Mário Martins
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A poesia daquele “poeta bucólico de espécie complicada”, que o próprio Fernando Pessoa considerava seu mestre, afigura-se, paradoxalmente, ela que tanto desdenha da filosofia e dos filósofos, como a mais desafiadora, em termos filosóficos, do universo pessoano. Ricardo Reis diz que “Caeiro é, em filosofia, o que ninguém foi: um objectivista absoluto” e que “nada o demonstra melhor que um verso que é talvez o superior da sua obra: A Natureza é partes sem um todo”. Já Álvaro de Campos conta que ele, Caeiro, lhe referira “que não sei quem lhe tinha chamado em tempos poeta materialista. Sem achar a frase justa (…) disse(lhe), contudo, que não era absurda de todo a atribuição. E expliquei-lhe, mais ou menos bem, o que é o materialismo clássico. Caeiro (…) disse-me bruscamente: Mas isso o que é é muito estúpido. Isso é uma coisa de padres sem religião, e portanto sem desculpa nenhuma (…) Essa gente materialista é cega. V. diz que eles dizem que o espaço é infinito. Onde é que eles viram isso no espaço? (…) Homem, disse eu, suponha um espaço. Para além desse espaço há mais espaço, para além desse mais, e depois mais, e mais, e mais…Não acaba…Porquê? disse o meu mestre Caeiro (…) Suponha que acaba, gritei. O que há depois? Se acaba, depois não há nada, respondeu (…) Mas V. concebe isso? (…) Se concebo o quê? Uma coisa ter limites? Pudera! O que não tem limites não existe. Existir é haver outra coisa qualquer e portanto cada coisa ser limitada. O que é que custa conceber que uma coisa é uma coisa, e não está sempre a ser uma outra coisa que está mais adiante? Nessa altura senti carnalmente que estava discutindo, não com outro homem, mas com outro universo (…). E numa carta de 25 de Fevereiro de 1933, Fernando Pessoa expressa a João Gaspar Simões, que “para dizer qualquer coisa parecida com a verdade, gostaria que vocês publicassem O Guardador de Rebanhos (…)”. É a este poema que pertence o verso talvez mais conhecido de Caeiro: “Há metafísica bastante em não pensar em nada”, a que se seguem outros que ilustram bem a radicalidade desta poesia: “Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?/A de serem verdes e copadas e de terem ramos?/E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,/A nós, que não sabemos dar por elas./Mas que melhor metafísica que a delas,/Que é a de não saber para que vivem/Nem saber que o não sabem?/«Constituição íntima das cousas»…/«Sentido íntimo do Universo»…/Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada./É incrível que se possa pensar em cousas dessas./É como pensar em razões e fins/Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores/Um vago oiro lustroso vai perdendo a escuridão/(…)O único sentido íntimo das cousas/É elas não terem sentido íntimo nenhum(…).
PS: Talvez inspirada pelo artigo crítico de Fernando Pessoa, “Régie, Monopólio, Liberdade”, de 1926, no qual o ilustre autor defende que “(…) a administração de Estado é o pior de todos os sistemas imagináveis (…)” e que, “de todas as coisas «organizadas», é o Estado, em qualquer parte ou época, a mais mal organizada de todas”, a pessoana Clara Ferreira Alves escreve com a sua “pluma caprichosa” (revista do semanário Expresso, de 2016-10-29), que “por razões ideológicas, a querela apresenta uma série de impronunciáveis. O que o primeiro ministro (…) tem de querer, é um banco público (a CGD) que seja gerido com os critérios de competência, exigência e rentabilidade de um banco privado.” Donde se conclui que estes critérios são, por definição, inerentes à gestão de um banco privado e, consequentemente, estiveram presentes na gestão do Lehman Brothers, do BPN, do BPP, do BCP, do BES, do BANIF, do…Realmente, a querela apresenta uma série de impronunciáveis…
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