Mário Martins
Personagens: Dr. Medina Carreira (MC) – Programa televisivo “Olhos nos olhos” SEDES (S) (Associação para o Desenvolvimento Económico e Social) Dr. Silva Lopes (SL) – Programa televisivo “Olhos nos olhos” 4Nov2013 Dr. Álvaro Santos Pereira (ASP) (ex-ministro da Economia do actual Governo)
(MC) O Estado está falido!
(S) A ideia de que o Estado está falido e, como tal, tudo é aceitável é, e tem sido, um erro grave: o acordo com a troika fez-se exactamente para evitar essa falência.
(MC) Ninguém está disposto a investir em Portugal com a burocracia reinante, a contínua alteração dos impostos e uma justiça ineficaz.
(S) A recuperação do investimento passa antes de mais por políticas estáveis e previsíveis. O problema não é, neste momento, a falta de financiamento ou de incentivos, mas de credibilidade e estabilidade política e das políticas.
(MC) Não há dinheiro nem economia para sustentar o actual nível das pensões.
(S) A Troika e o FMI não ajudaram nem perceberam que o descrédito no sistema de pensões e reformas tem consequências enormes para o desempenho da economia já hoje; causa mal estar generalizado em novos e velhos com consequências políticas e sociais muito gravosas, embora difíceis de avaliar em toda a sua extensão. A SEDES não nega a necessidade da reforma com vista à sustentabilidade do sistema, nega justamente a não existência de uma reforma mas de um conjunto avulso de medidas, circunstancial e ditado pela conjuntura, que mina um pilar fundamental da vida social – a confiança – agravando a insegurança.
(SL) Não há dinheiro! As pensões grandes devem sofrer mais cortes; devem descer para 2.000 euros líquidos; mas as pensões médias, que são o grosso da despesa, também têm que diminuir.
(MC) Os jovens vão ter na sua reforma uma pensão pouco mais que simbólica.
(S) A ideia de que a geração em idade contributiva não terá pensões gera uma revolta contra o facto de se pagar hoje para nada se receber amanhã. Alimentá-la encoraja todo o tipo de fugas à contribuição, agravando o exacto problema que visava resolver.
(S) É urgente reformar o estado, reformar o sistema político, reformar a forma de fazer política, de gizar, conceber, apresentar e executar as políticas públicas. É fundamental acabar de vez com a incerteza desnecessária que mina a confiança dos cidadãos em si mesmos, na economia e em quem os representa e por si decide. É vital reformar o sistema político e melhorar a democracia.
(ASP) Se não tivermos uma solução europeia, arriscamo-nos a ter novamente ditaduras na Europa. O caminho da austeridade cega vai exaltar os extremismos europeus. Toda a gente na Europa se preocupa com tesouraria. A Europa só tem ministro das Finanças, só tem Ecofin [ministros das Finanças da União Europeia] e Eurogrupo [ministros das Finanças da zona euro] e, quando só há ministro das Finanças, mais cedo ou mais tarde não vai funcionar (Jornal Sol 31Out2013).
Mário Faria
A Glória nasceu em Paços de Ferreira. Não diz a idade que tem, mas conta que a mãe vendia galinhas e ovos, e o pai era jornaleiro; veio trabalhar para a cidade do Porto, mal completou doze anos, com a 4ª classe no bornal. Foi ocupar o lugar de aprendiz de criada, na casa de um renomado médico da cidade. Com ela viviam na cave, mais três criadas: a cozinheira, a Luísa que tratava de todo o serviço de limpeza e a Alice “Maluca” que animava as noites com uma alegria contagiante e que (basicamente) cuidava da pequenada e servia de acompanhante e apoio da matriarca que por ela tinha uma amizade muito especial; por isso, gozava de um estatuto muito particular que lhe permitia, entre outras loucuras, a de se refugiar debaixo de uma das camas dos meninos para pôr em dia a leitura dos livros de banda desenhada. A Glória trabalhava sob a orientação da Luísa, e nas horas das refeições apoiava a cozinheira: tinha como missão colocar as travessas no elevador, ao sinal da chefe de mesa, com celeridade para que a comida chegasse quentinha, quentinha, como o senhor doutor exigia. A limpeza, a lavagem da roupa e o serviço de passar a ferro, eram tarefas duras: os electro domésticos ainda não tinham chegado e o frigorífico, o primeiro a bater a porta, só uns anos depois. A senhora da Casa, a D. Elisa, todos os dias controlava os serviços e quando parava e apontava o dedo para um armário em detectava pó, estava o caldo entornado. Nesses dias, não havia a habitual tolerância no alargamento da hora do almoço e todas ficavam obrigadas a pôr tudo nos trinques. D. Elisa, figura da aristocracia nortenha, tinha um pequeno defeito na perna e usava uma bengala para a auxiliar a caminhar, e a Alice tinha o hábito de se estender no soalho, com o ouvido bem colado ao chão, para adivinhar os seus passos e para avisar as colegas dos seus avanços. Aquelas escadas eram corridas à velocidade da luz para avisar as colegas e era mais um motivo de regozijo da ganapada que vivia estas histórias de espionagem com profundo agrado e que à noite eram motivo de pormenorizada narrativa, depois do jantar, uma vez que os meninos da Casa (três rapazes e uma rapariga) ficavam autorizados a juntar-se às criadas, até às dez da noite, hora de ir para a cama.
Depois do jantar, os genros saíam, as meninas/senhoras ficavam em casa e juntavam-se aos pais na sala de estar. O senhor doutor lia o Comércio do Porto e o Primeiro de Janeiro, bebia o seu cálice de Porto e não dispensava o charuto, apesar das recomendações e protestos da D. Elisa que centrava toda a sua atenção na rádio e, particularmente, na audição das radionovelas em voga; uma das filhas era simplesmente a esposa que tratava da educação dos filhos, apesar da enorme vocação pelas artes: pintura, poesia e canto eram a sua paixão; tinha muito talento que expunha em recitais muito discretos destinado a familiares e amigos; a outra filha tratava da logística daCasa e por ela passavam todas as importantes decisões na gestão muito criteriosa do dinheiro distribuído para o consumo doméstico, sendo que o Sr. Doutor não alinhava em desperdícios e não tolerava o despesismo. Não conversavam muito uns com os outros, as relações eram frias e a afectuosidade não era prática dos homens da Casa: havia falta de calor humano naquela família e os miúdos procuravam no andar de baixo, reservado à criadagem, a proximidade, a liberdade e a alegria que lhes faltava em cima.
No decénio seguinte ao fim da guerra, ocorreu uma série de acontecimentos que alteraram este quadro de bem-aventurança. O Sr. Doutor morreu de um enfarte, um neto com a meningite e a filha poetisa de tuberculose. Foram desgostos que devastaram a família, que nem por isso se uniu mais. Do outro casal, nasceu mais um rapaz: esse sim, passou a ser o “ai jesus” de toda a família. Com a morte do patriarca, foi alienado grande parte do vasto património imobiliário, mas manteve-se intocável a joia da coroa, a Casa. Os genros assumiram as rédeas e o sustento da família e estabeleceram-se no ramo da restauração, com inesperado sucesso que exploraram, investindo na área da panificação com igual êxito. Novos-ricos e com dinheiro fresco, retomaram os padrões do antanho. A D. Elisa ia envelhecendo rapidamente e raramente saía do seu quarto. A angina de peito não lhe dava descanso e viva numa redoma entre as crises que se sucediam. Valia-lhe o médico de família, vizinho e antigo colega do marido, que lhe proporcionava os cuidados médicos primários que na altura passavam basicamente pela colocação de ventosas no peito e nas costas. Eram noites de ansiedade e todo o pessoal ficava convocado, ora para estar junto da doente, ora para tratar e deitar os meninos.
Lá em baixo, a vida também mexeu e muito. A Luísa casou-se com um maquinista da CP e foi viver para o Entroncamento. A Alice Maluca viveu um tórrido romance que levou à intervenção da D. Elisa que chamou o namorado à sua presença para “aconselhar” o casamento como única saída, por ter desonrado uma moça de menor idade, sob pena, se assim não procedesse, de denúncia às autoridades, pelo mal que fez, apesar da resistência da rapariga. O jovem cumpriu o seu dever, casaram e foram infelizes, para sempre. A cozinheira, coitada, morreu com uma pneumonia galopante. Ficou na campa da família: um tributo mais do que merecido pois trabalhou na Casa mais de trinta anos. Entrou para o seu lugar a “Mouca” que pouco ouvia e raramente falava, mas os seus cozinhados eram de excelência; D. Elisa conseguiu que o filho da nova cozinheira (o Palhaço de Amarante) fosse para a Tutoria em regime de internato. Com os membros adultos da família dedicados a tempo inteiro ao negócio, a Glória passou a responder por todo serviço da casa, que contava com mais um elemento, a Deolinda Costureira que tinha a seu cargo a manutenção do vestuário e dos atoalhados da Casa e das lojas: entrava às nove e saía depois do jantar. Folgava ao sábado e domingo. A Mouca e a Glória apenas tinham a tarde de domingo para descanso que depois se estendeu ao dia todo; o domingo era um dia especial consagrado: à missa de manhã, ao futebol de tarde e ao cinema à noite; de vez em quando uns passeios à Foz, Leça da Palmeira ou a Miramar e, muito raramente, visitas de circunstância a familiares o que era quase sempre uma grande seca para a pequenada. As refeições dominicais, tinham passado para o restaurante e lá se juntavam muito amigos o que era muito agradável para a rapaziada que pouco convívio animado tinha com os mais velhos.
No trabalho, a Glória vestia a farda que cobria com um avental que ia mudando, segundo o tipo de serviço que prestava: um para a limpeza, outro para o serviço de mesa, um branco para os cuidados que a doença da D. Elisa carecia e um outro mais garrido para os recados que tinha de cumprir ou quando tinha de compensar a falta de pessoal na padaria ou no restaurante. Era competente, esmerada, rápida, ladina, engraçada, arrebitada e com uma alma do tamanho do mundo. Foi o menino mais velho que lhe pôs o nome de Glorinha dos Aventais, um trocadilho tirado do título de um romance de Júlio Diniz. Glorinha ficou para sempre; dos Aventais foi caindo, embora ela goste muito desse novo nome por completo e o repita com satisfação, sempre que pode. Ainda, hoje, apesar de todas as voltas e da idade, não dispensa o avental em casa e na rua, ao serviço da família para quem continua a trabalhar, com a mesma dedicação.
O Natal era um dia muito especial porque reunia a família e alguns amigos que se juntavam na ceia. Era uma noite animada e a rapaziada, logo que autorizado, era escada, escada abaixo para colher o melhor de dois mundos. Lá em baixo, o pobre de costume, o Sr. Acácio, familiar muito afastado da D. Elisa, acompanhava a criadagem que nesse dia tinha direito a uma verdadeira ceia em tudo igual aos senhores lá de cima, o que raramente acontecia porque lhes competia sempre, e em primeiro lugar, comer as sobras das refeições anteriores. O que restava dessas sobras, era destinado aos pobrezinhos. A Sra. Alcina, uma velhinha muito querida, recebia o melhor da ementa feita de restos. Na sala de jantar, os amigos solteirões, folgazões e mulherengos, contavam histórias das aventuras vividas e das namoradas que tinham espalhado pelo país, fruto das deslocações que faziam na condição de caixeiros-viajantes. Para a miudagem, a manhã do dia de Natal nascia mais cedo. A Glorinha acompanhava a abertura dos presentes e participava com entusiasmo naquele jogo de satisfação, admiração e espanto para valorizar as ofertas que eram modestas e de que tinha sido a principal animadora, desde a pesquisa à compra, pois os membros da família não tinham tempo nem paciência para essas minudências.O dia de Natal era um dia chatinho se não aparecesse o João Tau, um tipo muito bem disposto que propiciava momentos de convívio muito entretidos. Lá em baixo, ao som da música pedida, transmitida pela Renascença ou pelos Emissores do Norte Reunidos, havia canto e dança, sob a superior direcção da Glorinha dos Aventais, que num dia de Natal, soube que tinha deixado o posto de criada interna e tinha sido promovida a empregada-chefe da Casa.
O encanto nasceu há muito, ao longo dos anos, através das suas crónicas e reportagens, mas evoluiu em grandeza com histórias como a de Taha Ali, nas terras milenares de Nazaré. Pelas suas palavras conhecemos vivências dramáticas, pungentes, mas também carregadas de idealismo e romantismo, nesse colorido espantoso que é o mundo. Em Oriente Próximo, sentimos o pulsar da Palestina, a dor da perda, o drama da miséria humana, não apenas económica, mas sobretudo do quadro mental de uma sociedade judaica, religiosa, fanática, violenta e essencialmente impune nos seus crimes e na sua incapacidade de convivência com o resto da Humanidade. Percorremos Jerusalém, escutamos esse chamamento para a oração que parece soltar ao vento o pôr-do-sol, escutamos e sentimos essa barreira quase intransponível nos montes e colinas de oliveiras e laranjais.Em o Caderno Afegão abeiramo-nos duma Idade Média tribalista, guerreira e que ao nosso longínquo olhar, aparece como obscurantista e atemorizadora. Num território submerso numa guerra que parece eterna, um país invadido, um povo que resiste, talvez sem saber para onde vai ou como vai. As montanhas agrestes e nuas, Kandahar debaixo de fogo, Herat dos senhores da guerra e já a caminho de Cabul, o lago de águas com essa cor esmeralda como uma luz em ambiente desolador. Nos antípodas territoriais, Viva México leva-nos sempre entre a natureza e a cultura, mas não conseguimos olvidar a violência de Hérnan Cortéz um desses civilizados europeus que em nome da cruz, de uma qualquer, deu início a um dos maiores genocídios da História e o território mexicano parece viver ainda hoje esse traumático tempo de violência com as suas maquiladoras, os seus barões da droga, os seus políticos corruptos, a sua democracia envenenada a gerar ondas de emigração e pobreza. E no entanto, sentimos a estatura de uma cultura marcante, poderosa e evoluída. E no percurso desta grandiosa viagem que nos vem proporcionando trouxe-nos em tempo de Primavera, um momento de romance e de amor em A Noite Roda, através do qual nos mostra os sentimentos humanos rodando dentro e através dos personagens, e como também no mundo dos afectos, somos capazes de descer do mais elevado ao mais baixo quando conseguimos esquecer o outro em nome de nós próprios.Tahrir foi um pequeno intervalo na chegada do que ansiávamos, uns dias entre o sobressalto egípcio que colocou um comboio em movimento cujo destino ainda não conhecemos. Por fim, com o Outono adiantado, o nº 2 da Granta anunciou a chegada e dias depois numa visita à Bertrand pudemos iniciar a leitura de Vai, Brasil. Alexandra Lucas Coelho, jornalista, escritora, leva-nos agora em navegação por esse imenso e colorido território que é o Brasil, essa vastidão de terra, de floresta, de água, de praias e montanhas, de climas diversos, de gentes, colectiva e individualmente com os seus sucessos, as suas desgraças, os seus dramas, as suas esperanças, o seu actual questionar da história, a reivindicação de terem uma palavra no seu futuro que se vai construindo, ou desconstruindo, no presente. ALC não se limita a contar o que ouve, o que vê, diz-nos o que sente, traz-nos, mais do que os sons, a vida desses sons. Sentimos nas suas palavras, o pulsar da Amazónia, a miséria do Maranhão, a tranquilidade de Aiuruoca, mergulhamos no interior das favelas, escutamos os lamentos de quem vive, os gritos de alarme, a música que se solta como um acto mágico desses seres tropicais, compreendemos a dimensão do Rio, o dinamismo de S. Paulo e quando já tudo parecia visto, leva-nos a Porto Alegre. É difícil descrever o entusiasmo, a alegria, o dinamismo que nos faz viver através das suas crónicas, as quais não se sentem como tal neste livro acabado de dar à estampa, mas antes como uma viagem, uma jornada contínua. ALC deixa-nos sempre suspensos nessa interrogação dequerer saber onde a iremos encontrar da próxima vez, ou dito de outra maneira, onde nos levará de seguida e o sentimento com que nos cativa nos seus relatos, fazem-nos incentivá-la a que prossiga, que nos leve a outros lugares, a outras gentes, a culturas que pela diferença nos enriqueça ainda mais, daí que nos sentimos tentados a usar o título deste seu último livro para lhe dizer, Vai, Alexandra e continua a trazer-nos o mundo que nos rodeia, que acreditamos conhecer, mas que nos chega sempre mais vasto, mais rico, mais enternecedor, nas suas palavras.
António Mesquita
http://zephmeister.blogspot.pt/2010/08/ventriloquismo.html |
Os Alemães têm os preconceitos certos e a informação suficiente para manterem a sua política de se servirem da União com o mínimo de custos possíveis.
Não adianta contrapor a realidade dos "Países do Sul", em que não pode deixar de entrar a dimensão do tempo (de que a fórmula de John Maynard Keynes dá o exemplo mais paradoxal: o de que, a longo prazo, estaremos todos mortos), ao confortável preconceito de que gostamos, de mais, do 'dolce fare niente' ou de que temos leis do trabalho menos flexíveis do que os outros países. Toda a informação que venha lançar dúvidas sobre estas "certezas", simplesmente não é lida, e as vozes que não cantarem no uníssono teutão, não são escutadas.
No que se comportam como qualquer de nós, individualmente, ou colectivamente. Pelo menos a julgar pelo que pensa Daniel Kahneman, quando diz que as pessoas, quando têm uma boa história, rejeitam mais informação que possa vir a estragá-la. É o que o sociólogo chama de SHAVQ (Só Há Aquilo Que Viram). O comportamento da Alemanha, durante a crise do euro, é tão normal, tão justificadamente egoísta, que tem pelo seu lado, todos aqueles que se ponham, 'sinceramente', no seu lugar.
Pode-se invocar o tratamento de favor que foi concedido à Alemanha vencida na Segunda Guerra Mundial, as indemnizações de guerra que ficaram por honrar. As 'razões' de um povo não estão ao nível da política, nem da contabilidade dos tratados. Quem poderia interpretar o 'povo na história', e não a geração da 'grande desforra económica', não foi visto ainda no coração da Europa, nem sabemos se já nasceu.
Essa ausência deixa-nos à mercê dos actuais líderes, sem alma e sem verdadeira pátria. Eles são os ventríloquos dos tempos.
António Mesquita
"Já um sábio o disse: 'Ubi Veritasibi patria'. A pátria nao é o solo, é a ideia.Para que haja uma pátria portuguesa é preciso que exista uma ideia portuguesa, vínculo da coesão intelectual e da coesão moral que constituem a nacionalidade de um povo.
Sabem dizer-nos se viram para aí esta ideia?..."
"As Farpas" (Ramalho Ortigão e Eça de Queirós)
Se no último quartel do século XIX, esses dois grandes vultos das letras portuguesas indagavam pelo paradeiro da 'ideia', o certo é que quase século e meio depois estamos ainda longe de a avistar, mas também já ninguém a procura.
João Miguel Tavares escreveu há dias um interessante artigo sobre as saudades da pátria. Temo, porém, que não tenha sido o regime anterior, com a sua propaganda e a poluição da linguagem, quem mais contribuiu para que a própria palavra parecesse perder sentido.
Essa palavra não está somente envergonhada e sem poder exprimir-se fora dos jogos internacionais de futebol, dos festivais da canção ou da concentração dos peregrinos em Fátima (os famosos três 'efes' do tempo de Salazar). Foi vencida pela geografia virtual da globalização. A pátria que significado tem num 'call center'?
Por muito que custasse à dupla das 'Farpas', o que motiva a coesão intelectual e moral de um povo são os seus momentos de perigo e a celebração deles. Ora, o passado é cada vez mais digital, precário e manipulável. António Ferro era um principiante. Eisenstein, como propagandista, titubeava.
A massa dos 'media' já só celebra o 'momento'. O orgasmo comercial.
Eça e a 'ramalhal figura' acrescentam:
"A sociedade portuguesa neste derradeiro quarteirão do século pode em rigor definir-se do seguinte modo:—Ajuntamento fortuito de quatro milhoes d'egoísmos explorando-se mutuamente e aborrecendo-se em comum."
(Ibidem)
Alcino Silva
Desde há muito que a seita une na mesma solenidade, Pedro e Paulo, como se viessem do mesmo berço, passaram a ser as suas duas grandes colunas, esses pilares fundamentais onde repousam os mandamentos que nos amortalham. Pedro, pescador do Mondego foi escolhido por Angelus como pedra fundamental do bando e cabeça do corpo místico, representando aqui na terra a deusa do norte, depois de sucessivos estágios formativos em sessões de fingimento gestionário. Paulo, nascido na Pedreira, duma família séria, não pertenceu ao número daqueles que, desde o princípio, conviveram com o bando. Perseguidor do burro de Belém, converte-se aí pelo ano 94, a caminho de Braga após ter derrotado o rato mickey, tornando-se, desde então, apóstolo apaixonado da seita. Montado no burro que perseguiu, tornou-se seu apoiante quando este foi promovido a boizinho e passou a aquecer com o seu bafo os meninos na gruta da SLN, nas noites frias em que aguardavam a multiplicação do pasto.
Figuras muito diferentes pelo temperamento e pela cultura, viveram, contudo, sempre irmanados pela mesma fé e pelo mesmo amor ao bando. Pedro tem aquele ar ensimesmado, nessa fronteira entre o palerma e o atolambado. Caminha sem rumo, sem distância, sem regras. Na sua imbecilidade cismática é persistente, mas ainda o dia não nascera e já mentira três vezes. Os livros não falam, mas continuou a mentir, porque para ele a verdade é um sofisma. Paulo, é de outro nível, vogando entre o matreiro e o manhoso, estando em viagem entre a demagogia e a trafulhice, e como em toda a sua vida, também aqui chegou através de submersas águas. Porfiando na imitação do guardador de vacas e de sonhos, insiste em fazer lembrar o artista de circo que é apresentado com um longo rufo, enquanto a plateia de olhos presos no tecto da tenda ouve uma voz de fundo sublinhar o risco da habilidade. «Eu sei em quem creio», brada Paulo enquanto desenha linhas vermelhas curvilíneas, cuja ética se distingue pela impiedade com que se destaca a roubar os velhos para encher as tulhas desse 1% de crápulas que se tornaram mandadores sem lei através da violência exercida sobre os restantes 99%. Estes filhos do fascismo, vivem assemelhados na mesma crença e no mesmo amor às hostes que lhes pagam e subsidiam a vaidade e a falácia.
Pedro tornado oficial de diligências, trouxe consigo das longas paragens o mago Gaspar e quando as fantasias deste se esgotaram, com o apoio do bafo do boizinho que está em belém a aquecer o menino, socorreu-se da Maria, mas ainda esta não pousara e já se via que não era virgem, por si tinham passado apaixonadamente swaps e mais swaps. Segue agora de machete em punho, a ceifar, que este machete é impoluto, um pouco esquecido é certo, engana-se aqui e ali com esse entorpecimento dos tontos, mas age como todosos impostores que percorrem os salões dos palácios. Paulo na sua aleivosia, socorreu-se do rapaz das cervejas, soldado experiente e obediente, com essa capacidade de dizer palermices como só aos ignorantes é permitido.
Pedro e Paulo montaram um negócio no aparelho do Estado e transformaram-se numa espécie de zé do telhado do século vinte e um, roubando aos pobres para encher os ricos. Na luxúria da sua estupidez criminosa mergulharam o país na obscuridade sombria da miséria. Uma infame tríade sujeitou a lei a uma espécie de golpe de estado, sem militares e sem controlo e seguem vencedores por cima de todos os cadáveres que vão gerando.
Alguns escandalizaram-se com as palavras do banqueiro de que aguentaríamos o quanto fosse necessário, mas o banqueiro tem razão. Aguentamos 48 anos e certamente aguentaremos outros tantos. Alimento porém a esperança que ao fim dessas décadas quando a paciência se esgotar, os que então viverem, não venham a ter as mesmas dúvidas do passado, sobre se, devem internar esta canalha no Campo Pequeno ou se os mandam para a prisão, que optem antes por os enviar para uma ETAR, lhes dêem o melhor tratamento possível, como se dá aos produtos que ali entram e quando já não poluírem que os espalhem mar dentro. Talvez depois possamos viver num país decente.
Mário Faria
A rendição repousa sobre a impotência das instituições democráticas, em particular dos Estados-Nações, diante das forças do mercado que perdeu, nos tempos que correm, o seu estatuto de instituição humana para se afirmar como uma forma quase divina com decisões sem apelo.
O capitalismo, com a queda do muro, globalizou-se, definitivamente. Os países que outrora viveram sob a tutela da União Soviética e a China renderam-se às virtudes do mercado. Parecia tudo correr bem a caminho de uma sociedade que garantia uma casa ao alcance de todos, quando o crash provocado pelo subprime abalou o chamado mundo ocidental. Cá dentro, o PS pôs-se a jeito e paga a factura pela actual banca rota do nosso país, dado o brutal endividamento do estado, das empresas e das famílias. Por arrasto, qualquer narrativa abrangível no conceito de “estado social”, ainda que benévola e moderada, é para esquecer.
Este somatório de factos, sustenta a investida dos ditos mercados para o ajuste de contas. O crescimento e o consumo não constam do programa porque não é exequível, segundo a actual cartilha; assim tornou-se inevitável mudar de táctica que passa, por agora, pelo aumento de impostos, pela redução dos custos do factor trabalho, público e privado, e pelo assalto às pensões e reformas. As privatizações fazem parte do pacote. A saúde, a edução e os transportes serão os próximos alvos. O novo paradigma do sistema, no consenso alargado de quem decide e dita as regras, é atacar a constituição para acabar de vez com os estrangulamentos que impedem a nova ordem.
Dei por mim a tentar ser bom rapaz e, para o efeito, ponderei as causas e consequências do dito programa de ajustamento, lendo e ouvindo as mais diversificadas contribuições. Não recusei argumentos, embora alguns me causassem uma certa repulsa. Talvez a ideologia não ajude, mas custa perceber que o actual programa seja capaz de produzir os efeitos previstos, ou seja: a redução da dívida e do défice, a recuperação da economia,o fim de recessão, o regresso aos mercados e a plena soberania a partir de 2014, porque até agora a receita apenas agravou a doença. Se o programa insiste na receita, só que mais dura e inflexível,levar-nos-á a um programa cautelar salvífico ou por ele matar-se-á o paciente?
Matutei, avaliei as condições inscritas no plano orçamental e, no quadro de um vasto leque de dúvidas, apenas reconheci sinais inquietantes. A meu ver, identifico no cumprimento deste plano uma sanha perigosa, discriminatória e para aplicar apenas aos servos e a outros grupos destinatários do “… ai aguentam, aguentam …”. Como alguém escreveu, e cito de memória, “o vírus que se propaga é o vírus mutante do fascismo e os seus pilares são a tirania, o fanatismo, a arrogância, a ignorância, a indiferença e o medo”.