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01/07/15

ISTO CADA VEZ ESTÁ PIOR!

Mário Faria



Descia Santa Catarina e vi ao longe o HÀ, um amigo de longa data. Não me apetecia ouvi-lo. A narrativa habitual, depois dos cumprimentos da ordem, é mais ou menos esta: “isto cada vez está pior” é a frase umbrela de uma longa representação de acontecimentos, repletos de desgraças, disputas, ameaças, vinganças e sopapos, que descrevia com zelo. Com a Capela das Almas por perto, refugiei-me lá durante uns 15 minutos, sob um silêncio acolhedor que os visitantes não beliscaram. Mal HÀ desapareceu do radar, aventurei-me e dirigi-me à Via Catarina para cumprir uma emergência logística que realizei com normalidade. Deslocava-me rapidamente por um corredor daquele labirinto quando fui surpreendido por um carrinho de bebé de alta cilindrada, conduzido com excesso de velocidade, que por pouco não me atropelou. Dei uma pirueta, evitei o embate e notei um indisfarçado gozo da malta que caminhava por lá. Ainda não me tinha refeito do susto quando saí da loja e dei e de caras com ele, o meu querido amigo HÁ que parecia esperar-me, pelo sorriso escancarado que lhe abria desmesuradamente a boca num esgar semelhante à do caçador quando encontra a presa. Como uma desgraça nunca vem só, sabia que o sofrimento apenas tinha começado. Fiz um esforço e mostrei-me agradado pelo feliz acaso. Deu-me o braço e empurrou-me para um café. Começou, como não podia deixar de ser, com “isto cada vez está pior” e continuou, sentenciando que “a Grécia vai sair da Europa que a troika pariu”, que “Lopetegui é um fiasco e se Maxi vier para o Porto rasgo o cartão de sócio”. Interrompi-o para lhe perguntar se já não o tinha rasgado quando o FCP empatou com o Belenenses? “Rasguei, mas continuei a pagar as cotas”, esclareceu. Infelizmente, continuou a saga que constituem todos os momentos do seu quotidiano e seguiu directo ao assunto que na actualidade o atormenta: tinha recebido de herança uma casa rural no Algarve que partilhava com dois familiares. Contou-me uma longa história que não escutei, embora lhe mostrasse aquiescência ao que ia relatando. Em resumo: a coisa tinha começado bem, mas prometia acabar em absoluta desordem e, neste caso, eram dois contra um. Depois de desabafar e prometer que não cederia nem um bocadinho na disputa de um património que lhe é tão caro e de valor inestimável, pôs-me a mão no ombro e rematou com gravidade: “isto cada vez está pior; esta gente não olha meios para atingir os fins”. E desapareceu. A coisa prometia novas abordagens. Enquanto me lembrar, não voltarei a Santa Catarina. 

Com os ouvidos cheios, regressei a casa, inquieto e cansado. Na TV desdobravam-se as entrevistas para comentar o drama grego. O meu sentimento é de total discordância com os que aplaudem a firmeza das instituições europeias e pelo nim, nim dos bons rapazes que dividem irmãmente a maldade dos actores em presença no conflito, como gostam de dizer. Não me vem à ideia nada melhor sobre o tema que os dois últimos parágrafos do artigo de Mário Vieira de Carvalho sobre Franz Grassler, membro das SS, nomeado comissário para o bairro judaico de Varsóvia a partir de 15 de Maio de 41: “Tão meticuloso, enfim, quanto os tecnocratas que hoje impõem uma barreira de protecção à Grécia, encerrando-a também num gueto que sustenta a todo o custo o perigo de contaminação. O mesmo padrão reproduz-se sem cessar. Não está, afinal, “provado”, como já proclamou do alto da sua auctoritas outro abalizado jurista alemão, que a austeridade na Grécia “funciona bem?”. 

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