Mário Martins
A Vicking Ship |
Interrompo a minha sucessão de textos sobre a religião por causa de um artigo de opinião de Vasco Pulido Valente (VPV) no Público de 27 de Agosto passado. Sob o título “A evidência”, VPV questiona: “E se tudo isto não for, no fundo, uma crise, mas for o colapso definitivo do que se chamou o Estado Social (…)?”, para, no fim, afirmar que “As sociedades da social-democracia, que um conjunto especial de circunstâncias por um momento permitiu, não voltam. Chegou a altura de perceber claramente esta evidência.”
Este artigo, pleno de aparência lógica e confiança interpretativa, trouxe-me, irresistivelmente, à lembrança o que se passou na viragem do século dezanove no campo da física. Havia, então, a convicção generalizada nos meios científicos, de que, praticamente, toda a física estava compreendida, restando apenas um ou outro fenómeno menor que, não encaixando embora nos modelos vigentes, não tardariam, por certo, a integrá-los. Digamos que também, então, havia uma evidência (a de que a física estava toda compreendida), embora houvesse uma anomalia (os fenómenos menores que não encaixavam nos modelos interpretativos). Sabe-se no que deu essa convicção, logo nos primeiros anos do século vinte: a abordagem da anomalia com o escrúpulo científico e a sagacidade de Einstein destruiu a evidência e revolucionou a física.
Qual será a anomalia na evidência de VPV? Os países nórdicos, concretamente, a Dinamarca e a Suécia, que fazem parte da União Europeia mas não do Euro, a Finlândia que integra a Zona Euro e a Noruega que nem sequer pertence à União Europeia. Os tais de que, geralmente, a televisão não fala, se não levarmos à conta a notícia do acontecimento trágico, mas extraordinário, do assassínio em massa levado a cabo pelo fundamentalista norueguês. Parece, com efeito, que os estados nórdicos não querem deixar de ser sociais e que, relativamente aos demais, continuam de boa saúde. Vejamos alguns índices, recolhidos no Eurostat:
Além destes índices, leio na Wikipédia que a Dinamarca “possui o mais alto nível de igualdade de riqueza do mundo” e que “de 2006 a 2008, pesquisas classificaram a Dinamarca como o lugar mais feliz do mundo, com base em normas de saúde, assistência social, e educação”; que a Finlândia “foi classificada na 1ª posição do Índice de Prosperidade Legatum de 2009, que é baseado no desempenho económico e na qualidade de vida”; que a Noruega “mantém o modelo social escandinavo baseado na saúde universal, no ensino superior subsidiado e em um regime abrangente de previdência social”, e que “foi classificada como o melhor país do mundo em desenvolvimento humano em todos os relatórios desde 2001” e ainda que, em 2009, “foi novamente classificada pela ONU como o melhor país do mundo para se viver”; que a Suécia “dispõe hoje de um extensivo programa de bem-estar social; além disso, serviços públicos como saúde e educação estão entre os mais elogiados do planeta”.
Ouvi o Professor Medina Carreira defender recentemente, na televisão, que Portugal, para sair do estado em que se encontra, necessita de atrair grande investimento de capital e que, para isso, precisamos de saber, em termos comparativos com outros países da Europa, o que forçosamente temos que melhorar nos campos da educação, justiça, fiscalidade, burocracia, etc., ou seja, aquilo a que se chama, no ambiente organizacional dos nossos dias, seguir as boas práticas.
Sem embargo, parece-me que se há modelo que deveria inspirar os portugueses neste momento de aflição esse é o da social-democracia escandinava. É mais que tempo de se estudar o inegável sucesso (que o petróleo e o gás natural da Noruega não podem, só por si, explicar) dos países nórdicos que, pelo visto, resistem à pressão financeira e aos ventos de desagregação social que assolam a Europa.
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