE CARNAVAL

Hoje houve um eclipse total.
Desceu um manto de treva sobre o sol
E eu vou ter a coragem de enfrentar o mundo
E assistir friamente à vida!

Quero vestir o disfarce de palhaço 
E ir para a rua
Tomar parte no grande Carnaval !
Vou tirar a venda que me cega,
Para viver a paisagem sempre igual
Dos que têm olhos e não vêem,
Porque o seu horizonte é um muro branco
E o espaço uma linha imaginária.

Vou selar a minha boca com mentiras 
Para falar a verdade de outras bocas,
E transformar o meu cérebro num robot
Mecanizando todos os meus gestos.
Quero esculpir na pedra bruta
Os meus sentidos
E fazer do coração um Pierrot!
Vou enforcar-me nas ameias do meu 
Castelo de fantasmas,
Destronar todos os meus ídolos,
Deter os voos do meu pensamento
E amordaçar todos os meus gritos.
Quero não ter fome além da fome
E jamais ter sede além da sede.
Quero ser simplesmente um instrumento,
Um boneco de pano que se rasga
Numas mãos curiosas de criança,
Ou um corpo opaco
Flutuando no vazio metálico do tempo!

Hoje,
Porque se apagou a luz do sol
E a terra inteira anoiteceu,
Vou autopsiar a minha alma
Como na morgue se disseca um cadáver,
E enchê-lo de trapos e serrim!

E talvez , então , eu consiga não ser eu!...

NÃO PODEMOS IGNORAR

Manuel Joaquim




Frei Bento Domingues, no jornal Público deste Domingo, no artigo “Festa do Corpo de Deus, festa de toda a humanidade”, escreve:

““Uma das mais belas e realistas apresentações da Teologia do Corpo devemo-la ao Papa Francisco. ”Participamos, com muita fé, dedicação e respeito, das celebrações do Corpo de Cristo, mas pode ser que, às vezes façamos uma profunda cisão ou ruptura entre o que celebramos e a realidade que nos cerca, ou seja, o encontro com os corpos desfigurados, explorados, manipulados, usados, escravizados, destruídos … Pode ser que tenhamos um profundo amor e respeito pelo Corpo de Cristo vivo e presente na Eucaristia, e não O vejamos nos corpos que estão aqui, ali, lá, por todos os lados. Não nos devemos envergonhar, não devemos ter medo, não devemos sentir repugnância de tocar essa imensa carne de Cristo, essa carne da humanidade ferida.””

Todos os dias nos chegam notícias sobre essa imensa carne da humanidade ferida. Palestinianos, ucranianos, russos, sudaneses, imigrantes, pessoas de todas as idades que querem ter paz, trabalho, habitação, saúde, educação, que, segundo Francisco, são a imensa carne de Cristo.

Dinheiro para a guerra não falta para encher os bolsos de alguns, Para melhorar as condições de vida está sempre em falta. Francisco falou há bastante tempo que estávamos a caminho de 3ª guerra mundial. E há quem fale que estamos já na 3ª guerra mundial fragmentada.

É importante ter presente que muitos dos dirigentes da Europa são antigos dirigentes de organizações nazis ou descendentes de dirigentes nazis. Alguns são escolhidos a dedo para serem eleitos ou nomeados para altos cargos. O avô da líder dos Serviços Secretos do Reino Unido, que acabou de ser nomeada, era espião dos serviços secretos da Alemanha nazi. Estão a arrastar a Europa para a guerra procurando o revanchismo por terem sido derrotados na 2ª guerra mundial. Por isso, as pessoas devem estar em guarda.

Não querendo falar sobre os tempos tumultuosos que estamos a viver vou transcrever um poema de Domingos David’ Pereira, que vem a propósito, publicado no Esteiro, no boletim semestral de Setembro de 2024, com o seguinte título:

Gaza: Calar é Trair

 

GAZA: CALAR É TRAIR!

 

A todos os marinheiros,
a todos nautas do mar,
a todos os petroleiros:
- Se passarem em Gaza
façam os vossos relatos,
das bombas, das crianças e chorar:
não ignorem como Pilatos,
Urge denunciar e a matança parar!
Aos navegantes do mar,
Azul, bravo e profundo,
ALERTEM: em Gaza andam a matar!
Não calem, alertem o mundo:
- Por telégrafo, lancem para o ar,
que a barbárie, do mais imundo,
anda ali à solta, a massacrar,
a destruir o futuro, a destruir fundo.
E se à noite, a navegar, no céu
Virem lágrimas nas estrelas a brilhar,
De anjos mortos, frios, sem véu,
com fome, são mães a chorar,
sem leite para os filhos alimentar:
- Não calem, não sejam como Pilatos,
façam soar o alarme no breu,
denunciem nos vossos relatos.
Ó golfinho a saltar do mar,
ó fragata a vogar a solidão,
há crianças com medo a chorar:
- Em Gaza, não avisar é traição!
Não podemos ignorar os ais
das crianças mortas com canhão
pelos velhacos soldados chacais:
- Em Gaza: calar também é matar!
No céu de Gaza voam bombas,
voam corvos, gritos e abutres.
Matam mães, crianças e pombas,
temos de gritar o amor que nutres
na solidariedade do coração!
Porque  calar, é matar, é deixar ir:
- Porque calar é matar na traição!
- É apoiar o genocídio, é trair!
Em terra toquem sinos a rebate,
soem nos montes cordas e metais,
é preciso não deixar impune quem mate,
desmascarar os crimes animais.
Apoiem!, em Gaza há quem lute!
GRITEM: os crimes não se calam!
Os velhacos soldados chacais:
- Violam, roubam, destroem, matam!
Fez ontem cerca de dois mil anos,
Foi Jesus, pregado na cruz,
Para gáudio da usura dos fariseus.
Hoje matam crianças em Gaza,
Vítimas ontem, hoje chacais judeus.
Crianças mortas com tiros de canhão,
por gente canalha em nome dum Deus:
- Calar o genocídio é matar, é traição!
Assassinadas crianças a tiro de canhão.
Mortas sem pejo como o filho de Deus.
Ontem crucificado pelos Romanos e fariseus,
hoje pelos soldados chacais à traição.
Os palestinianos assassinados em genocídio,
cometido por actuais soldados judeus,
vítimas deste hediondo martírio,
não terão a prometida ressureição!
Então, no futuro, um dia haverá,
aquele Povo Mártir, quase exangue,
de entre a cinza e dos escombros se erguerá
da terra negra ensopada em sangue:

- Finalmente, a PALESTINA VENCERÁ!

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