Alcino Silva
Mark Rothko |
Percorro os passos contados desta casa, interrogo cada objecto pousado e dialogo com o silêncio que repousa em todo este ambiente, que deixaste. Está fria esta casa e só a tua recordação aquece os dias que passam. Não sei que tempo faz lá fora, mas aqui é noite, nestes cantos onde procuro a tua presença, escurece cedo ou são sombras de um passado que só tu preenchias.Vagueio ao longo dos anos, sento-me aqui, descanso mais além. Paro para achar o sorriso que levaste. Olho aquela estante onde poisavas uma caixa tua com tesouros guardados, cujo segredosó tu conhecias e vejo ainda o brilho dos teus olhos onde escondias esse sorriso no qual voavam mistérios que nunca revelaste. E sorrio ainda como fazia então nesse tempo em que enchias de sons esta casa onde agora apenas eu acendo os fantasmas de um tempo que perdi. Os meus dedos tocam na capa dos livros tentando encontrar os personagens que me faziam sonhar, masacompanharam-te na tua viagem, ainda tacteio as folhas, mas já não possuem conteúdo, pois as palavras eras tu que as escrevias ou falavas e agora são apenas páginas em branco. Está fria esta casa, como se fosse inverno lá fora, ou é o meu corpo que só aquece com a memória dos dias em que semeavas alegria pelos caminhos em que eu passava. O telefone já não toca porque ninguém fala para aqui desde o dia em que não estás. Ainda ouço na ilusão do desejo o toque encantado que trazia a tua voz. Ouço porque quero ouvir, mas na verdade, só o silêncio acende a solidão que plana nesta casa. Deambulo, como se acreditasse que o calor vai chegar, toco na pedra das paredes e tento acreditar que estão a aquecer que há uma energia que sai do granito, e no entanto, continua fria esta casa. Olho para a mesa e certifico-me que o envelope amarelo das mensagens está apagado, apesar de o ver sempre aceso. Com os mesmos presentes, celebro todos os aniversários em que chegaste, flores e perfumes que trazia para ti de lugares perdidos e, em troca, ficava com a luz dos teus olhos. Espreito pelos orifícios da janela e o sol brilha no espaço exterior e, no entanto, continua fria, esta casa. Vou acender a lareira e sentir o crepitar das chamas. Talvez te voltes a sentar no recanto da madeira com o silêncio dos teus olhos voltados para mim e a doçura da tua voz explicando as pequenas coisas do dia. Toco o rebordo do retrato que deixaste, próximo da janela onde te voltavas para o espelho e na seriedade do rosto apreciavas a roupa que pousavas em ti. A memória percorre o tempo da fotografia e reconstitui os gestos e os lugares e os meus sentimentos acordam em lembranças passadas. Acendo a luz e a casa continua às escuras. Já nada ilumina o que só tu acendias. Não sei há quanto tempo deixaste este espaço, este lugar que só fazia sentido contigo presente. Para mim, parece ter sido ontem, mas foi há muito, pois a casa continua fria, gelada mesmo, ou serão os frios invernos que terão chegado sem eu saber. Recosto-me no sofá para escutar um cântico que esvoaça mas sou eu a deixar que a imaginação me embale, pois há muito que se extinguiram os sons, se apagaram as luzes, que o interruptor da vida se desligou e apenas os fantasmas da solidão vagabundeiam livres por esta fria casa deixando-me nesse silêncio da lembrança do teu sorriso e o desejo do teu rosto. Sem ti, está fria esta casa.
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