01/05/18
CONCERTO MUSICAL
Manuel Joaquim
Na tarde do dia 25 de Abril realizou-se no Ateneu Comercial do Porto um grande concerto musical, dirigido pela maestrina Lígia Castro, no qual participou o par de dançarinos Isabel Costa e Nelson Pinto.
Participou também um grupo coral, constituído por meninas do Lar Rosa Santos, que fez a sua primeira apresentação pública e que está a ser trabalhado há muito pouco tempo por Lígia Castro. Todas as jovens demonstraram muitas qualidades.
O Lar Rosa Santos é uma IPSS que faz o acolhimento de crianças e jovens do sexo feminino em situação de risco. Está instalado num belo edifício, situado na esquina da Rua João Pedro Ribeiro e Rua Faria Guimarães, no Porto, que tem nas partes superiores das fachadas, em azulejo, os nomes de “Castilho”, “Camões”, “Gil Vicente”, “A Garrett”, “João de Deus” e “A Herculano” e na pequena fachada virada ao cruzamento das ruas o busto de Rosa Santos.
O edifício foi doado nos princípios do século XX por António Maria do Santos para ser a Escola Rosa Santos, e alojar cerca de 200 crianças de ambos os sexos, conforme consta em Diário da República de 14 de Janeiro de 1920, quando era Presidente da República António José de Almeida.
Em 1952 o Presidente da Junta Distrital do Porto entregou a Instituição a uma comunidade religiosa católica. Actualmente tem cerca de cinquenta jovens.
No concerto foi lido um poema escrito por uma das jovens do grupo coral, Rute Sofia Marques Oliveira, de 17 anos de idade, publicado no programa distribuído, que pelo seu conteúdo merece ser divulgado, pelo que assim o faço:
“Morar num colégio
É crescer mais rápido
É ser criança, com um pensamento avançado
É olhar menos para o presente,
E mais para o passado
É querer voar ainda que tenha medo de partir
É ter vontade de chorar
E ainda assim continuar a sorrir
É olhar pelas janelas fechadas
A vida que passa lá fora,
É viver entusiasmada
Pela minha verdadeira hora
Aquela hora incerta
Em que um futuro nos espera
A que não permanecemos mais dentro
E o mundo nos liberta.
Mas entretanto os anos vão voando
Liberdade é aquela nossa feliz certeza
Que com os anos vão passando
Vira uma pura tristeza.
E o que vira triste
Não é a vida que seguimos
É a necessidade de ter alguém
Que um dia conseguimos
Esse alguém que agora não damos valor
Mas que um dia mais tarde
Por mais velhos que estejamos
Iremos recordar com amor
Nesta minha pequena caminhada
Uma coisa eu aprendi
Tenho que aproveitar a vida que me é dada
Porque mais tarde irei dizer que a perdi…
Rute”
NO CORRER DOS DIAS
Marques da Silva
Habituaste-nos a ver o mundo com a ternura das palavras, e mesmo quando das tantas maldades que nos fazem falavas, havia uma carícia de vento que nos levava. Ensinaste-nos que a utopia é um caminho e não um destino e que o sonho, essa fantasia que nos move para os momentos mais nobres, não é chegarmos, mas caminharmos continuamente para nos aparecer como a sombra que sempre se move ao ritmo dos nossos passos. O ideal a alcançar está para além de nós, para lá da nossa passagem pela vida, na qual apenas deixamos mais algumas sementes num jardim que se vai cobrindo de flores conforme nos movemos. Falavas da tua América, da nossa Europa e do mundo que os nossos olhos abarcam e os nossos ouvidos escutam. Por isso, deixaste saudades, esse gosto amargo que nos faz mergulhar a alma nos rios da memória, nos faz lembrar o teu ar amável, o tom de voz que não se alterava apesar de nos mostrares histórias com os piores momentos da humanidade, e como têm sabido serem malévolos estes seres do qual fazemos parte. Dizias-nos do que a vaidade, o egoísmo, a estupidez podem ser capazes e como têm poder para nos infernizar a vida e tornar o sentimento da felicidade, apenas um lugar sonhado e divino. Leio por estes dias que quando te aproximavas da tua última viagem, diminuíste o labor de “As veias abertas da América Latina” porque pretendeste que fosse um livro de economia política e não tinha preparação para tal ensejo. É uma grande injustiça que fazes a ti próprio, pois creio que a grandeza do teu trabalho não está apenas na denúncia, mas no facto de ser realizado por ti e não por um economista. Falas-nos de humanidade e eles, os economistas, só saberiam falar-nos de números. Afinal, levas-nos num roteiro pela vida sofrida dos povos da latino-américa. A dimensão das civilizações, Maia, Azteca e Inca, o seu estado evolutivo que ainda não lhes permitia o trabalho pré-industrial dos metais e desconhecia o cavalo, factores que lhe serão fatais e irão permitir aos colonizadores castelhanos conduzirem um dos maiores genocídios da história pela mão de gananciosos quadrilheiros feitos cavaleiros de Deus e do Império e mais tarde, quando esgotada a mão-de-obra indígena que restou, tratarem da mesmo forma os escravos que os portugueses traziam de África numa escala de milhões e permitiam em 1518 ao bacharel Alonso Zuazo escrever a Carlos V desta forma: «É vão o temor de que os Negros possam sublevar-se; viúvas há nas ilhas de Portugal, muito sossegadas, com 800 escravos; tudo está em como são governados. Eu encontrei à vinda alguns negros ladinos, outros, fugidos, a monte; chicoteei uns, cortei as orelhas de outros, e não chegaram mais queixas.» (*) Escreves com essa riqueza literária que nos habituaste que nos faz sentir revoltados sem que nos assome qualquer desejo de violência vingativa, apenas e só esse anseio intelectual de um dia podermos julgar toda essa gente, pelos crimes e pelo sangue que fizeram e fazem nascer nos povos do mundo. Mostras-nos também com a evidência dos números e a sensibilidade da palavra ética e de uma moral elevada que se prende com o significado tão mal tratado da palavra dignidade. Se algo, se pode lamentar no teu trabalho de pesquisa, análise e esclarecimento, é que não o pudesses ter actualizado 30 anos depois da publicação. Os crimes das democracias colonizadoras e espoliadoras da Europa e do Norte do continente americano, apareceriam ainda com maior crueldade. Deixaste-nos um pouco mais sós, mais isolados, mais carentes das tuas palavras, dos teus pensamentos que nos mostravam o mundo em que vivemos, com o seu presente e o seu passado, com essa face azeda da maldade dos poderes humanos, ao mesmo tempo que nos apontavas o caminho do sonho e da utopia. Perdemos um sonhador e um poeta da palavra, mas ficou em nós a esperança e o caminho para percorrer. Certamente que no futuro, como no passado, continuarão a nascer seres humanos com essa vontade indomável de percorrer os caminhos dessa quimera a que chamamos felicidade e aprender todos os dias como nos ensinaste, a unir a beleza com a palavra, a ver o devir como um espaço de coragem e de muitos sorrisos, esses que iluminam o ser humano e o fazem transpor as adversidades nesse combate incessante para impedir os senhores de mundo de destruir o planeta em que vivemos.
Eduardo Galeano, em “As veias abertas da América Latina”, Antígona Editores, 1ª edição, Lisboa, Abril de 2017.
Não consigo habituar-me a essa ideia de que já não estás, que simplesmente não vens, foste numa viagem sem regresso e vejo-te como se a cada passo que dás fosses apagando a estrada caminhada. Falta-me coragem para me despedir, para mandar recolher as sentinelas que guardavam um sonho que eras tu. Se o silêncio ainda tem sons, são os que anunciavam a presença do teu voo, a chegada da água que jorrava da fonte onde nascias. Ainda apareces nas mensagens que sobrevoam as madrugadas sem luz e atravessas as linhas que o vento traça no desenho da solidão que me invade o tempo. Ainda te sinto em todos os momento da natureza, nos objectos que toco, na rotação dos astros, nas extravagâncias da beleza que se desprendia dos teus olhos e ficou retida no campo aberto do meu silêncio. Partiste há tanto tempo e não consigo habituar-me à ideia…
No Estado Judeu, dito de Israel, os fanáticos e criminosos que ocupam o poder, decidiram que basta apenas a vontade de dois deles para poderem declarar guerra ao mundo. À loucura islâmica junta-se a judaica e o planeta em que vivemos aparece cheio de perigos e ameaças.
CUBA
Mário Faria
Foi uma longa viagem o regresso de Cuba. Alguma turbulência, um serviço péssimo, com hospedeiras cansadas e pouco amáveis. Sentado na última fila, surpreendeu-me ver à minha direita três lugares vazios com direito a blackout. Todas as conjeturas que fiz sobre o facto (algumas maliciosas) estavam erradas pois foi o pessoal da cabine que os utilizou para descansar durante a noite. A ementa foi má e a confeção péssima: no serviço militar não comia pior. Pensando nestas desgraças, lembrei-me dos gloriosos tempos em que demorava mais de 12 horas para chegar ao Porto, vindo de Elvas. As carruagens de todas as classes iam a abarrotar e a viagem quase sempre feita de pé. Uma molhada. As catenárias cumpriam, com demasiada frequência, o seu fado: 'faziam parar' o comboio amiúde, ajudando à festa, às vezes com direito a ir à linha para encher os pulmões, sair do bafio e socializar com os parceiros de jornada. Modernizámos todas as estruturas e exigimos padrões de qualidade cada vez mais elevados e que no passado não eram exequíveis: o atavismo dominava e o protesto era ilegal.
Cheio de sono e enjoado com a ementa a que tive direito, dei por mim a relembrar os miúdos na escola em Havana. A forma como aproveitam a rua para brincar, correr ou jogar à bola, e como um espaço interior tão exíguo dava para acolher uma escola, com a auxiliar a deitar os mais pequenitos com ternura, enquanto, na sala contígua, a professora acompanhava os exercícios que os mais velhos faziam. Parecia impossível como cabiam todos. A professora e a auxiliar não eram jovens; notava-se que a disciplina imperava e que a escola estava bem aberta aos olhares, até dos turistas. Os miúdos estavam serenos e atentos aos trabalhos. Pareciam estar integrados, apesar de tanta escassez. Com alguma malícia, dei por mim a posicionar os dirigentes da Fenprof em Havana a preparar mais uns dias de luta e uma possível greve geral, se não fossem revistas as condições de trabalho de professores e alunos. E os salários, obviamente.
20 anos depois, encontrei Cuba mais cosmopolita, sem pedintes e prostituição a cada canto, e sem filas para a população comprar artigos de primeira necessidade. Os transportes circulam pela cidade e o turismo desenvolveu uma série de actividades comerciais que, sem serem massivas, animam as ruas e são agradáveis pela sua simplicidade. Nas horas que circulei, tive a oportunidade de visitar os mais icónicos monumentos e espaços públicos e dei de caras com La Bodeguita del Medio repleto de gente e com a banda a tocar música cubana tão genuína, nos meios e processos, que contribuiu para que uma certa ideia de Cuba que idealmente tinha formado e representaria uma alternativa mais justa de organização social, que senti perdida e revi com alguma esperança, agora. Pelo caminho, ouvi críticas impiedosas a Castro e nos cafés e restaurantes os empregados faziam-se à gorjeta sem cerimónia. A prostituição era menos chocante, mas sentia-se. A qualidade dos corpos continuava em alta. Apesar disso tudo, Cuba tem qualquer coisa que nos agarra e seduz, apesar da falta de planeamento, nomeadamente na habitação, com casas abandonadas a cair de podres, muitas outras recuperadas onde vive gente em condições mais ou menos precárias, convivendo com mamarrachos feitos à pressa e sem qualquer enquadramento urbanístico. O controlo de entradas e saídas é excessivamente rigoroso. Para quem viaja pelo mar é asfixiante. Cada vez que entrei ou saí, tive de passar pela máquina do tipo que existe nos aeroportos, pelo polícia de serviço que pedia o passaporte, mandava tirar dos óculos e nos fotografava: tudo conforme as normas. Na volta, de regresso ao barco, a cerimónia era mais do mesmo. É controlo a mais. E a polícia não sorri. Tive saudades do espaço Schengen. Visitei outros países da zona que vendem praias e turismo e de seguida poem a nu a enorme pobreza que por lá campeia. É assim a vida por, aqueles lados.
A ESTRANHA ORDEM DAS COISAS
Mário Martins
https://www.fnac.pt/A-Estranha-Ordem-das-Coisas-
“Quando um organismo vivo se comporta de modo inteligente e eficaz no seu respectivo ambiente, partimos do pressuposto de que esse comportamento resultou de previsão, de deliberação, de uma grande complexidade funcional, todos com a ajuda de um sistema nervoso. Não obstante, é agora bem claro que tais comportamentos podem também ter origem no equipamento modesto de um organismo unicelular, de uma bactéria na alvorada da biosfera.”
António Damásio
“A Estranha Ordem das Coisas”
Vinte e três anos depois da publicação do seu premiado livro “O Erro de Descartes”, no qual inverte a famosa afirmação cartesiana (em vez de “Penso logo existo”, Existo logo penso), Damásio está de volta para reiterar e desenvolver a noção de que “não só a mente tem de passar de um cogitum não físico para o domínio do tecido biológico, como deve também ser relacionada com todo o organismo que possui cérebro e corpo integrados e que se encontra plenamente interactivo com um meio ambiente físico e social”.
Em “A Estranha Ordem das Coisas” Damásio releva o imperativo natural da homeostasia, expresso por sentimentos, de acordo com o qual cada organismo vivo sobrevive e evolui enquanto espécie, fenómeno que designamos, correntemente, por instinto de sobrevivência.
E destaca o papel motor dos sentimentos: “O intelecto humano excepcional, quer individual quer social, não seria levado a inventar práticas e instrumentos culturais inteligentes sem uma justificação potente. Qualquer tipo de sentimento ou sensação, causados por acontecimentos reais ou imaginários, serviria de motivos e mobilizaria o intelecto (…) A actividade cultural (que inclui as artes, o inquérito filosófico, os sistemas morais e as crenças religiosas, a justiça, os sistemas governativos e as instituições económicas, e a tecnologia e a ciência) teve início nos sentimentos e deles continua a depender. Se quisermos compreender os conflitos e as contradições da condição humana, precisamos de reconhecer a interacção, tanto favorável como desfavorável, entre sentimentos e raciocínio.”
Por outro lado, para Damásio o funcionamento da mente implica “uma estreita interacção bidireccional entre os sistemas nervosos e as estruturas não-nervosas dos organismos (…), os sentimentos não são uma fabricação independente do cérebro; eles resultam de uma colaboração entre corpo e cérebro, os quais interagem graças a moléculas químicas e vias nervosas (…) os cérebros e os corpos são ingredientes da mesma sopa que permite a mente.” Ou seja, dito de forma coloquial, não pensamos só com a cabeça. Por isso, considera que o dualismo corpo e cérebro “ferozmente explorado pelas ciências informáticas, é uma posição que o tempo vai abandonar impiedosamente.”
A inversão do postulado cartesiano que Damásio opera em contexto científico lembra, irresistivelmente, a famosa inversão, no plano filosófico, oposta por Marx a Hegel (“Não é a consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência”), todavia com uma diferença importante: como cientista que está ciente da permanente “ameaça” de novos dados e novas interpretações ao conhecimento estabelecido, Damásio reconhece que “tendo em conta as imensas novas e poderosas descobertas científicas, é fácil ceder à tentação de acreditar em certezas e interpretações prematuras que o tempo se encarregará de rejeitar impiedosamente. Estou preparado para defender a minha actual visão sobre a biologia dos sentimentos, da consciência e das raízes da mente cultural, mas não tenho ilusões sobre a durabilidade dessa visão”. Como alguém disse, a verdade é impermanente…
O PLÁTANO
António Mesquita
"Fedro - Eu advirto-te duma coisa, deixa de te fazer rogado, que ou eu me engano, ou encontrei a palavra que te fará falar.
"Fedro - Eu advirto-te duma coisa, deixa de te fazer rogado, que ou eu me engano, ou encontrei a palavra que te fará falar.
Sócrates – Então não a digas.
Fedro – Vou dizê-la, pelo contrário. Essa palavra é uma jura: eu juro - mas por qual deus jurar, por qual? – Olha! Por este plátano, juro que se não pronunciares o teu discurso diante desta mesma árvore, nunca mais te mostrarei nem te falarei de mais discurso nenhum de ninguém.
Sócrates – Ah! Malvado, como tu soubeste achar o meio infalível de me levar aonde querias, apanhando-me pelo meu fraco pelos discursos!"
"Fedro" (Platão)
Entre jurar por um plátano e dar, por exemplo, a sua palavra de honra vai um abismo.
Para Fedro a natureza é divina. Uma árvore pode servir de testemunha porque não se sabe as metamorfoses que sofreu (como a dos homens que as Musas enlouqueceram e foram transformados em cigarras, também referidos neste diálogo). A natureza não está separada dos homens, nem pode ser revelada como um processo objectivo.
Esta é a idade da harmonia sobre a qual só podemos lançar um olhar nostálgico.
Deste lado do abismo, o indivíduo que jura pela sua honra, jura pela opinião. Um dito atribuído ao próprio Sócrates ilumina a questão: "O caminho mais grandioso para viver com honra neste mundo é ser a pessoa que fingimos ser."
Subscrever:
Mensagens (Atom)