Mário Martins
https://www.fnac.pt/Os-Cus-de-Judas-Edicao-Comemorativa-40-Anos-
“Felizmente que a tropa há-de torná-lo um homem.”
António Lobo Antunes
“Os Cus de Judas”
Nunca o “cagalhão” (cito), esse escandaloso
vocábulo do glossário português que no modo educado até custa pronunciar, devendo
ser dito em voz baixa e contar com a
cumplicidade de quem ouve, nunca tal expressão ou as correlativas “caretas de defecação”
(ibid.) me pareceram tão literárias como nesta dolorosa obra-prima autobiográfica
de António Lobo Antunes que, mais de 40 anos depois, me dispus a ler, mercê de
uma selecção, efectuada em 2016*, dos doze melhores livros de autores
portugueses dos últimos 100 anos.
O pano de fundo é o que, para os prosélitos
de um regime ancilosado, foi a gesta ultramarina, e para a generalidade da
população, a guerra colonial. Através do olhar arguto e culto do oficial médico
António Lobo Antunes no teatro de guerra de Angola, mas em cuja mente do grande
escritor que viria a ser perpassava a angústia de não conseguir escrever os romances
que nela já fervilhavam, é-nos dado o testemunho de uma tragédia que a ausência
de uma justificação moral tornara insuportável.
Os horrores de uma guerra, seja
ela justa ou injusta, são sempre horrores, mas a justificação moral da guerra contra a
loucura nazi, que absolveu todos os sacrifícios e alicerçou a vitória aliada, fez
toda a diferença para o anacronismo e iniquidade de uma guerra colonial que
tornou vão o sacrifício de tantos portugueses, e só poderia terminar, de uma
forma ou de outra, em derrota.
No palco da guerra, com o seu
cortejo de mortes, feridos e estropiados a que o “Doutor” tinha de acudir como
podia, justificando o coro dos “foda-se” e “caralho” (ibid.) nesses momentos
sanguíneos, cruzam-se as recordações da infância, a crónica da vida familiar, até sobrevir um profundo
desencantamento por tudo e por todos, a
começar por si próprio: “O tempo trouxe-nos a sabedoria da incredulidade e do
cinismo (…) e desconfiamos tanto da humanidade como de nós mesmos, por
conhecermos o egoísmo azedo do nosso carácter oculto sob as enganadoras
aparências de um verniz generoso.”
Desencanto pelas relações de
amizade esvaídas ”os amigos afastaram-se a pouco e pouco de mim, incomodados
pelo que consideravam uma ligeireza de sentimentos vizinha da vagabundagem
libertina”, ou por uma Lisboa (que) “mesmo a esta hora (nocturna), é uma cidade
tão desprovida de mistério como uma praia de nudistas”.
No regresso da guerra, uma tia decepcionada
sentencia: “- Estás mais magro. Sempre esperei que a tropa te tornasse um
homem, mas contigo não há nada a fazer.”. A despeito de medir o homem pela largueza
de ombros, talvez vislumbrasse a pertença do sobrinho “à dolorosa classe dos
inquietos tristes, eternamente à espera de uma explosão ou de um milagre”, que
o escritor haveria de confessar n’Os Cus de Judas’.
* Os 12 melhores livros portugueses dos
últimos 100 anos - Revista ESTANTE
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