Mário Martins
“Cerra os olhos, espeta as orelhas e, do mais suave som ao mais selvático barulho, do mais simples tom à mais elevada harmonia, do grito mais violento e apaixonado às mais gentis palavras da doce razão, é a Natureza que fala, revelando o seu ser, o seu poder, a sua vida e a sua afinidade (…)”
Goethe
Não sei o que é mais espantoso, se a história extraordinária deste grande cientista, se o seu completo esquecimento.
Alexander von Humboldt, filho de uma família aristocrática de Berlim, cuja longa vida atravessou dois séculos (1769-1859), foi o expoente máximo do cientista clássico, que se interessava por tudo e tudo media, antes de a especialização científica fazer o seu caminho. Foi essa abordagem interdisciplinar, que incluía a arte, a história, a poesia e a política, que o levou a elaborar o conceito de natureza como força global. A importância desta nova visão da natureza, entendida como uma rede em que tudo existe em conjunto, é comparável à da teoria da origem das espécies, publicada por Darwin no ano da morte de Humboldt, que tanto o inspirara.
Humboldt era um poço de energia que usou em viagens épicas pelas Américas e pela Rússia. Não sem alguma ironia, Hans Magnus Enzensberger* fixa o seu modus operandi: “(…) Mede a declinação magnética, a altura do Sol, o teor de sal e o azul do céu. Desconfiados, os indígenas observam-no. Que gente estranha esta, que percorre o mundo em busca de plantas, para comparar o seu feno com outros fenos! Que razões vos levam a deixar-vos sugar por mosquitos para medir uma terra que não vos pertence? São estrangeiros, hereges e doidos. Mas, impassível como o padre espalhando o incenso, o viajante faz girar a sua garrafa de Leyden (…)”.
Humboldt foi admirado por vultos tão diferentes como Darwin, Goethe, Simón Bolívar ou o presidente dos Estados Unidos Thomas Jefferson. O primeiro centenário do seu nascimento foi comemorado em todo o mundo e o seu nome permanece por todo o lado, desde a Corrente de Humboldt que percorre o largo da costa do Chile e do Peru até ao Mare Humboldtianum na Lua.
Para a autora da biografia**, Andrea Wulf, “no início do século XX havia pouco espaço para um homem cujo conhecimento se estendera a um vasto leque de matérias. À medida que os cientistas se encolhiam dentro das suas estreitas áreas de especialidade, dividindo e depois subdividindo, perdiam de vista os métodos interdisciplinares de Humboldt e o seu conceito de natureza como força global (…) Outra das razões pela qual Humboldt se desvaneceu da nossa memória colectiva – pelo menos na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos - é o sentimento antigermânico que sobreveio com a Primeira Guerra Mundial (…) Ambas as guerras mundiais do século XX lançaram longas sombras e nem a Grã-Bretanha nem a América eram já lugares para o elogio de um grande espírito alemão.”
*In “Mausoléu” – A história do progresso em trinta e sete baladas, edição Cotovia.
**”A Invenção da Natureza” – As aventuras de Alexander von Humboldt, o herói esquecido da ciência – edição Temas e Debates – Círculo de Leitores
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