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01/05/22

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COMEMORAR O 1o DE MAIO

Manuel Joaquim
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No próximo domingo, dia 1 de Maio, vai comemorar-se em todo o País, com iniciativas organizadas pelo Movimento Sindical, o Dia do Trabalhador.

É bom recordar o dia 1º de Maio de 1886, quando milhares de trabalhadores, nos Estados Unidos da América, na cidade de Chicago, manifestaram-se em defesa das 8 horas de trabalho. Muitos foram mortos e feridos pela polícia. Passados quatro dias, novas manifestações com muitas vítimas. As populações repudiaram o comportamento da polícia, do governo e dos patrões.

Em 1889 o Congresso Operário Internacional, realizado em Paris, aprovou o dia 1º de Maio como o Dia Internacional dos Trabalhadores.

Em 1890, nos EUA, a jornada de trabalho passou a ser de oito horas.

A luta por melhores condições de vida não é de agora. Com a Revolução Francesa e na primeira metade do século XIX, foram publicados muitos escritos em diversos países com a denúncia das condições de vida de grande parte das populações, da exploração da classe operária, do trabalho infantil, da habitação miserável, com a esperança média de vida a rondar os 30 anos, e com propostas para a organização das sociedades.

Também é bom recordar que em Portugal “os tabaqueiros, em Março de 1889, já tinham conquistado o direito às 8 horas de trabalho diário, o primeiro 1º de Maio, Dia Internacional dos Trabalhadores, ocorreu em 1890, mais participado no Porto, onde a polícia manteve uma presença intimidatória, mas sem impedir a aprovação das reivindicações a entregar no Governo Civil; também significativamente participadas as comemorações aconteceram em Lisboa, e foram continuadas nos dias seguintes, designadamente em Coimbra e Silves”, conforme trabalho publicado por Vítor Ranita.
Passaram 136 anos. A data não pode ser só para comemorar mas também para reivindicar melhores condições de vida, numa altura em que os salários, o desemprego, a saúde, a educação, a degradação social está a bater à porta da maior parte das pessoas, sem que sejam criadas políticas que respondam cabalmente às necessidades.

Durante o fascismo nunca deixou de ser comemorado o Dia do Trabalhador, apesar das perseguições das polícias e dos patrões, dos carros nívea e dos carros bombas de água com corante azul para marcar os manifestantes. As pessoas eram mobilizadas pelas mais diversas formas: rádios clandestinas, panfletos distribuídos nas caixas do correio, em caixas de sapatos deixadas nas ruas com movimento com um pequeno petardo que rebentava e provocava a sua dispersão, nos locais de trabalho, sindicatos, associações.

O 1º de Maio, Dia do Trabalhador, ou Dia Internacional dos Trabalhadores, começou a ser festejado legalmente em Portugal, só a partir de 1974, após a Revolução do 25 de Abril, passando a ser Feriado Nacional.

Apesar da liberdade conquistada, acontecimentos resultantes de interesses antagónicos, a divisão dos trabalhadores é intencionalmente provocada para o poder das elites e das classes dominantes se manter.

As comemorações do 1º de Maio de 1982 realizadas no Porto, não podem ser ignoradas e esquecidas. Foram assassinados dois trabalhadores pela acção da polícia a mando de um ministro do governo de então. Vítor Ranita publicou um livro, “Livro Branco”, onde descreve estes acontecimentos. 

Comemorar o 1º de Maio de 2022 com vontade de trabalhar para construir uma sociedade mais justa e em PAZ.



NO CORRER DOS DIAS

Marques da Silva



Ma'rib (Wikipedia)




Habituáramo-nos àquele jogo de palavras. Não era um divertimento, era mais uma forma de diálogo, de conversar recordando o passado, talvez as melhores recordações de um tempo que já não voltava. Naquele dia, contudo, quando relembrava a passagem pela Patagónia, na manhã em que decidimos sair de Puerto Natales e viajar para Sul até Fuerte Bulnes e pouco após a saída da cidade, nos detivemos entre o espanto e a incredulidade face ao fulgor do nascer do dia, na fusão de cores que víamos desenharem-se entre a montanha, a água do golfo e os azuis do céu, que nos fizeram acreditar que cada lugar deste planeta tem momentos irrepetíveis, o teu rosto parecia contraído e com gravidade disseste, sim, o mundo em que vivemos tem uma natureza cativante que nos pode surpreender a cada instante, como na viagem a Ma’rib para deixarmos o olhar penetrar no tempo remoto do reino dos Sabeus e a sua rainha de Sabá, mas quiseste regressar pelos campos de Sirwah onde deixamos o nosso olhar parado, não pela beleza da paisagem que nos rodeava, mas pelas dezenas de crianças mutiladas pela guerra do grande príncipe Salman, que encontramos na entrada de uma aldeia sem nome e as que ainda tinham o corpo direito, aguardavam pela morte que a fome lhes trazia. Pela primeira vez, no nosso diálogo, a conversa esmoreceu e para tentar que prosseguisse tentei que a lembrança fosse para além do que os olhos vêem e se detivessem na música que podemos escutar. Nas margens do rio Salzach sentados com as pernas pendentes sobre as águas, ouvíamos serenamente a partitura “para Elisa” e disse-te que na leveza daqueles sons se percebia uma certa melancolia de Beethoven que quase roçava a tristeza como se o compositor ao mesmo tempo que pretendia ser alegre não acreditava que a sua música obtivesse o êxito da sedução. Tristeza que parece ainda mais evidente no seu “Silêncio”, mais prolongado e mais doloroso. Houve um intervalo antes de falares baixinho, quase sussurrante, Ulia Grómova era minha avó, uma adolescente que vivia na cidade de Krasnodon e também ela poderia ter escrito, “A manhã estava fria e serena. A claridade da aurora invernal atravessava a custo um vapor lívido. Não havia o mínimo movimento sobre a terra, ou no céu, não havia um som, ou sequer um sopro de vento, no imenso deserto branco que se estendia a perder de vista na sua frente e no qual as depressões das ravinas e os arbustos no flanco das colinas lançavam aqui e além, as suas manchas acinzentadas.” (1) Podia, mas não chegou a escrever, foi presa, torturada e lançada ao fundo de uma mina com dezenas de jovens como ela, por pretensos civilizadores que vieram de Ocidente, também tinham olhos azuis e cabelo louro e eram um esquadrão de protecção. Parece que estão de volta, acrescentaste. Lembrei-me ainda da viagem através do deserto sírio para visitarmos Palmira e como ao chegarmos li nas tuas expressões a delícia de imaginar a grandeza da humanidade na magnitude das suas construções que perduram milenarmente como mostra de um poder que pese embora a sua dimensão acabou na poeira do tempo. Na Palestina, disseste, existiam aldeias seculares até à chegada dos emigrantes judeus. Arrancaram oliveiras, expulsaram os habitantes e em muitos casos limparam literalmente essas aldeia da face da terra, deixaram de existir. Tudo em nome de um Deus inclemente, da história de um Livro feito de metáforas. O nosso planeta tem de facto paisagens extasiantes, sim, lugares para nunca esquecer, pessoas que sempre recordaremos, mas como na face oculta da Lua, tem também o poder perverso de uma minoria reinante que destrói a beleza em troca de uma riqueza obscena e criminosa. O nosso diálogo, desta vez, não se prolongou. É de facto, pungente, vivermos a beleza da vida, com tantos criminosos em nosso redor, desenhando e cercando os dias que vivemos.  


(1) Alexei Fadéiev, “A Jovem Guarda”, Editorial Caminho, Lisboa, 1984


LIÇÕES DE MESTRE (2)

Mário Martins 

https://www.fnac.pt/Sete-Breves-Licoes-de-Fisica-Carlo-Rovelli/

Posso dizer seguramente que ninguém entende a física quântica.”
Richard Feyman
Físico americano, um dos pioneiros da electrodinâmica quântica
1918/1988


OS QUANTA

Agora que a invasão bélica da Ucrânia, eufemisticamente rotulada pelos russos de “operação militar especial”, começa a ser assimilada pelos nossos mecanismos psicológicos de defesa como mais uma rotina quotidiana, como se de uma tele-novela ficcional se tratasse, voltemos à Física.

Rovelli começa por sublinhar que os dois pilares da física do século XX, a relatividade geral (que abordámos na Periscópio de Janeiro) e a mecânica quântica, não poderiam ser mais distintos.

Em 1900, o físico alemão Max Planck calcula o campo eléctrico em equilíbrio no interior de uma caixa quente, imaginando que a energia do campo se encontra distribuída em “quanta”, isto é, em pacotes de energia. O procedimento conduz a um resultado que reproduz na perfeição aquilo que é medido (devendo por isso estar de alguma forma correcto), mas Planck não percebia a razão da eficácia do método, pois a energia era considerada algo que varia de forma contínua, e não havia razão para a tratar como se fosse feita de pequenos tijolos.  

É Einstein, passados cinco anos, a compreender que os “pacotes de energia” são reais, que a luz é feita de pacotes, partículas de luz a que hoje chamamos “fotões”, vindo a obter o Nobel por este trabalho (a que deu o título “Sobre uma Perspectiva Heurística da Criação e Transformação da Luz”, mais conhecido por teoria corpuscular da luz ou do efeito fotoeléctrico), inicialmente tratado pelos colegas como o disparate juvenil de um rapaz brilhante. 

A partir daqui a teoria ganhou asas e Einstein deixou de a reconhecer. Durante as décadas de 1910 e 1920, é o dinamarquês Niels Bohr quem guia o seu desenvolvimento. É ele a compreender que também a energia dos electrões nos átomos só pode assumir, tal como a energia da luz,  certos valores “quantizados”, e sobretudo que os electrões apenas podem “saltar” entre uma e outra órbita atómica com energias permitidas, emitindo ou absorvendo um fotão ao saltarem, os famosos “saltos quânticos”.

Em 1925, surgem finalmente as equações da teoria, que substituem toda a mecânica de Newton. É difícil imaginar um triunfo maior. De repente, tudo bate certo, e consegue-se calcular tudo. Porque é que os elementos da tabela periódica de Mendeleev são os aí enumerados, e porque é que a tabela periódica tem essa estrutura, com aqueles períodos, e os elementos possuem aquelas propriedades? A resposta é que cada elemento é uma solução da equação-base da mecânica quântica. Toda a química advém desta única equação. 

O primeiro a escrever as equações da nova teoria será um novíssimo génio alemão: Werner Heisenberg, baseando-se em ideias mirabolantes. Heisenberg imagina que os electrões não existem sempre. Existem apenas quando interagem com qualquer coisa. Os “saltos quânticos” de uma órbita a outra são o seu modo de serem reais: um electrão é um conjunto de saltos de uma interacção a outra. Quando ninguém o perturba, não está em nenhum sitio preciso. Não está num sitio. Na mecânica quântica, nenhum objecto tem uma posição definida, até se deparar com outra coisa. Esses saltos com que todos os objectos passam de uma interacção a outra não sucedem de forma previsível, mas ao acaso. Não é possível prever onde reaparecerá um electrão, mas apenas calcular a probabilidade de ele aparecer aqui ou ali. A probabilidade insinua-se no coração da física, aí onde parecia que tudo seria regulado por leis precisas, unívocas e irrevogáveis.

Parece absurdo? Também a Einstein parecia absurdo. No final, Einstein aceita que a teoria é um gigantesco passo em frente na compreensão do mundo, embora permaneça convencido de que as coisas não podem ser assim tão estranhas e que “por detrás” terá de existir uma explicação mais razoável. 

Passou um século e encontramo-nos no mesmo ponto. As equações da mecânica quântica e as suas consequências são quotidianamente usadas por físicos, engenheiros, químicos e biólogos, nos mais variados campos. São extremamente úteis para toda a tecnologia contemporânea. Não existiriam transístores sem a mecânica quântica. E, no entanto, permanecem misteriosas: não descrevem o que acontece a um sistema físico, mas apenas a forma como um sistema físico é percebido por um outro sistema físico. O que significa isto? Que a realidade essencial de um sistema é indescritível? Que falta apenas uma parte da história? Ou (como parece a Rovelli) que devemos aceitar a ideia de que a realidade é apenas interacção? 

O remate desta incerteza só poderia ser de ordem filosófica: : “Não há mundo quântico. Existe apenas uma descrição física quântica abstracta. É errado pensar que a tarefa da física é descobrir como a natureza é. A física diz respeito ao que podemos dizer sobre a natureza” (Bohr). “Temos que lembrar que o que observamos não é a natureza em si, mas a natureza exposta ao nosso método de questionamento.” (Heisenberg). Afirmações com as quais o realista Einstein não poderia concordar, uma vez que recusava que os efeitos não pudessem ser previstos de forma completa e inequívoca a partir das suas causas.

Pontos a reter: a luz é corpuscular (embora, de modo complexo, assuma um comportamento dual de onda-partícula), feita de pacotes de energia, os quanta; o mesmo se passa com os electrões, no mundo subatómico; contrariamente à física clássica, a mecânica quântica é dominada pelos princípios da incerteza e da probabilidade.

O que são fotões, os quanta da luz? Perto do fim da vida, Einstein confessou que ao fim de 50 longos anos de meditação consciente sobre a questão, não estava mais próximo da resposta…

NB: Tal como na 1ª. lição, este é um resumo livre da 2ª. lição de Carlo Rovelli, querendo com isto dizer que para lá das muitas transcrições praticamente literais da obra, mistura algumas “liberdades” de um curioso da ciência, esperando, com isso, não ter atraiçoado o sentido desta lição e das que se seguirão. Dada essa mistura, não foram colocadas entre aspas as transcrições da obra. 



UMA QUASE UTOPIA

António Mesquita
Filme de Fran Kranz de 2021



"Todas as mitologias e religiões politeístas são, de uma forma requintadíssima, ciências humanas, infinitamente mais rigorosas, eficazes e sensatas que aquilo a que damos actualmente esse nome."
 (Michel Serres, "A Origem da Geometria")


Depois de uma longa troca de cartas, os pais (Jay e Gail) de Evan, um estudante assassinado, num daqueles massacres que a proliferação das armas nos EUA torna tão frequentes, os pais do assassino (Linda e Richard), outro estudante, que se matou a seguir, aceitam encontrar-se numa pequena igreja episcopaliana da província.

A sala da "reunião" é preparada por dois jovens assistentes da congregação. Ela, em estado de exaltação neófita, ele casual e inexpressivo. Os lenços de papel, na expectativa de lacrimejo, café e bolinhos.

Vemos o primeiro casal chegar e fazer horas num descampado. Ambos tensos e cheios de dúvidas. Quando se confrontam com Linda e Richard, tudo isso se agrava, apesar da conversa informal para distender e se ambientarem. Desde logo, se percebe um tom de súplica em Linda e o marido, como se fosse óbvio que a tragédia fosse de algum modo da sua responsabilidade. A hostilidade de Gail resiste a todas as "explicações".

Ao fim de algum tempo todos tiveram ocasião de "explodir" , de saltar as conveniências e a linguagem controlada para mostrar a ferida insarável. Gail sente-se no direito de exigir uma vigilância retroactiva sobre a vida de Hayden. Desde quando o seu comportamento pareceu problemático, o que fizeram os pais, se deixaram as coisas evoluirem para o desastre, sem tentarem tudo, se o seu sofrimento foi comparável ao daqueles que perderam um filho com todo o futuro à sua frente.

Nada se aproxima dum apaziguamento, até que Linda pede a Gail uma história que represente o espírito de Evan, a sua maneira de ser, o seu sentido de humor. Ao tentar recordar-se do filho vivo, dum dos muitos momentos de alegria que há minutos pareciam perdidos para sempre porque estavam todos naquela sala engrenados na atribuição da culpa ou na desculpabilização, foi como se uma comporta se abrisse e um rio corresse para a foz.

Depois de contar a banalíssima história e do alívio que se seguiu, Gail confessa a sua necessidade de perdoar para poder viver consigo mesma e voltar a pensar em Evan como ele sempre foi. Jay acompanha-a nessa disposição. Parece que o encontro afinal valeu a pena. Quando se despedem, missão cumprida, dir-se-ia que tudo foi dito. Se não fosse o silêncio dos pais sobre Hayden. Como se o tivessem perdido duas vezes, por causa do massacre e por não serem capazes de se lembrarem dele senão na perspectiva do mal que causou aos outros e à família. É quando Linda volta atrás e pede para contar, por sua vez, uma história sobre o filho. Adivinha-se que é um dos muitos momentos em que o espírito traumatizado de Hayden revela o seu bloqueio e a sua miséria a ponto de ameaçar a mãe. Linda lamenta que depois disso tenha fechado a porta do seu quarto à chave. Preferia, hoje, que o filho a atacasse e como que explodisse nela. Depois dessa confissão e das lágrimas, as duas mulheres abraçam-se e a despedida é, desta vez, perfeita. Os lenços de papel tiveram a sua utilidade.

O título do filme em português é prosaico e não tem a ressonância do original: "Mass", missa. Há quem se susceptibilize por poder haver aqui uma insinuação de proselitismo religioso. Mas Missa é sacrifício simbólico e ideia de ressurreição. Evan e Hayden, vítima e assassino, são vítimas sacrificadas do caos impenetrável que é a outra face da nossa liberdade, e a compreensão disso só pode trazer o perdão e o regresso à vida.

Infelizmente, este perdão é uma esperança quase sempre infundada noutras circunstâncias em que o ódio e a guerra campeiam. Mais valia culpar os deuses como faziam os Gregos, em vez de arranjarmos os míseros substitutos que se pretendem livres e senhores da sua vontade.

"Mass" podia ser uma peça de teatro ou um filme de Bergman que poderá tê-lo inspirado.

É uma obra original sobre uma quase utopia que não podemos deixar de perseguir em qualquer tempo.



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