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01/02/25

A PERGUNTA

Mário Martins


      Uma ilha antiga do Porto
(https://www.google.com/search?client=firefox-b-d&sca_esv=475fc5fd866ec640&q=ilhas+do+porto)


Porque é que “a condições objectivas de vida e habitação degradadas não corresponde uma acção colectiva de contestação e/ou revolta?”

Eis uma questão social e politicamente central e com plena actualidade, que é abordada segundo as diversas escolas de pensamento no livro “Moradores de bairros populares no Porto e em Braga – Condições objectivas de vida e estratégias de sobrevivência e resistência passiva”, enquanto parte de um projecto coordenado pelo Doutor em Ciências Sociais, Culturais e Políticas, Manuel Carlos da Silva.

No estudo dado à estampa, baseado em mais de 800 inquéritos e realização de entrevistas, são exaustivamente apresentados gráficos estatísticos que quantificam e qualificam a realidade social dos moradores de bairros populares.

Os resultados desta pesquisa mostram que “a quase totalidade dos moradores não conheceu de facto mobilidade social ascendente, e confirmam a tese da reprodução social e a manutenção de situações de pobreza relativa e, por vezes, absoluta.”

Relativamente à ausência de “um movimento social urbano reivindicativo e organizado face a condições de vida severas e de habitação degradada”, que o autor apelida de passividade, são expostas as quatro principais correntes ou modelos explicativos: “o modelo ontológico-moral de cariz funcionalista e culturalista; o sociopsicológico e a teoria da privação relativa; o modelo de poder; e a abordagem materialista histórica.”

No modelo ontológico-moral “os protagonistas sociais teriam tendencialmente uma personalidade-base, ora individualista e calculista, ora comunitarista e solidária, sendo factor determinante a consciência colectiva, a cultura num quadro de diferenciação social, mas complementar (…), (solidariedade mecânica na sociedade tradicional e orgânica na moderna) (…), gratificando os conformistas e cumpridores de normas da ordem estabelecida e penalizando os dissidentes, ‘desviantes’ ou ‘transgressores’.”

Já o modelo sociopsicológico, na sua versão mais recente, “reconhecendo uma maior variabilidade do comportamento humano (…) e partindo do raciocínio subjacente de que o lugar de cada actor social no sistema de estratificação estaria na base da medida de satisfação-insatisfação, apatia-rebeldia, frustração-agressividade”, considera que “quanto mais baixo for o estatuto de determinado indivíduo maior a probabilidade de motivação, (pre)disposição psíquica (…) para a indignação, revolta, protesto ou acção colectiva (…)”

Por sua vez, o modelo de poder “considera (este) como o factor explicativo dos comportamentos sociais, das relações clientelares, da acção sociopolítica das classes sociais, assim como das diferentes configurações políticas a nível local, regional ou nacional. À acção, ora contestatária, revoltosa ou revolucionária, ora resignada, passiva e conformista de determinados grupos/classes sociais, subjaz na arena política uma estratégia de poder consciente (…)”

Na abordagem materialista histórica, “as acções das classes e dos grupos sociais são explicadas a partir do(s) respectivo(s) modo(s) de produção, dos conceitos e categorias daí derivados, nomeadamente do grau de desenvolvimento das forças produtivas, relações de produção e conteúdos das instâncias político-ideológicas (…)”

No balanço crítico do autor “não há uma relação directa de causa-efeito entre pobreza ou privação relativa e revolta ou revolução, nem esta é resultante da soma de indivíduos insatisfeitos, descontentes e ressentidos. Como sustenta Scott, se o ressentimento fosse suficiente para a revolta todo o Terceiro Mundo estaria a arder em chamas (…) Os pobres, privados de recursos e posicionados em situação vulnerável em termos atomicistas e, sobretudo quando não organizados, não conscientemente politizados nem movidos pela utopia transformadora, preferem resguardar-se na esfera pública, quando muito, soltam os seus ‘desabafos’ ou ‘queixas’ num registo familiar ou informal e, amiúde, (semi)oculto, de modo a terem o beneplácito dos detentores de poder e, sobretudo, não sofrer retaliações pela emissão de críticas abertas, frontais ou públicas.”

Depois de criticar “o pressuposto estrutural e economicista na análise tradicional marxista em torno das classes sociais (…), tornando-se (assim) intrigante constatar como, perante a não-coincidência entre o factor de ordem económica e o comportamento político, se aliam na tradicional perspectiva marxista um economicismo apriorístico e a remissão para o campo ideológico como factor explicativo (…), o autor salienta que o modelo ontológico-moral culturalista e o modelo sociopsicológico foram rebatidos pela sua unilateralidade conceptual e/ou generalização não empiricamente comprovada, e que o modelo de poder e o modelo marxista, (embora) apresentando factores explicativos relevantes, foram objecto de crítica pela sua monocausalidade e, por isso, devem ser articulados com a perspectiva da “economia moral” (…) enquanto conjunto de motivações, experiências e sentimentos de (in)justiça partilhados e enraizados nas condições materiais de existência.”



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