"Em 1729, Jean Meslier, um pároco exemplar, morreu cansado da vida, deixando as suas magras posses aos seus paroquianos. Entre os seus papéis, estes descobriram o manuscrito da sua 'Mémoire', no qual declara que o Cristianismo é um embuste."
"The case for God" (Karen Armstrong)
A fé não renovada, a letra não insuflada pelo 'espírito vivo', valem ainda menos do que a vida 'exemplar' deste padre. Ora, isso é o que acontece à maioria de nós, pela simples força do hábito.
Pela mesma razão que não se aprende de uma vez por todas, mas é preciso sempre voltar ao momento único desse encontro da verdade com o nosso espírito, cientes de que o perderemos e o haveremos de trair uma e outra vez.
Meslier era um veículo da palavra, mas não acreditava nela. Num certo sentido, apagou-se, fez-se um simples instrumento. Alguma coisa haveria, porém, de tornar esta vida funcionária tão exemplar. E talvez fosse a vaidade. A vaidade de dizer melhor do que os que acreditavam, ou de enganar toda a gente.
Mas essa vaidade não poderia ser um segredo que só ele conhecia. Para ter a máxima eficácia 'póstuma', era preciso legar o manuscrito que tudo punha a descoberto.
E a verdade talvez seja ainda mais simples do que isso. Não estava ele 'cansado da vida', cansado da encenação diária que lhe garantia a sua posição?
Tudo isto me faz lembrar o perfeito cinismo com que naquele século os filhos-família seguiam a carreira eclesiástica, só com as honras em mira. Como o bispo de Stendhal, no princípio do "Vermelho e o Negro".
Meslier é filho do seu século e só se distinguiu por querer, depois de morto, pôr os pontos nos 'ii'. Quem questiona a fé do célebre Richelieu? No entanto, sabemos que 'não se pode servir a dois amos'.
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