Afonso Anes Penedo
Tríptico da Natividade |
“Por presúria designava-se o acto de apropriação material das terras com as instalações pertencentes aos sarracenos expulsos durante o longo processo histórico da reconquista cristã (…). Na verdade, constituiu a base da organização dos domínios senhoriais
Dicionário Ilustrado da História de Portugal, Publicações Alfa, 1985
Guimarães distinguiu um dos seus mais ilustres cidadãos, atribuindo o seu nome a um dos museus da cidade, o qual reúne um espólio medieval de elevada riqueza, tanto do ponto de vista, do valor, como da arte, destacando-se essa peça única que é o Tríptico da Natividade, oferecido por D. João I a Nossa Senhora da Oliveira como agradecimento pela vitória alcançada em terras de Aljubarrota e tudo indica ter pertencido a D. João I, mas de Castela, sendo recolhido no campo de batalha como um despojo de guerra. A visita ao museu conduz-nos a uma viagem de reflexão a esse tempo de luta pela independência do território, num tempo de afirmação da nação, e dessa devoção do ex-Mestre de Avis pelas terras do Entre-Douro e Minho berço da nobreza, celeiro da nata cavaleiresca que se emancipou dos senhores de Leão. Alberto Sampaio, foi sobretudo um historiador e uma das suas obras de referência, são os Estudos Históricos e Económicos, divididos em 2 volumes sendo no primeiro abordado o estudo de As Vilas do Norte de Portugal. Na introdução diz-nos que o objecto da sua investigação «é a história da sociedade do noroeste peninsular» e da mesma traça-nos um quadro evolutivo que nos traz do interior das cividades até à chamada reconquista cristã. «As Civitates», começa por nos dizer, «eram pequenos povos com organização política autónoma» e de seguida esboça um quadro da vivência social e económica dos seus habitantes, a qual assentava essencialmente no usufruto comum das terras e dos bens, mas, «antes da conquista romana» eram já visíveis transformações geradoras de desigualdades. A presença do império vai impor mudanças qualitativas, não só ao nível da economia como da hierarquização da sociedade. Numa descrição que aqui simplificamos, no desenvolvimento deste trabalho de investigação, a que nos vimos referindo, veremos surgir as vilas, «um dos principais pontos da romanização», as quais irão adiante transformar-se nas freguesias e lugares. A presença sueva, apesar de escassa no tempo, terá uma integração mais sólida do que aquela que se poderia supor e não fosse o alastramento dos visigodos pelo território hispânico, seria interessante saber até onde a sua influência deixaria raízes mais profundas. Contudo, o reino visigodo não terá muito tempo para respirar, pois escassos dois séculos depois, os árabes alcançam a península e espalham-se de sul para norte. É sobre esta presença árabe que o historiador nos traz algo, que hoje não sendo novo, não deixa de passar quase despercebido. Alberto Sampaio, mostra-nos que, e servimo-nos das suas palavras, «Quanto à política seguida pelos árabes no noroeste, ela não podia ser diferente da adoptada no sul, da brandura da qual restam monumentos de sobra (…) Não obstante o senhorio das terras pertencer em teoria aos muçulmanos, a posse e a cultura delas, pagos os tributos, eram conservadas aos cristãos, com o livre exercício da sua religião, da língua e das próprias leis.», ou seja, as terras, e ressalva a norte, objecto do seu estudo, mantiveram-se na posse dos seus anteriores proprietários. Talvez este aspecto resultasse de a norte não terem consolidado o seu poder militar, mas o certo é que, pagos os impostos e os tributos, os proprietários mantiveram a posse da terra. Mantiveram, mas tão só até à chegada dos cristãos, pois o que tanto chamamos de reconquista, não passou de facto de uma conquista. Revela-nos o historiador que «Desde as primeiras empresas dos reis asturianos, manifesta-se sem a menor ambiguidade uma nova compreensão dos direitos reais (…) o rei não se limitou a ocupar só os lugares fortificados (exceptis Castris), substituindo o seu governo pelo dos árabes, mas apoderou-se simultaneamente dos prédios rústicos com as habitações que eles continham (cum Villis & viculis): por onde ele passava, toda a propriedade ficava portanto incorporada na coroa», dizemos nós, sem rigor histórico e numa linguagem mais terrena, a reconquista tornou-se um roubo, do qual beneficiaram as famílias dos que possuíam armas e cuja arte era apenas guerrear. Como muito bem nos diz Alberto Sampaio, e repetimo-lo, «manifesta-se sem a menor ambiguidade uma nova compreensão dos direitos reais» e a palavra «direitos» aparece sem qualquer tremor na escrita, pois assim foram entendidos, decretados, certamente, como hoje, por uma qualquer maioria absoluta de uma assembleia, a favor da minoria armada. Assim, nasceram e cresceram os direitos e a riqueza de uma elite que ao longo dos séculos mostrou quase sempre ser soberba e medíocre. Como acrescenta o historiador, «Expulsando os inimigos de um território e repondo aí o governo cristão, os monarcas da restauração julgaram-se conquistadores do país revertido ao seu governo (…) adquiriam tanto a soberania, como os imóveis (heridates) e os móveis que saqueavam (facultates); tudo tinha sido arrancado de espada em punho». «Com prédios adquiridos de tal maneira, por direito da guerra (as terras públicas, que dos romanos passaram para os suevos, estavam esgotadas há muito), formou-se mormente o património real, do estado conhecido pelo nome de «bens da coroa». «Essa imensidade de propriedades, disseminada por toda a parte, nos cantos mais remotos, e sob as formas mais variadas, não me parece que possa ter outra origem.» A nós também não, tanto mais que as presúrias prosseguem nove séculos decorridos.
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