Manuel Joaquim
Todos os dias, de manhã e à noite, ouço a Antena 1. Tem bons profissionais, bons programas e alguns bons colaboradores. É a emissora que mais divulga a música e os músicos portugueses.
De segunda a sexta-feira, pelas cerca das 8 horas e 30 minutos, Miguel Esteves Cardoso tem uma crónica muito interessante sobre música e intérpretes norte-americanos, num programa que se chama “Se as canções falassem”.
No dia 22 de Setembro, a crónica de Miguel Esteves Cardoso foi sobre uma canção muito melodiosa, “Setember in the Rain”, de Harry Warren, letra de Al Dubin, versão de Doris Day. Começou a sua crónica dizendo, mais ou menos o seguinte: “Costuma chover em Setembro, mas não tanto como tem chovido. A chuva por acaso inspira compositores e letristas. ….E a chuva entra pelas músicas e pelas letras adentro. O mês de Setembro, a palavra Setembro, o sentimento de Setembro, também se presta muito a canções de amor. A chuva em Setembro traz saudades”.
Miguel Esteves Cardoso leu a sua crónica de forma muito poética, muito sentida, despertando a minha atenção para a beleza do texto e fazendo-me recordar um fado muito bonito, composto e interpretado por Jorge Fernando e também por Mariza, que se chama Chuva. Como também me fez recordar um texto escrito por ele, num mês de Setembro, sobre a maior festa que se realiza em Portugal nos primeiros dias de todos os meses de Setembro.
Este sempre jovem escritor conseguiu fixar nesse texto extraordinário, o sentimento, a vontade, a determinação, a capacidade de trabalho e de organização de centenas de milhares de pessoas de todas as idades, de todos os locais de Portugal, para, fraternalmente, construírem um espaço do melhor que se faz para conferências e debates políticos, para a divulgação da música, do teatro, do cinema, da literatura, da pintura e da escultura, da ciência, do desporto, das realidades e gastronomia e costumes de todas as regiões e de países dos quatro cantos do mundo.
Nos primeiros dias de Setembro, como não podia deixar de ser, mesmo com a ameaça de chuva, lá fui acampar com a família para ir à Festa. Acampámos na quarta-feira anterior e, nessa noite, visitámos todo o recinto onde observámos centenas de jovens trabalhando militantemente na montagem dos espaços, nas pinturas e na decoração, criando verdadeiras obras de arte que deveriam perdurar por muitos anos.
Na manhã do dia seguinte, como sempre, fomos para Lisboa, para as Portas de Santo Antão, onde é obrigatório ir beber uma ginginha, local já muito procurado não só por portugueses e imigrantes africanos, mas também por turistas de todo o mundo e muito particularmente por brasileiros.
Próximo à Ginginha, está a Igreja de S. Domingos, que pertencia ao Convento do mesmo nome até ao terramoto de 1755 e que em 1950 foi praticamente destruída por um incêndio de grandes proporções. Foi nesta igreja que a Inquisição condenou muitas pessoas a serem queimadas vivas. É um monumento grandioso, cuja visita nos faz lembrar passados deste mundo.
Depois, foi um bom almoço, tipicamente alentejano, acompanhado por um bom vinho branco da Vidigueira, na Casa do Alentejo, que também fica nas Portas de Santo Antão.
O Palácio Alverca, construído em parte das muralhas fernandinas, onde está instalada a Casa do Alentejo, pertenceu aos Viscondes de Alverca, família Paes do Amaral, até 1981. As Portas de Santo Antão estavam integradas na “Cerca Fernandina”.
Neste palácio, em 1919, foi instalado o “Magestic Club” um dos primeiros casinos de Lisboa. Já lá funcionou um liceu e um armazém de mobílias e de objectos de arte. Em 1932 foi arrendado ao Grémio Alentejano que passou a Casa do Alentejo que o comprou em 1981 aos seus anteriores proprietários.
O projecto de alterações, de 1917, foi da autoria do Arquitecto António Rodrigues da Silva Júnior. Grandes artistas da época, Júlio Silva, Benvindo Ceia, Domingos Costa, Jorge Colaço e outros, estão lá representados. O grande artista alentejano Rogério Ribeiro está representado com um painel datado de 1980. É um edifício com um interior deslumbrante, muito rico em pintura e azulejos, que vale a pena visitar e aproveitar a oportunidade para provar os paladares alentejanos.
Por sorte, estava a decorrer a apresentação para a comunicação soclal e outras entidades da Candidatura do Cante Alentejano a Património Imaterial da Humanidade – Unesco, onde estava presente Sérgio Tréfaut, realizador do filme Alentejo Alentejo que teve o Prémio Melhor Filme Português Indielisboa 2014.
Enquanto almoçavam e confraternizavam, os cantadores entraram em função, dando alegria e emoção a todos os que os ouviam. O Filipe, com 16 meses, ouviu pela primeira vez o Cante Alentejano com muita atenção, movendo os lábios tentando acompanhar os sons, merecendo a atenção e a curiosidade dos próprios cantadores. Entretanto, já vi, no Porto, o filme Alentejo Alentejo que merece ser visto.
Depois de visitar e de merendar na Gulbenkian, também lugar de visita obrigatória, foi o regresso ao local da Festa.
Nos dias seguintes, dias de trabalho, de convívio, de prazer, envolvidos num mundo diferente. E a chuva, a chuva de Setembro a cair sobre as tendas e sobre nós. E foi a chuva que me levou a ver duas peças de teatro extraordinárias, “Arte de ser…imprecação a Teixeira de Pascoaes”, pelo Teatroensaio, do Porto, com interpretação de Inês Garrido; e “Cavalo manco não trota”, pela Companhia de Teatro do Algarve, com interpretação de Luís Vicente.
E assim aconteceu mais uma Festa. Simplesmente a maior realizada em Portugal e que Miguel Esteves Cardoso tão bem retratou mas ignorada pela comunicação social como se ela não existisse. Mas a Festa existe, realmente, e, para o ano, vai ter mais 7 hectares de terreno.
Setembro de 2014
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