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01/07/13

PRETO E BRANCO

Alcino Silva

 

Nunca tivera dúvidas sobre as cores do mundo e o seu olhar sempre viajara entre o colorido da natureza. Do preto e do branco só dera conta pelas fotografias, as quais também trouxeram o cinzento, mas ao princípio, pois nos tempos que por aí vão à procura do futuro, só a cor prevalece, e o preto e o branco resta como estética de um gesto, de um rosto, em que se busca o realçar de um traço de beleza. O amanhecer sempre fora para si um desses instantes em que os olhos se abrem na procura do conjunto das cores que povoam a vida, o pensamento, e permitem que a alma se encha de alegria. Não pode dizer que se tenha apercebido de imediato, assim como, um clique de uma luz que se apaga, que as cores lhe estavam a fugir. Não, ao princípio pensou até que simplesmente era um dia de nevoeiro intenso. Algumas horas depois, esfregou os olhos, apertou-os até quase doer, pestanejou, abriu e fechou-os diversas vezes e com rapidez, mas sem resultado. Aos poucos foi compreendendo que lhe faltava o azul na paisagem da sua memória, assim como numa impressora em que acaba um tinteiro, só que nos seus olhos não havia mostrador, simplesmente o azul apagou-se. Essa cor intensa que se habituara a encontrar na profundidade dos olhos que o cativaram, como esses lagos de água cristalina que nos aparecem nas montanhas, tinha partido, quando o olhar onde vivia, deixou o território dos seus sonhos e tomou o comboio nocturno sem regresso. Agora compreendia que não fora uma simples despedida, mas antes uma perda irreparável, pois com o olhar fora também o mar oceânico, o infinito celestial, a harmonia universal onde as estrelas vivem brincando com a luz e viajando entre abraços e beijos galácticos. A tranquilidade das tardes sem nome ou de infinitos cansaços como os que descreveu a poetisa, abalara também. Os sonhos foram tombando, um a um, e o pensamento ficou como as muralhas medievais quando as suas portas se encerravam, deixando o interior isolado, silencioso e só. Foi como se ficasse impedido de viver, mas ainda assim, não quis despedir a esperança e ao fim da tarde, abeirou-se do mar, das águas tépidas de um Verão quente. Era verdade, o azul não aparecia nas imagens dos seus olhos, já não estava, mesmo que olhasse com esforço, o azul estava ausente. Aguardou pela energia e excitação do sol no sopro dos últimos minutos do dia quando explodia em chamas de fogo, numa coroação de júbilo, como se se exaltasse num hino de vitória no instante em que desaparecia substituído pela noite, a qual não entrava enquanto respirasse a luz do dia. Por mais paciente que tenha sido a espera, a magnífica explosão do incêndio solar não deu sinais da sua presença e então compreendeu que também lhe tinham levado o vermelho, tinha viajado com o sorriso que alimentava o olhar que levara o azul. Ao procurar o lugar de onde devia provir a luz percebeu aindaque, a luminosidade, a claridade, a iluminação da natureza, esse brilho que realça a vida e que provém do amarelo, viajara no mesmo comboio sem destino para onde rumaram as outras cores. Com o olhar, o sorriso e o rosto que estimava, partiram as cores da vida. Deixaram-lhe, tão só, o preto e o branco. O preto chegava com a tristeza, dos crepúsculos, dos dias de chuva, dos requiens com que se ia despedindo dos objectos e das pessoas que lhe compunham a existência, nesse desaparecimento contínuo consubstanciado nessa lei física de que nada se perde, nada se cria, mas com o adeus do olhar amado, a transformação conduziu à perda das cores, da diversidade, da lucidez, da contemplação do mundo com a alegria que sempre lhe parecera imutável. Desde então, quando o dia nasce e as pálpebras reabrem na expectativa do regresso do que perdeu, o seu olhar encontra apenas um painel pintado de branco, sem traços, sem desenhos, sem o gesto dos lábios abrindo-se num imenso arco-íris. São paisagens de neve que parecem estimular a paz e a pureza, mas como pode a sua alma pacificar-se sem a presença visível de todas as outras cores, mesmo sendo verdade que fazem parte do branco?, questiona-se sem encontrar resposta. Passou a viver num tempo parado, como as imagens das fotografias, no interior fechado de um mundo a preto e branco, um preto nocturno, ameaçador e assustador, e um branco diurno, sem rios, sem montanhas, sem mar, sem esse encantamento onde viviam as suas fantasias enfeitiçados por esse olhar que pintava as cores da natureza de um mundo, no qual, agora não sabe caminhar.

 

 

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