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01/02/25

TRUMPEZOICO

António Mesquita

(Donald Truck)



"Até recentemente, tínhamos razão  em acreditar na famosa máxima de Abraham Lincoln: 'Pode-se enganar todas as pessoas algumas vezes; pode-se até enganar algumas pessoas o tempo todo; mas não se pode enganar todas as pessoas todo o tempo.' Essa tem sido a crença fundamental da democracia americana."

(Daniel Boorstin in "The Image: A Guide to Pseudo-events" de 1961)


A era terminou com a extinção permo-triássica que eliminou cerca de 90% das espécies. Por outro lado, surgiram artrópodes, peixes, anfíbios e répteis e formou-se um continente único chamado Pangeia.

Recorro à imagem do Paleozoico, para me aproximar dum futuro talvez mais próximo do que pensamos.

A chamada crise climática, ao que se diz, provocada pelos países mais desenvolvidos (porque o metano das vacas dos pastores aborígenes terá uma responsabilidade insignificante), faz-nos pensar numa mudança de era, depois do que nada ficará como dantes.

Por coincidência, no pequeno teatro de marionettes que é a geopolítica, assistimos a uma transição que ecoa o surgimento de novas espécies e a extinção de outras ocorridas no Paleozoico, se tivermos o gosto da caricatura.

Os trabalhadores e as classes mais desfavorecidas da maior potência mundial, contra as doutrinas mais influentes no princípio do século XX, serviram-se da sua, mais ou menos vigente (refiro-me à adulteração das consciências provocada pelo meio mediático-tecnológico) prerrogativa eleitoral para pôr à frente dos destinos dessa potência, uma personagem que nos tempos de Lincoln, ou mesmo Kennedy, não passaria dum histrião de boulevard. Fizeram-no, não porque perderam o juízo ou porque foram manipulados, mas para tentar qualquer coisa de novo (revolucionário, seria de mau gosto), fora das consabidas políticas que confirmam a desigualdade mais gritante e a perpetuação duma vida sem futuro dos que estão no fim da escala. O partido democrata  deixou de merecer a confiança dessas camadas, sem embargo do sucesso de tal sistema no domínio económico e tecnológico para as elites. Estamos, se quisermos simplificar,  perante a repetição do impasse da democracia na Grécia Antiga: uma minoria de homens livres e culturalmente excepcionais e uma massa escrava, conformada, graças aos deuses do Olimpo, com esse estatuto.

É esse impasse, somado à demissão dos deuses, que explica o voto maioritário nos EUA. Não é um voto contra a razão, nem a favor dum criminoso e actor de vaudeville. É uma escolha desesperada para sair do impasse, nem que seja à custa do destrambelhamento do sistema. É quase o "quanto pior melhor".

Numa crónica recente, o impagável Miguel Esteves Cardoso diz que não é assim tão mau: o histrião só terá acesso a um mandato e o que fez e fará tem sempre um remédio: a desmontagem. De facto, assim como ele assina duzentos decretos dos seus num dia, um outro fará o contrário no mesmo tempo.

Entretanto, consolemo-nos com o espectáculo dum quase octogenário fazer o papel de César de revista popular. E com esse cúmulo de linguajar de palco que é o seu "drill, baby, drill", a propósito da anunciada escalada da perfuração de novos poços de petróleo contra o Acordo de Paris e tudo quanto seja o bom-senso político.

Quanto à política tal como hoje se vive cada vez mais, e à nova linguagem que lhe vem atrelada, a melhor citação é dum artigo no Público de 21 do mês passado, escrito por Pedro Adão e Silva:
"No dia da primeira eleição de Trump, Steve Kerr, nove vezes campeão da NBA, primeiro como jogador e agora como treinador, deixava um alerta numa conferência de imprensa em tom impaciente: a linguagem do comentário desportivo tinha contaminado o debate político. Estávamos no longínquo ano de 2016 e o treinador dos Warriors afirmava certeiro: “Talvez devêssemos ter previsto isto nos últimos dez anos. Olhamos para a sociedade, para o que é popular. As pessoas recebem milhões de dólares para irem à televisão gritar umas com as outras, quer seja no desporto ou no entretenimento. Acho que era apenas uma questão de tempo até que isso se estendesse à política.”

Esta era, apesar de tudo, é melhor que uma glaciação. Smile.

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