04/07/16
02/07/16
UM TWITTER
www.tecmundo.com.br
"A estrada da Beira e a beira da estrada não são a mesma coisa, pois não? Pois... Eu também não apelei à emigração!". Foi desta forma que António Costa negou, via Twitter, que tenha incentivado à emigração de professores portugueses para França. Em conjunto com o tweet, foi publicada a transcrição da conversa com os jornalistas, que acendeu a polémica."
(Público 14/6/16)
Dizem que António Costa é um político muito hábil e que aqueles que se deixam enganar pela sua aparente bonomia 'tomam a nuvem por Juno'.
Não falemos de como ele 'descobriu o ovo de Colombo', jogando o tripé do governo contra a incredulidade dos que não enxergavam para além do 'arco de governação'.
Agora chega-nos, via Twitter, que é uma espécie de recreio em que os políticos podem fugir ao estilo oficial e dar um ar da sua graça, a resposta do Primeiro-Ministro ao 'veneno' de Passos. O meio utilizado desvaloriza a crítica do adversário e, assim, entre chilreios (ou twitters), se passa à ordem do dia e aos assuntos realmente sérios. Fazia falta este modo de 'dar bicadas' sem consequências 'diplomáticas'. É inimaginável que se entre em guerra por um twitter. Como sabemos, o ridículo acaba com qualquer carreira.
Mas eu admiro na analogia de Costa com a 'beira da estrada e a estrada da Beira' um domínio das 'nuances' da linguagem e um subtil entendimento da imaginação colectiva. É que o dito exemplo das estradas dá para todo o quiproquo. Sugere, sem parecer que o faz, a ideia de que se pode desmentir tudo na base de um trocadilho.
E, com isto, reconheço que os dois políticos falaram de âmbitos diferentes, mas sempre de emigração. Passos referiu-se à oportunidade geral e Costa à especial e num contexto que, de certo modo, o justifica.
Mas para quê tantas palavras? Os twitteiros, por outro lado, sabem que têm de ser breves.
SOBRE O BREXIT
Manuel Joaquim
Através do voto, os britânicos decidiram retirar-se da União Europeia, apesar de todas as pressões e ameaças de que foram vítimas. O Presidente dos Estados Unidos, os principais dirigentes da União Europeia e dos respectivos países intervieram activamente na campanha contra a saída, com a sua presença e com declarações chantagistas e instiladoras do ódio e do medo. As sondagens foram utilizadas para servirem resultados mais convenientes para o poder dominante.
Como o resultado não foi o esperado, é possível ouvir comentadores a dizerem que os resultados foram obtidos pela votação dos velhos e dos aldeões que são uns pobres ignorantes e que os mesmos vão sofrer consequências muito sérias com a decisão que tomaram. Estão quase a dizer que a votação não foi democrática e que, por isso, não deve valer. No dia seguinte à votação, arranjaram logo pessoas a dizerem na TV que não estavam esclarecidas quando votaram e que se fosse hoje votariam de forma diferente.
Sobre a situação social e laboral que hoje existe na Grã-Bretanha não falam.
As situações de pobreza a alastrar como peste, milhares de famílias onde só um membro tem trabalho, a maior parte das vezes precário, tendo como grandes vítimas sobretudo as crianças, em resultado do desmantelamento de sectores económicos importantes, são ignoradas.
Muitos dos dirigentes das principais estruturas sindicais estão institucionalizados com o poder capitalista e são amamentados por ele. Os sindicatos são orientados para não defenderem os trabalhadores, para não lutarem pelos seus direitos, para aceitarem a exploração, e para trabalharem para a divisão dos trabalhadores. Lá, na Grã-Bretanha, tal como cá, em Portugal. O actual Secretário Geral da UGT ouviu previamente o banqueiro Ricardo Salgado, seu patrão, para ocupar o lugar.
Mas é bom dizer, também, que muitos sindicatos defenderam e fizeram campanha pela saída da União Europeia, caminho que consideraram o mais conveniente para a defesa dos trabalhadores e da população em geral. Naturalmente o menos conveniente para a defesa dos interesses do grande capital.
A EU está numa profunda crise que alguns vaticinam que está a caminhar para o seu desmantelamento, que pode passar por fases. Alguns dos seus próprios dirigentes manifestam preocupações nesse sentido.
Em Portugal, há quem defenda que manter o país na moeda úníca, vai levá-lo ao desastre económico e social, e que não terá condições para cumprir os tratados existentes sob pena de acabar como mera colónia de outros.
Os sindicatos e as suas estruturas, quando representativos dos trabalhadores, e sabem interpretar e exprimir os interesses da sociedade em geral, têm um papel fundamental para com as suas intervenções, as suas lutas, contribuírem para a procura de caminhos que levam à construção de uma sociedade melhor.
Hoje, temos um governo do Partido Socialista, que tem o apoio do parlamentar do PCP, do BE, e dos Verdes, em resultado de acordos sobre determinadas matérias.
Mas o Governo do Partido Socialista recusa-se a alterar a legislação laboral, mesmo as situações mais gravosas para os trabalhadores.
Não há aumentos salariais há vários anos, as carreiras profissionais não são respeitadas, o trabalho precário é geral, não se respeitam os horários de trabalho, os despedimentos colectivos e o encerramento de estabelecimentos estão na ordem do dia. O objectivo de destruição das convenções colectivas de trabalho não foi abandonado. Segundo dados oficiais, um milhão de trabalhadores deixou de estar abrangido por contratos de trabalho.
Por isso, o papel dos sindicatos é fundamental nesta conjuntura política.
O REFERENDO
Mário Martins
Os suiços são, talvez, o povo mais politicamente incorrecto. Apesar dos argumentos contra a prática da democracia directa – crescente complexidade dos assuntos, falta de informação, manipulação da opinião pública, desinteresse pela política… - os suiços não querem saber e, volta meia volta, convocam um referendo, seja por iniciativa dos partidos e órgãos institucionais, seja por iniciativa popular (mínimo de 100.000 assinaturas), como foi, agora, o caso. E o caso, agora, foi decidir (entre outras matérias) sobre a atribuição de um Rendimento Básico Incondicional de 2.260 euros mensais e de 588 euros mensais por cada criança. Apesar de não conhecer os detalhes da proposta e de reconhecer que a sua formulação desafia a busca de uma solução mais consensual que, na prática, assegure, para todos, um nível de vida minimamente digno, eu, se fosse suiço e não me abstivesse (como os 54% dos eleitores que não foram às urnas), teria votado contra (tal como fizeram 77% dos votantes), precisamente pelo carácter incondicional do rendimento, quer dizer, por a sua atribuição estar desligada da prestação de qualquer trabalho ou função social pelos beneficiários na idade activa.
De qualquer modo, se por democracia se entender, essencialmente, o exercício da vontade maioritária do povo, não há dúvida que não é só nos relógios ou nos canivetes (e também – hélas! – nos destinos atractivos de dinheiro suspeito ou evadido) que os suíços dão lições ao mundo.
01/07/16
CARTAS DE SANTA MARIA
Sinto-me cansado. Passam das três horas da tarde e procuro mexer-me o menos possível. Respiro com dificuldade nesta explosão de calor que se abate sobre a cidade. Falam-me de 34⁰, mas a sensação que tenho é de me encontrar na entrada da abertura de um forno a lenha no auge do fogo a crepitar. Há vários dias que repito estes passos, sem procurar afastar-me demasiado. Sentei-me sem pedir licença nas cadeiras exteriores do El Puchero e escondido nas arcadas da PlazaMayor abro os olhos como seteiras para impedir que a luminosidade penetre de tal forma que me impeça de ver o que me rodeia. Do outro lado da praça em plena exposição ao sol, contemplo a Torre Bujaco nos seus 25 metros de altura em pleno desafio a esta intempérie. Tudo parece ressequido, como terra sem água e na pedra avermelhada das suas largas paredes começo a ver uma fritadeira com amarelos ovos a estrelar. Será a sede a apoquentar-me. Cheguei a Cáceres depois de atravessar pelo norte o Parque Nacional deCabañeros e o embalse de Cíjara. Iludi as grandes estradas e aglomerados. De seguida, a intensidade calorífera venceu-mee apesar de me conter neste quilómetro quadrado do casco histórico quase nada procurei ver. A cidade é antiga com vestígios pré-históricos na região, mas foram os romanos quea ergueram. Nestes espaços do Estado espanhol quase só encontramos Roma e os Árabes. Dos Visigodos, os tais reis cristãos que recuaram impelidos pelos árabes, como a história nos conta, quase nada se encontra. Cáceres é uma excepção, os Visigodos chegaram aqui no século V e arrasaram de tal forma a cidade que não se ouviu falar dela nos quatrocentos anos seguintes. Reergueu-se com a ocupação árabe que no século IX dela fizeram uma fortaleza até ao início do século XIII, quando Afonso IX a incorpora no reino de Leão, acabando as mesquitas em igrejas e os palácios muçulmanos em cristãos. Vou pensando no desenrolar da história, mas de forma pausada e tento de novo compreender como se pode apagar a presença de um povo e de uma cultura ao fim de quinhentos anos de permanência num mesmo espaço e como sentiriam os árabes este território tão diferente dos sons do deserto de onde inicialmente procederam. O calor, a luminosidade, quase se assemelha, mas aqui chove com abundância no Outono e na Primavera. Será que conseguiam escutar os rumores do silêncio que só na extensão das areias é audível? Sim, nas montanhas, também o silêncio crepuscular é imobilizador, mas o entardecer nas extensões desérticas transporta fantasia, faz nascer uma harmonia de sons navegantes como se praticamente pousassem no chão deambulando. Foi nesse ambiente que Saint-Exupéry escreveu O Principezinho, mas hoje não escreverei sobre esta obra magistral, por que, como surgido destas ondas de calor o pensamento foge-me para o sopé da cordilheira do Atlas e detém-se na cidade vermelha de Marráquexe. Como aparecido do nada, os meus ouvidos sintonizam agora o canto árabe, o falar berbere, o enlevo da cidade às portas do deserto e chego até esse inglês, John Hopkins que se deixou aprisionar pelo fascínio mágico das cores e da melodia, dessa simetria que irradia dos sons e das imagens e tal foi o seu encanto que ao morrer, a berbere que aos 19 anos com ele casou e os 8 filhos que ambos geraram, dedicaram-lhe um poema no qualaparecem todos os sinais que o faziam amar a vida e os que o acompanharam nessa odisseia de passar pela humanidade. Ler essas palavras não nos deixa apenas em êxtase, obriga-nos a deslocar o quadro mental para uma percepção completa da pureza que podemos encontrar nos objectos mais simples da natureza. Sinto-me enfraquecido, nesses momentos em que nos apetece parar, desistir e regressar ao passado na procura do que perdemos, mesmo sabendo que o passado passou e o tempo e o espaço dos acontecimentos não se repete. Nessa fraqueza dos sentimentos e na emoção da perda, não consigo evitar soletrar uma a uma cada palavra daquele poema escrito na pequena tábua pendurada numa parede, «que pena que já não vejas os jacarandás, as roseiras, as buganvílias dos jardins que já não oiças o som das águas nas fontes que não escutes o silêncio dos pátios que não vejas as estrelas nos terraços que pena já não vejas todas as coisas que amávamos». Que pena não estejas aqui para te falar da beleza do que vejo e do que encontro, digo eu, mas a mão treme nesta escrita, certamente pelo estio que me cerca. Dizem-me que a temperatura vai subir aos 39⁰ até Domingo, pelo que amanhã aos primeiros alvores da madrugada, volto à estrada prosseguindo em direcção à fronteira.
Fernão Vasques*
* Por favor, não me confundam com o corajoso alfaiate que em 1371 ousou desafiar, em nome do povo, O Formoso e a futura rainha. Sou apenas um sonhador, digo eu, dos finais do século XX com endereço em Santa Maria das Júnias. São duas ruínas que se amparam, as minhas e as do mosteiro.
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