António Mesquita
(https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Civilserviceexam1.jp)
"Há, hoje, uma infantilização e uma juvenilização excessiva da sociedade que leva à cretinice. As sociedades mais sábias não faziam a valorização da juventude que fazem as sociedades contemporâneas. Esse é um dos problemas que temos. Caminhamos no sentido de uma certa cretinice que se instalou em várias democracias, nomeadamente em Portugal. E essa cretinice tem consequências do ponto vista do ambiente escolar."
(Francisco de Assis, em entrevista ao Expresso de 21/1/2023)
É difícil resistir à ideia de que nos devemos avaliar uns aos outros, nos tempos que correm. De que outro modo progredir na carreira ou separar o trigo do joio nas relações sociais? Temos um pódio para os melhor classificados e as escadas gemónias para os do fim da escala.
Era, portanto, expectável, na lógica das coisas, que também os professores fossem avaliados. Não apenas pelos inspectores da instituição ou por qualquer auditoria ministerial, mas pelos próprios alunos que, assim, passam a olhar mais criticamente o docente, falível representante do saber. Não nos deixemos intimidar pelos que dizem que criticar não é a melhor maneira, para um jovem inexperiente, de assimilar a lição, ao contrário da ingénua confiança. Atribuir à ingenuidade etária o carácter cauteloso da experiência de vida pode até ser criativo, ou como disse a protagonista dum dos últimos escândalos da política doméstica, "um novo desafio" para o ensinante e para o aprendiz.
A história da avaliação é muito mais antiga do que o Império do Meio. O que é novo é a inversão de papéis. Sinal menos duma igualdade abstrusa do que da crise de representação e cretinice de que fala Francisco Assis.
Já há quatro mil anos, os chineses recorriam a um sistema de notação para a escolha dos funcionários. Na Europa, a prática terá sido introduzida pelos jesuítas, segundo os princípios de Loyola, nos séculos XVI e XVII. Em França, existiam já notas até 10 ou 20 em 1866 e um decreto de 1890 adoptou a escala de 20 nos colégios e liceus. Em 1968 assiste-se à recusa da selecção e no ano seguinte é suspenso o sistema de notação de 0 a 20 que é reimposto em 1971. Entre nós, vigora esta notação que nos últimos tempos entrou em crise indisfarçável, dada a proliferação da nota máxima. Vintes a vintém.
Impõe-se estudar este fenómeno e tirar conclusões. A demagogia por parte dos professores é um sinal de perigo e de abastardamento do sistema escolar. Se os alunos têm o poder de inspirar uma atitude demagógica nos docentes, respondendo à avaliação destes com as suas próprias notas, tantas vezes enviesadas por questões de género ou de raça que acrescem a uma imaturidade segundo a ordem das coisas, a tarefa de passar o conhecimento fica de todo comprometida e é a sociedade que perde.
"A ideia dos alunos avaliarem os professores não é nova. Um conjunto de pesquisas foi apresentado por Gilbert de Landsheere na sua "Introduction la Recherche en Éducation". As objecções que ela suscita estão igualmente bem identificadas: incompetência dos juízes, demagogia dos professores, competição entre os ensinantes, colapso da relação de autoridade." No que diz respeito à análise pedagógica, "está provado que os alunos têm uma percepção fiel da qualidade das situações de aprendizagem que lhes são propostas, mesmo se não têm a competência para justificar a sua intuição." Os autores do artigo, reconhecendo alguns aspectos positivos "que não estão longe daqueles obtidos pelos peritos para descrever - com base em estatísticas - os ensinantes eficazes", propõem que a experiência seja limitada aos professores voluntários, dado o "impacto relacional".("Quand les élèves évaluent leurs profs" de Danielle Tacaille e Alain Saustier).
É evidente que há nuances e algumas precauções terão sido tomadas. A própria inflação das notas nos nossos colégios e no ensino superior terão causas adjacentes que não estou em posição de analisar. O anonimato da "avaliação" devia proteger o docente até certo ponto. Mas os efeitos da suspeição sistemática e do escrutínio que tem o seu lugar nas bancadas da oposição política, mas que, na escola, são tão só uma manifestação do "politicamente correcto", no mesmo espírito que nos levou a desfigurar a língua com o "(des)acordo ortográfico", não podem ser ignorados numa relação em que a confiança e a disponibilidade do espírito são tão necessárias.
Estranha-se apenas o silêncio da comunicação social sobre um assunto tão grave, num momento em que os professores alegadamente, lutam contra o desprestígio da sua classe.
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