"Não há salvaguardas institucionais de último recurso para obrigar os poderes de emergência a respeitarem a constituição. Só a determinação do próprio povo em fazer que sejam usados assim pode assegurar tal coisa... Todos os modernos sistemas constitucionais quasi-totalitários, sejam eles a lei militar, o estado de sítio, ou os poderes constitucionais de emergência, falham em conformar-se a qualquer padrão exigente de efectivas limitações duma concentração temporária de poderes. Consequentemente, todos estes sistemas são passíveis de se transformarem em esquemas totalitários se as condições forem favoráveis para tal."
"Constitutional government and Democracy" (Carl Friedrich, citado por Giorgio Agamben)
O texto é de 1941 e tem em mente, sobretudo, os acontecimentos na Alemanha, com a tomada do poder, legalmente, por Adolf Hitler. Há, pelo menos, uma razão para não se poder fazer uma analogia com o que se passa, hoje, em Portugal, na Irlanda ou na Grécia, em que a soberania nacional foi limitada pelos credores, ao ponto de ter passado a existir, nesses países, uma "ocupação" estrangeira invisível, mas quase tão asfixiante.
A tese de Friedrich só não se verifica porque os "invasores" fazem parte de um quadro político supostamente solidário, que funciona como um seguro contra o risco de ganância desmesurada do capitalismo financeiro, ao abrigo do qual os credores podem esperar, como o Shylock do "Mercador de Veneza", a sua libra de carne, ao mesmo tempo que as vítimas ou se conformam com os "superiores interesses", interiorizando a teoria de que vivem ou viveram "acima das suas possibilidades", ou esbracejam contra o ar por falta de um "exército de ocupação".
Este é bem um sinal de como a realidade tem de ser entendida já ao nível da nossa tecnologia, com a velocidade dos nossos equipamentos electrónicos e a contracção geográfica virtual. O capitalismo de Marx e Engels tem hoje uma agilidade infinita e uma capacidade para se metamorfosear sem precedentes. Os novos abutres, graças à velocidade a que o sistema funciona, são ubíquos e nada escapa ao seu olho predador.
Podemos, depois de termos perdido a soberania, estar em vias de conhecer um novo tipo de anarquia, que é a do poder que não tem qualquer interesse racional no futuro.
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