Mário Martins
Com este título quero significar a ocorrência e a leitura de importantes factos aparentemente determinados pelos homens os quais, no entanto, aconteceram independentemente da sua vontade, plano ou previsão. Não me refiro, portanto, aos acidentes, tantas vezes dramáticos, da natureza mas à história, não menos dramática, dos actos humanos. Sem dúvida que os variados interesses e os consequentes actos das pessoas e dos grupos humanos marcam a vida social, seja em cooperação seja em conflito, mas estão longe de esgotarem a explicação do rumo das coisas. Pelo contrário, a acumulada experiência histórica demonstra que não é só nos nossos computadores que existem ficheiros ocultos, mas que também há uma grande dose de imprevisibilidade quando não mesmo uma caixa de Pandora por detrás das grandes decisões e actos humanos. Será o caso, por exemplo, segundo o autor, Charles C. Mann, do livro “1493 - A Descoberta do Novo Mundo que Cristovão Colombo criou”*, da descoberta das Américas pelos europeus há cerca de 500 anos. A formidável alteração do mundo provocada pela chegada da expedição de Colombo às terras índias e sequente colonização, está muito para além do objectivo de aceder ao próspero comércio asiático. “Os navios que cruzavam o Atlântico transportavam não só seres humanos, mas também plantas e animais – por vezes intencionalmente, por vezes acidentalmente. Depois de Colombo, ecossistemas que haviam estado separados durante éons encontraram-se subitamente e misturaram-se, num processo a que Crosby** chamou, e que fora o título do seu livro anterior, o Intercâmbio Colombiano, o qual levou milho para África e batata-doce para a Ásia Oriental, cavalos e maçãs para as Américas, e ruibarbo e eucaliptos para a Europa – e também foi fazendo a permuta de uma enorme quantidade de organismos menos familiares, como insectos, ervas, bactéria e vírus (…) Os livros de Crosby foram os documentos constitutivos de uma nova disciplina: a história ambiental. Esse mesmo período assistiu à ascensão de outra disciplina, os estudos atlânticos, que sublinhavam a importância das interacções entre as culturas das margens desse oceano. (Recentemente, alguns atlanticistas juntaram ao seu campo de acção as deslocações através do Pacífico; o campo talvez tenha de ser rebaptizado). Em conjunto, os investigadores em todos estes domínios têm estado a construir o equivalente a uma nova imagem das origens da nossa civilização de âmbito mundial e interligada, ou seja, o modo de vida evocado pelo termo “globalização”. Uma maneira de resumir os seus esforços poderia ser dizermos que à história de reis e rainhas que a maior parte de nós aprendeu na escola se juntou um reconhecimento do notável papel desempenhado pelo intercâmbio, tanto ecológico como económico. Outra forma seria dizer que há um reconhecimento crescente de que a viagem de Colombo não marcou a descoberta do Novo Mundo, mas sim a sua criação.”*
*Edição da Casa das Letras
**Alfred W. Crosby, geógrafo e historiador
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