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01/11/11

A MENINA E O CANZARRÃO

Cristovão Sá Pimenta 






Já o conhece e prevê que, mesmo furtivamente, tente escapar colocar-se-á numa postura firme de recusa e rosnará assustadoramente. O que fazer e como fazer. Difícil  uma saída. Ainda mais com a pesada pata no seu ombro esquerdo.

A frialdade nos seus pés nus procura quebrar o círculo da ausência aparente. O seu pensamento voa. Não consegue ignorar a meiguice do bicho. Talvez por isso assim se mantêm e se manterá até ao momento em que ele esgotará a sua paciência. Nessa altura, descerá da cama, e ela sentirá nos seus pés o bafo quente do seu ofegar. Até um meigo lamber. E aconteceu.

Retoma a vida. Vai direita ao guarda-vestidos, escolhe roupa alegre e fresca para aguentar o calor tardio do estio. Já vestida e composta, sai do quarto e antes de se afastar de casa faz uma pequena caminhada com o seu amigo. E ele vai, correndo e saltando, acelerando e desacelerando como puto posto em liberdade. Contrai os esfíncteres e alça a perna, aqui e acolá, de novo partindo à desfilada, esgotando as energias. 

Mas ela tem de sair. Ele percebendo, olha-a e ladra. Espera que ela ternamente lhe afague o pêlo e lhe beije o focinho. E despede-se. Até logo Vítor e não me apertes mais quando eu regressar. Porque eu quero viver, continuar a acreditar que há um sentido para tudo e resplandecente. Não este discurso trágico com que inundam o dia-a-dia.

Como se não houvesse vida para além dos nossos pecados colectivos.



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