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01/01/25

PODER PESSOAL

Mário Martins

 


Reconhecida classicista aclamada em todo o mundo académico, professora em Cambridge”, na apresentação da editora, Mary Beard, nesta obra, não visa propriamente um imperador em particular, mas o que foi ser imperador no Império Romano, desde Júlio César, em meados do século I a.C. a Alexandre Severo na primeira metade do século III d.C., sem embargo de ilustrar o significado de ser imperador com a análise do exercício concreto do poder e das vidas privadas dos que mais vincaram a sua marca.

É como que uma dissecação do poder pessoal que revestia o imperador, manifestado pelas diferentes idiossincrasias e modos de agir dos quase trinta intérpretes autocratas, e pela maneira como os romanos contemporâneos o viam e interagiam com ele. Estes esperavam que os imperadores fossem acessíveis aos seus súbditos como na história do imperador Adriano que, estando em viagem, foi interceptado por uma mulher que queria pedir-lhe um favor. Quando lhe disse que não tinha tempo, ela retorquiu rispidamente: “Então, deixai de ser imperador”, o que o levou a aceder ao pedido.

O que chama desde logo a atenção é o facto de o seu poder autocrático de nada servir a pelo menos doze deles, para impedir a sua morte por assassínio, certo nuns casos, e suspeito noutros. Ou, como no caso de Nero, que tenha sido forçado ao suicídio.

A autora manifesta um cuidado extremo em separar o que está acima de qualquer dúvida do que não está suficientemente provado, ou de meras suposições ou suspeitas. E não poucas vezes, instala a dúvida ou reserva em muitos acontecimentos tidos por verdadeiros.

Para Mary Beard, “a sobrevivência do império enquanto sistema não faz sentido se tivesse sido governado por uma série de autocratas perturbados. O (seu) interesse recai sobre a maneira como essas histórias de loucura ganharam forma, sobre o modo como a gestão do império se processava na realidade e sobre os receios que os romanos tinham de que o governo dos imperadores não só fosse manchado de sangue (já estavam à espera disso), mas que fosse também uma estranha e inquietante distopia alicerçada no logro e na impostura. Nenhum reinado reflecte melhor esses receios do que o de Heliogábalo (…) habitualmente esquecido.”

Heliogábalo era um adolescente sírio que, aos 14 anos, foi o 26º. imperador de Roma, desde 218 d.C. até ser assassinado em 222, com 18 anos. A fama que granjeou é a de um memorável organizador de festas, em que se misturavam extravagância, invenção e sadismo, para as quais caprichosamente convidava comensais, ora homens todos calvos, ora com um só olho, ora muito gordos, sentados em almofadas que se esvaziavam aos poucos produzindo o som de flatulência, a quem eram servidos alimentos exóticos ou repugnantes, ou, aos comensais menos importantes, alimentos falsos de cera ou vidro, ou presenteá-los com uma grande chuva de pétalas que lhes provocou a morte por asfixia, ou ainda mandar libertar leões, leopardos e ursos domesticados no meio dos farristas enquanto dormiam, para morrerem de medo quando acordassem. Além disso, costumava encher os seus jardins de verão com neve e gelo das montanhas, e terá pedido aos médicos para lhe darem órgãos genitais femininos por intermédio de uma incisão, numa atitude de pioneiro do transgénero. Realidade ou Ficção? A autora é cautelosa e releva a idade prematura do imperador.

Se procurarmos uma crítica ao poder pessoal de Roma, podemos encontrá-la em escritos romanos (…) que apresentaram reiteradamente o imperador como um impostor ou um deturpador da verdade e do próprio poder pessoal como um fingimento e uma representação (…)”

Exemplo disso é a descrição que o escritor e secretário pessoal do imperador Adriano, Suetónio, faz, cem anos depois, das últimas horas do imperador Augusto, em 14 d.C., em que este manda chamar alguns amigos a quem pergunta “se achavam que tivera uma actuação adequada na comédia da vida”, juntando dois versos gregos: “Já que a peça foi tão boa, aplaudamos/e mandai-nos embora com uma ovação.”

Se para Mary Beard “a Roma Antiga tem escassos ensinamentos directos para nos dar (…), é um facto desconfortável que, por toda a História, a autocracia – tirania, ditadura ou o que quer que lhe chamemos – tenha dependido de pessoas de todos os estratos, que a aceitaram, que se adaptaram ou que até a consideraram um sistema confortável sob o qual viver (…) Aquilo que sustenta a autocracia (conclui) não é a violência ou a polícia secreta, é a colaboração e a cooperação, sejam estas cúmplices ou ingénuas, bem-intencionadas ou não.”

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