Mário Martins
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"Príncipe, o que és, és acidentalmente por nascimento; o que eu sou, sou por mim mesmo. Príncipes existem e existirão aos milhares. Beethoven há apenas um."
“Beethoven é uma criatura completamente indomável.”
Goethe
Não são apenas acontecimentos dramáticos como o recente ataque viral (em que, pragmaticamente, como numa guerra - mas uma estirpe de guerra de vestes brancas em que o inimigo não se vê e, por isso, baixamos a guarda -, os mortos não passam de números contados ao minuto, sem direito a ritual, e os vivos como que suspendem a sua vida face à ameaça real e ao medo, acossados pela torrente de notícias e pelos canais sensacionalistas que, a coberto do dever de informar, exploram e fomentam, sem escrúpulos, as nossas fraquezas psicológicas, realçando sempre e apenas as dificuldades do sistema de saúde com o relato exaustivo deste ou daquele caso que correu mal, Ludwig van que me perdoe, este parêntese já vai longo, mas o corona mete-se em tudo, até num texto que visa celebrar o génio de um criador, antes mesmo de se instalar nas células o raio do vírus já está nas nossas cabeças), não são apenas acontecimentos dramáticos à escala mundial, dizia, ou os avanços científico/tecnológicos, ou a exploração espacial, que fazem romper as barreiras culturais e redescobrir a espécie a que todos pertencemos. O génio de alguns “eleitos” transborda igualmente a cultura de origem para se materializar em obra universal. Diz-se, a propósito, que as pessoas possuem ou não talento mas que o génio possui as pessoas que o têm.
Ludwig van Beethoven (1770-1827), de que se celebram este ano os 250 anos do seu nascimento, foi sem dúvida um artista de quem o génio tomou conta. Filho de um bruto alcoólico e músico medíocre que lhe provocou uma infância infeliz, Beethoven herdou do avô, director musical da corte de Bona, o mesmo nome e a vocação musical. Dotado de um temperamento apaixonado, irascível e pouco sociável, que uma progressiva surdez agravou, experimentou várias paixões por mulheres, umas jovens alunas, outras mulheres casadas, paixões sem seguimento duradouro por reserva feminina quanto ao futuro de uma união com um homem obcecado pela sua arte musical - “Tocar uma nota errada é insignificante. Tocar sem paixão é imperdoável.” - e sem uma segura fonte de rendimento.
Foi, no entanto, a sua paixão pela arte musical que o poupou do suicídio: “Quão grande era a humilhação quando alguém ao meu lado ouvia o som distante de uma flauta e eu nada conseguia ouvir; ou ouvia o canto de um pastor e eu nada ouvia. Esses incidentes levaram-me à beira do desespero e pouco faltou para que, com as minhas mãos, terminasse com a minha vida. Arte, apenas a arte me deteve.”
E foi em pleno cume da sua surdez progressiva que, paradoxalmente, Beethoven atingiu o cume da glória com a composição daquela que viria a ser a sua obra prima mundialmente mais conhecida, a 9ª. Sinfonia, na qual, pela primeira vez, é inserido um coral, com um texto adaptado do poema “Ode à Alegria”, de Friedrich Schiller.
O extraordinário legado musical composto por Beethoven em Viena, então considerada a capital cultural da europa, onde o compositor viveu a sua vida adulta e viria a falecer, está recheado de obras primas que expressam, de modo bem vincado, o seu temperamento, e que não se esgotam na 9ª. ou na 5ª. sinfonias, nos concertos para piano e orquestra nºs. 4 e 5, nas aberturas Coriolano e Egmont, nos quartetos de cordas Razumovsky, nas sonatas para piano, instrumento de que Beethoven era um virtuoso, Appassionata e Waldstein, ou na celebrada Missa Solene.
Os biógrafos assinalam um período sombrio no comportamento de Beethoven, relacionado com a batalha judicial para se tornar tutor do sobrinho Karl, após o falecimento do seu irmão Kaspar, acabando por conseguir retirá-lo à mãe, que julgava uma mulher imoral, e por se revelar, ironia do destino, um tirano pai adoptivo, levando o sobrinho à beira do suicídio, antes de se alistar no exército e fugir ao controlo do tio. Nos últimos anos, atormentado pela surdez, vestia como um maltrapilho e mergulhava cada vez mais no álcool.
Conta-se, mas não há a certeza, que o “divino” Mozart, a quem Beethoven se terá apresentado aos 17 anos, - apenas quatro anos antes do desaparecimento prematuro, aos 35 anos, daquele compositor tão admirado pelo “papá” Haydn, professor de Beethoven - comentou depois de o ouvir ao piano: “Prestem atenção a esse rapaz, um dia o mundo vai falar dele.”. Verdade ou lenda, é realmente difícil imaginar que o mundo algum dia deixe de ouvir a sua música.
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