StatCounter

View My Stats

02/01/19

SÍLVIO E OS OUTROS

António Mesquita

Sardenha, as orgias de Sérgio Morra (Riccardo Scarmacio), na vivenda em frente, com as suas raggazze dispostas a tudo, para atrair as atenções de Berlusconi. O contrato para uma escola conseguido graças a uma embuscada sexual a bordo.  Na primeira parte, algo enfadonha, ouvimos falar dessa espécie de Rei-Sol duma fauna decadente que chafurda no sexo e na droga. Os seus (loro) admiram o poder e o carisma do personagem.

Um terço do filme decorrido (esta é uma versão reduzida) surge, enfim, o ídolo tão cortejado, Sílvio Berlusconi (Toni Servillo), que nos surpreende pela complexidade do retrato. Não é a imagem do palhaço que prevalece, essa com que nos deixou a comunicação social naqueles anos. O homem na intimidade não força a admiração, mas está para além da caricatura. Não somos ingénuos para achar que esse é o Sílvio 'verdadeiro', mas ele tem o carácter e  a vitalidade duma grande figura de ficção. 

Verónica (Elena Ricci), a mulher que lê. Por fim, o assediante é convidado com as raggazze para a vivenda de Sílvio. A jovem de 17 anos que lhe diz que o seu hálito lhe lembra o do avô: nem perfumado, nem desagradável, de velho.

Para fazer cair o governo, compra seis senadores, com a mesma técnica do 'sogno e desiderio' com que vendia apartamentos. Por essas e por outras, Verónica pede o divórcio, mas confessa que esteve sempre apaixonada.

Regressa ao governo e rebenta o escândalo da corrupção dos seis.  O terramoto de Aquila (Abril de 2009) parece um castigo divino. Sílvio visita os desalojados e promete construir apartamentos para todos e pagar uma dentadura a uma anciã.

Mas o homem que 'nunca se ofende' e que crê que o melhor meio de servir o egoísmo é ser altruísta, está triste. Abandonado pela mulher, acossado pelos processos judiciais, todos o impedem de continuar a ser jovem e a fazer projectos.

Já sem convivas na sua villa, provoca mais uma erupçãozita no seu vulcão-miniatura.

Já se comparou esta abordagem ao mundo circense e às máscaras de Fellini. A personagem 'morde' pelo patético da sua situação. O vazio é o seu verdadeiro 'toque de Midas', porque cria o vácuo à sua volta. E não é esta a espécie de maldição do poder?

Enquanto o genérico se desenrola no final, assistimos às cenas de salvamento em Aquila. Cenas mudas, quase fantasmáticas. A certeira demonstração da máxima berlusconiana sobre o altruísmo. O paradoxo ilustra de facto a falência do social e o barbarismo do magnata dos mídia e do seu mundo.

Mais do que um retrato do 'Cavaliere', é a própria Itália desse período e o poder inexplicável de um tal homem que nos confronta.

Sem comentários:

View My Stats