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01/01/17

A CRENÇA DE KEN LOACH

António Mesquita






Esta história de um operário inglês que, depois de um ataque cardíaco, cai nos dentes da engrenagem de um Estado que abandona os mais fracos à sua sorte, que se serve da iliteracia tecnológica como de uma guilhotina que corta a direito na carne, como no 'Mercador de Veneza', segundo a lógica dos interesses privados que dele se apoderaram, podia ser a perfeita ilustração da lei capitalista, tal como foi definida no século XIX por um certo Karl Marx.

Em face da eficácia chocante do filme, não faltaram os que a 'explicaram' pelo passado marxista de Ken Loach, o realizador. Claro que os que buscam as influências, senão as taras das ideologias, para demonstrarem a falência de uma obra enquanto arte, sempre se sentiram impotentes para aplicarem o seu preconceito a um génio como Eisenstein, por exemplo, perfeitamente 'manipulador' e ideologicamente orientado, no domínio das formas. Mas até ele atraiu a desconfiança do poder caligulesco.

Poderíamos falar, no caso de Loach, de coerência ou de estilo, e é até concebível que se filme à maneira do 'realismo soviético', como em pintura se viu, por exemplo, um regresso ao tempo anterior a Rafael. Porque há um tempo para inovar e outro para amadurecer. 'I, Daniel Blake' parece-me um 'vintage' por que há muito tempo ansiávamos, sem saber a forma que assumiria. Leva o humanismo para além da sua morte oficial.

Nestes tempos em que, pelos vistos, já perdemos o sentido da verdade numa curva da estrada, este drama surge-nos limpo e tocante como se o capitalismo financeiro e digital fosse apenas uma nova face da sempiterna figura da Necessidade e da guerra do homem contra o homem.



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