01/07/25
E AGORA, ESQUERDA?
Mário Martins
Os vaticínios falharam mais uma vez: o povo não só não debandou, como ordenou que a direita ou centro-direita ganhasse as eleições, que a extrema-direita ou direita populista continuasse a sua cavalgada eleitoral, e que a esquerda soçobrasse.
Muito devido à derrocada do Partido Socialista e do Bloco de Esquerda, em conjunto a esquerda perdeu, comparando com as eleições do ano passado, quase meio milhão de votos e 23 deputados, salvando-se apenas o Partido Livre, que subiu cerca de 50 000 votos e obteve mais 2 deputados. Já o Partido Comunista contínua a sofrer a erosão da sua expressão eleitoral nacional, perdendo nos últimos 10 anos cerca de 262 000 votos, não chegando, agora, aos 184 000.
Para a corrente de opinião que não considera o PS de esquerda, então esta apenas representaria cerca de meio milhão de votos (em mais de 6 milhões de votantes), com apenas 10 deputados (em 230 lugares). Ou seja, nessa perspectiva, a esquerda é, em termos eleitorais nacionais, praticamente irrelevante.
Para essa corrente de opinião, o povo está mal informado e intoxicado pelos media, escusando-se, no entanto, a esclarecer onde existe uma comunicação social (mais) livre e desintoxicada. Segue-se daqui que o povo real vota contra o seu interesse, coisa que o Partido Comunista já lembrou e “repreendeu”, que o “povo que mais ordena” é um povo ideal, e que a Esquerda não tem nada a mudar.
Neste quadro lastimoso, os resultados das próximas eleições autárquicas, que serão vistos como uma segunda volta das legislativas, afiguram-se cruciais para a Esquerda minorar os estragos sofridos com o cataclismo eleitoral de Maio, e manter a sua influência no seio das populações locais.
COMPROMESSO STORICO
NO CORRER DOS DIAS
Tieribierka, Península de Kola. O destino que levamos nem
sempre é aquele que os nossos passos seguem. Assim aconteceu quando me
aproximei da grande cidade do Árctico. Creio que não estava preparada para o
ruído do espaço urbano e segui para Leste na província de Kola, até ao Norte nesta
pequena aldeia junto ao oceano. É difícil interiorizar como chegaram aqui os
primeiros humanos no século XVI e se deixaram ficar. Até à década de sessenta
do século passado foi uma aldeia prometedora e crescendo em população. Havia
vida ligada ao mar e à criação de renas, mas quando a tonelagem dos barcos
excedeu a capacidade do pequeno golfo onde desagua o rio Tieribierka, a sua
pequena indústria desmoronou-se. Hoje os seus habitantes rondam as novecentas
pessoas. A aldeia tem mais do que um núcleo populacional entre casas novas,
recuperadas e em degradação por desabitadas. Quase diríamos que há um cemitério
de barcos abandonados. Quase nos surpreendemos ao dizer que na foz do rio há
uma extensa praia que no Verão é frequentada. Quando falamos de estio nestes
espaços árcticos tem de ser com alguma reserva. Em Maio a neve ainda perdura
pelas colinas da península e em Julho e Agosto a temperatura ronda os quinze
graus, mas talvez fruto do clima que vivemos, já alcançou um máximo de 34
graus, pelo que fácil será de pensar como se sentiram quentes os que procuram
este lugar recôndito. Hoje está mais ameno, nos seus sete graus. Depois de
deambular pela pequena aldeia, atravessei o rio e segui para Norte onde está
outro núcleo de casario e prossegui até à costa. Todo este território se desenha
em colinas de pedra massacrada pelos ventos e pela rigidez da neve, mas no
Verão, quando a planície de brancura se afasta, se derrete em líquido azulado, as
partes baixas formam lagos pelo que a imagem aérea dar-nos-á uma ideia de
imensas lagoas. É entre elas que o rio que aqui chega navega ao longo de cento
e trinta quilómetros. A costa é elevada e de ambos os lados existem praias. A
pedra é dura, granítica, mas picada, coberta por um manto de verde que em
certos lugares tem a coragem de crescer e ondular entre figuras amarelas que
lhe transmitem alegria. Hoje não é fácil estar aqui. Fazem sete graus de
temperatura, está ventoso, o mar agitado e já choveu. Nos dias anteriores o sol
tem visitado estes lugares e então, é possível sentarmo-nos e olhar o Mar de
Barents que se espreguiça à nossa frente deixando-nos na penumbra de um
horizonte infinito. Se seguíssemos em frente encontraríamos o Pólo Norte.
Aparecem turistas, mas na maior parte do dia, estamos sós. Percebe-se uma solidão
diferente dos desertos de areia pela variedade da natureza e dos ruídos. Quando
interiorizamos o que nos envolve deixamo-nos invadir por um sentimento de
profundidade. É como uma viagem ao interior da alma. Para além dos humanos,
aparecem por aqui cada vez mais animais, sobretudo os ursos polares e quase há
uma convivência entre ambos. Os grandes animais brancos e peludos procuram as
aldeias quando escasseia o alimento e os locais contam imensas histórias da sua
interacção. Percebemos a sensação de estar num tempo e num ambiente muito
diferente do que nos habituamos como resultado da necessidade de convívio e de
interajuda pela agressividade das forças da natureza. Num desses momentos em
que procuro estas pedras tive o deslize de deixar o pensamento escorregar na
procura do mundo. Ia a escrever do mundo humano, mas sinto uma mistura de
receio e desânimo em assim o nomear. O que vemos, ouvimos e lemos é tão
perturbador e assustador que nos deixa a dúvida se ainda podemos falar de
humanidade e de seres humanos. A bestialidade da malvadez e da perfídia
alcançou tal volume que nos sentimos esmagados pela impotência que se abate
sobre a nossa consciência quando figuras tresloucadas se apoderam do poder. O
que os judeus do chamado Estado de Israel nos têm dito ao longo de oito décadas
e com uma enfâse hiperbólica nos últimos dois anos, é de que não têm lugar
entre as sociedades humanas. O antro de alienação em que se encerraram,
retira-os em absoluto da convivência nos espaços de humanidade. E a grande
tragédia, não é a sua escolha, mas antes a Humanidade ter permitido que tal
tenha acontecido. Não colocam a Humanidade de joelhos, derrotaram-na e essa
derrota é algo que ficará para sempre no âmago da nossa compreensão do mundo
humano. Pela segunda vez perguntamos, como é possível termos deixado isto
acontecer? Mas agora não temos a desculpa de dizer como no passado, nós não
sabíamos. Voltou a chover. Não é propriamente chuva, mas os salpicos da água
oceânica que o vento atira para terra. Vou regressar à parte baixa da aldeia
para uma conversa. Prometeram-me falar da vida de Aleksandra Andreevna Antonova,
nascida em Tieribierka (Teriberka), professora, escritora, poetisa e tradutora
da língua kildín Sámi que em 2012 recebeu o prémio Gollegiella, prémio fundado
em 2004 pelos parlamentos Sami da Noruega, Suécia e Finlândia. Não sei quantos
dias me vou deixar viver entre estes espaços de sossego e remanso. O postal vai
comigo até Murmansk.
POESIA
Helena SerôdioO GRANDE CARNAVALHoje houve um eclipse total.Desceu um manto de treva sobre o solE eu vou ter a coragem de enfrentar o mundoE assistir friamente à vida!Quero vestir o disfarce de palhaçoE ir para a ruaTomar parte no grande Carnaval !Vou tirar a venda que me cega,Para viver a paisagem sempre igualDos que têm olhos e não vêem,Porque o seu horizonte é um muro brancoE o espaço uma linha imaginária.Vou selar a minha boca com mentirasPara falar a verdade de outras bocas,E transformar o meu cérebro num robotMecanizando todos os meus gestos.Quero esculpir na pedra brutaOs meus sentidosE fazer do coração um Pierrot!Vou enforcar-me nas ameias do meuCastelo de fantasmas,Destronar todos os meus ídolos,Deter os voos do meu pensamentoE amordaçar todos os meus gritos.Quero não ter fome além da fomeE jamais ter sede além da sede.Quero ser simplesmente um instrumento,Um boneco de pano que se rasgaNumas mãos curiosas de criança,Ou um corpo opacoFlutuando no vazio metálico do tempo!Hoje,Porque se apagou a luz do solE a terra inteira anoiteceu,Vou autopsiar a minha almaComo na morgue se disseca um cadáver,E enchê-lo de trapos e serrim!E talvez , então , eu consiga não ser eu!...
NÃO PODEMOS IGNORAR
Frei Bento Domingues, no jornal Público deste Domingo, no artigo “Festa do Corpo de Deus, festa de toda a humanidade”, escreve:
““Uma das mais belas e realistas apresentações da Teologia do Corpo devemo-la ao Papa Francisco. ”Participamos, com muita fé, dedicação e respeito, das celebrações do Corpo de Cristo, mas pode ser que, às vezes façamos uma profunda cisão ou ruptura entre o que celebramos e a realidade que nos cerca, ou seja, o encontro com os corpos desfigurados, explorados, manipulados, usados, escravizados, destruídos … Pode ser que tenhamos um profundo amor e respeito pelo Corpo de Cristo vivo e presente na Eucaristia, e não O vejamos nos corpos que estão aqui, ali, lá, por todos os lados. Não nos devemos envergonhar, não devemos ter medo, não devemos sentir repugnância de tocar essa imensa carne de Cristo, essa carne da humanidade ferida.””
Todos os dias nos chegam notícias sobre essa imensa carne da humanidade ferida. Palestinianos, ucranianos, russos, sudaneses, imigrantes, pessoas de todas as idades que querem ter paz, trabalho, habitação, saúde, educação, que, segundo Francisco, são a imensa carne de Cristo.
Dinheiro para a guerra não falta para encher os bolsos de alguns, Para melhorar as condições de vida está sempre em falta. Francisco falou há bastante tempo que estávamos a caminho de 3ª guerra mundial. E há quem fale que estamos já na 3ª guerra mundial fragmentada.
É importante ter presente que muitos dos dirigentes da Europa são antigos dirigentes de organizações nazis ou descendentes de dirigentes nazis. Alguns são escolhidos a dedo para serem eleitos ou nomeados para altos cargos. O avô da líder dos Serviços Secretos do Reino Unido, que acabou de ser nomeada, era espião dos serviços secretos da Alemanha nazi. Estão a arrastar a Europa para a guerra procurando o revanchismo por terem sido derrotados na 2ª guerra mundial. Por isso, as pessoas devem estar em guarda.
Não querendo falar sobre os tempos tumultuosos que estamos a viver vou transcrever um poema de Domingos David’ Pereira, que vem a propósito, publicado no Esteiro, no boletim semestral de Setembro de 2024, com o seguinte título:
Gaza: Calar é Trair
GAZA: CALAR É TRAIR!
A todos os marinheiros,a todos nautas do mar,a todos os petroleiros:- Se passarem em Gazafaçam os vossos relatos,das bombas, das crianças e chorar:não ignorem como Pilatos,Urge denunciar e a matança parar!Aos navegantes do mar,Azul, bravo e profundo,ALERTEM: em Gaza andam a matar!Não calem, alertem o mundo:- Por telégrafo, lancem para o ar,que a barbárie, do mais imundo,anda ali à solta, a massacrar,a destruir o futuro, a destruir fundo.E se à noite, a navegar, no céuVirem lágrimas nas estrelas a brilhar,De anjos mortos, frios, sem véu,com fome, são mães a chorar,sem leite para os filhos alimentar:- Não calem, não sejam como Pilatos,façam soar o alarme no breu,denunciem nos vossos relatos.Ó golfinho a saltar do mar,ó fragata a vogar a solidão,há crianças com medo a chorar:- Em Gaza, não avisar é traição!Não podemos ignorar os aisdas crianças mortas com canhãopelos velhacos soldados chacais:- Em Gaza: calar também é matar!No céu de Gaza voam bombas,voam corvos, gritos e abutres.Matam mães, crianças e pombas,temos de gritar o amor que nutresna solidariedade do coração!Porque calar, é matar, é deixar ir:- Porque calar é matar na traição!- É apoiar o genocídio, é trair!Em terra toquem sinos a rebate,soem nos montes cordas e metais,é preciso não deixar impune quem mate,desmascarar os crimes animais.Apoiem!, em Gaza há quem lute!GRITEM: os crimes não se calam!Os velhacos soldados chacais:- Violam, roubam, destroem, matam!Fez ontem cerca de dois mil anos,Foi Jesus, pregado na cruz,Para gáudio da usura dos fariseus.Hoje matam crianças em Gaza,Vítimas ontem, hoje chacais judeus.Crianças mortas com tiros de canhão,por gente canalha em nome dum Deus:- Calar o genocídio é matar, é traição!Assassinadas crianças a tiro de canhão.Mortas sem pejo como o filho de Deus.Ontem crucificado pelos Romanos e fariseus,hoje pelos soldados chacais à traição.Os palestinianos assassinados em genocídio,cometido por actuais soldados judeus,vítimas deste hediondo martírio,não terão a prometida ressureição!Então, no futuro, um dia haverá,aquele Povo Mártir, quase exangue,de entre a cinza e dos escombros se ergueráda terra negra ensopada em sangue:- Finalmente, a PALESTINA VENCERÁ!