StatCounter

View My Stats

01/02/21

O COMPOSITOR TARDIO

 Mário Martins


Anton Bruckner



“Com a idade com que Schubert e Mozart já tinham terminado (e falecido…) as suas obras, Bruckner ainda andava a fazer exercícios de contraponto”.
Wilhelm Furtwängler

“Querem que eu componha de outra maneira. Certamente que poderia, mas não devo. Deus escolheu-me e deu-me este talento. É a Ele que eu devo prestar contas. Como poderia eu, então, apresentar-me perante Deus Todo Poderoso, se eu seguisse os outros e não Ele?" (tradução livre)
Anton Bruckner



Em 1967, no início da sua carreira, a banda de rock inglesa Pink Floyd (ainda com o guitarrista/vocalista Syd Barrett, que depois seria dramaticamente substituído por David Gilmour), numa entrevista durante uma actuação ao vivo na BBC, é questionada “porque é que a sua música é tão barulhenta”, concluindo o entrevistador “que é um pouco como um regresso à infância” e, condescendendo,apesar de tudo, porque não ouvi-la?”. O que diria hoje o dito crítico entrevistador dos êxitos estrondosos e da música, muita dela intemporal, que a mítica banda produziu nas décadas seguintes?

O mesmo se poderia dizer a propósito das críticas acerbas de que foi alvo o compositor austríaco Anton Bruckner ao longo da sua vida (1824-1896): Um crítico vienense vociferava: “Arrepiamo-nos, repugnados com o odor a putrefacção que assalta as nossas narinas e que emana deste contraponto apodrecido. A sua imaginação é tão irremediavelmente mórbida e retorcida que algo como uma progressão de acordes regular ou uma estrutura periódica não existem para ele. Bruckner compõe como um bêbedo”.

E tal como aconteceria 27 anos depois, aquando da estreia em Paris, em 1913, da obra prima, hoje tão celebrada, do compositor russo Igor Stravinsky, “A Sagração da Primavera”, bailado então coreografado por Vaslav Nijinsky, que foi recebida com grande escândalo e desacatos, um crítico nova-iorquino verberava, embora de forma mais cautelosa, a Sinfonia nº. 7 de Bruckner: “Polifonia ensandecida […] Um fiasco. Talvez seja julgada bela daqui a 25 anos, mas não é bela hoje. A música abateu-se como chumbo sobre o público, do qual um terço saiu da sala após o II andamento”.

Entretanto, o tempo, “esse grande escultor”, veio a ridicularizar as críticas da época e a engrandecer a obra do homem que, segundo rezam as crónicas, tinha alma de campónio, era católico devoto, amante não correspondido de raparigas adolescentes, e com tendências para a necrofilia e a depressão. No entanto, Mahler, 36 anos mais novo, faz dele um retrato mais gentil: “A disposição feliz de Bruckner e a sua natureza infantil e confiante fizeram do nosso relacionamento uma amizade franca, espontânea.”*

Num artigo de José Carlos Fernandes*, diz-se, citando, que “Bruckner orquestrava como o organista que era: por grandes blocos de som, alternando entre naipes orquestrais como se fossem combinações de registos de órgão, incluindo até as pausas de que o organista necessitava para fazer as mudanças de registo”. E que Bruckner era um “Ansel Adams compositor”, enquanto equivalente sonoro das fotos que o fotógrafo americano realizou nas paisagens selvagens do Oeste americano, e que realçam o carácter bravio, inóspito e rude das grandes formações rochosas. As sinfonias de Bruckner estão por lapidar, não porque o compositor não soubesse como o fazer, mas porque as pretendia assim, altaneiras e agrestes como uma cordilheira, conclui o articulista.

Apreciações, estas, que soam bem apropriadas a um ouvinte, ainda que leigo, da música de Bruckner. O moteto sacro Locus iste”, e a 4ª., 7ª. e a (inacabada) 9ª. Sinfonias talvez fossem as minhas escolhas.

*https://observador.pt/especiais/bruckner-a-historia-do-inseguro-mestre-anton/


Sem comentários:

View My Stats