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01/10/11

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UMA ANOMALIA NA EVIDÊNCIA

Mário Martins

A Vicking Ship



Interrompo a minha sucessão de textos sobre a religião por causa de um artigo de opinião de Vasco Pulido Valente (VPV) no Público de 27 de Agosto passado. Sob o título “A evidência”, VPV questiona: “E se tudo isto não for, no fundo, uma crise, mas for o colapso definitivo do que se chamou o Estado Social (…)?”, para, no fim, afirmar que “As sociedades da social-democracia, que um conjunto especial de circunstâncias por um momento permitiu, não voltam. Chegou a altura de perceber claramente esta evidência.”

Este artigo, pleno de aparência lógica e confiança interpretativa, trouxe-me, irresistivelmente, à lembrança o que se passou na viragem do século dezanove no campo da física. Havia, então, a convicção generalizada nos meios científicos, de que, praticamente, toda a física estava compreendida, restando apenas um ou outro fenómeno menor que, não encaixando embora nos modelos vigentes, não tardariam, por certo, a integrá-los. Digamos que também, então, havia uma evidência (a de que a física estava toda compreendida), embora houvesse uma anomalia (os fenómenos menores que não encaixavam nos modelos interpretativos). Sabe-se no que deu essa convicção, logo nos primeiros anos do século vinte: a abordagem da anomalia com o escrúpulo científico e a sagacidade de Einstein destruiu a evidência e revolucionou a física.

Qual será a anomalia na evidência de VPV? Os países nórdicos, concretamente, a Dinamarca e a Suécia, que fazem parte da União Europeia mas não do Euro, a Finlândia que integra a Zona Euro e a Noruega que nem sequer pertence à União Europeia. Os tais de que, geralmente, a televisão não fala, se não levarmos à conta a notícia do acontecimento trágico, mas extraordinário, do assassínio em massa levado a cabo pelo fundamentalista norueguês. Parece, com efeito, que os estados nórdicos não querem deixar de ser sociais e que, relativamente aos demais, continuam de boa saúde. Vejamos alguns índices, recolhidos no Eurostat:


Além destes índices, leio na Wikipédia que a Dinamarca “possui o mais alto nível de igualdade de riqueza do mundo” e que “de 2006 a 2008, pesquisas classificaram a Dinamarca como o lugar mais feliz do mundo, com base em normas de saúde, assistência social, e educação”; que a Finlândia “foi classificada na 1ª posição do Índice de Prosperidade Legatum de 2009, que é baseado no desempenho económico e na qualidade de vida”; que a Noruega “mantém o modelo social escandinavo baseado na saúde universal, no ensino superior subsidiado e em um regime abrangente de previdência social”, e que “foi classificada como o melhor país do mundo em desenvolvimento humano em todos os relatórios desde 2001” e ainda que, em 2009, “foi novamente classificada pela ONU como o melhor país do mundo para se viver”; que a Suécia “dispõe hoje de um extensivo programa de bem-estar social; além disso, serviços públicos como saúde e educação estão entre os mais elogiados do planeta”.

Ouvi o Professor Medina Carreira defender recentemente, na televisão, que Portugal, para sair do estado em que se encontra, necessita de atrair grande investimento de capital e que, para isso, precisamos de saber, em termos comparativos com outros países da Europa, o que forçosamente temos que melhorar nos campos da educação, justiça, fiscalidade, burocracia, etc., ou seja, aquilo a que se chama, no ambiente organizacional dos nossos dias, seguir as boas práticas.

Sem embargo, parece-me que se há modelo que deveria inspirar os portugueses neste momento de aflição esse é o da social-democracia escandinava. É mais que tempo de se estudar o inegável sucesso (que o petróleo e o gás natural da Noruega não podem, só por si, explicar) dos países nórdicos que, pelo visto, resistem à pressão financeira e aos ventos de desagregação social que assolam a Europa.



CORRENTES DE PALAVRAS

 Alcino Silva

http://thelongtide.wordpress.com/


«falta futuro a quem tem no presente ambições passadas». “Para falar deste tema vou ter de falar do mar. Ele é a concretização de dois mundos. Tem o efémero, na renda de espuma que cada vaga cria, e tem ao mesmo tempo, no mar propriamente dito, a essência do tempo, aquele tempo que se converteu em problema e que nos problematiza.”

Eduardo Lourenço






Foi o vento rebelde batendo contra a proa e agigantando as ondas que impediu o desembarque marítimo nas areias das palavras, enquanto no céu gaivotas famintas gritavam na alegria do amanhecer o seu desgosto pelo mundo. Procuramos então porto seguro e, horas volvidas, aqui me encontro, no interior desta composição sob carris paralelos que vão de sul para norte, no alvoroço de tantas palavras procurando lugar. Por entre substantivos, interjeições, advérbios fui tentando encontrar um lugar para mim. Detive-me quando essa oportunidade surgiu. Sentei-me ao lado do pretérito imperfeito do conjuntivo do verbo amar, o qual conversava pausadamente com o substantivo amizade, acompanhados do advérbio sempre. Ali estava no tumulto das palavras de distintos destinos gramaticais soando como uma música suave invadindo o pensamento. Terei bloqueado o tempo e estacionado nesse longínquo pretérito onde tudo acaba perecido, perguntava-me à chegada enquanto caminhava abraçado à ideia da descoberta, a essa odisseia de encontrar o novo e o inesperado. É certo que no meu presente mantenho as ambições passadas, mas essas almejavam apenas encontrar-te, achar-te entre as maresias do futuro. Vivo o presente projectando-me nesse tempo onde te encontras, onde esvoaças por ente girassóis de pétalas abertas, como um universo de estrelas que não se apagam. O meu presente é como um remo que mergulha na água antecipando a chegada do barco onde viajo e a projecta para o passado, assim fazendo com que prossiga a busca do porvir, esse espaço onde residem os sorrisos que se foram acumulando em imagens de vida, construídas na fantasia das palavras. As ambições passadas foram edificadas de sonhos, de ideias, de vontades e estas só se encontram no tempo que haverá de chegar, pelo que ao procurá-los no presente estou a demandar o futuro. Deixaria de o ser se, na verdade chegasse a encontrar a utopia dos desejos, mas sobre o que alcançamos, logo desenhamos novos sonhos fazendo do futuro um presente em permanente construção. Assim, te vou procurando em cada uma das vezes que te invento e a cada momento que partes, de novo te procuro e assim levo este navegar de chegadas e partidas e o meu presente vai sendo feito de futuro porque se sustem de desejos passados. Os artesãos das palavras, sentam-se em sucessivas mesas e desdobram as suas frases, constroem os parágrafos exprimindo ideias e chegam a desenhar capítulos donde saem histórias e contos, romances de encantar. A delícia de os escutar passeia pela sala, vagueia ao longo dos dias e perco-me entre livros, afagando títulos, desfolhando páginas. Pressente-se o fim, a partida aparece sempre precedida de um grande encanto. Aos poucos sinto o momento da perda e a alegria parece descer em mim procurando o refúgio da alma. São passos lentos que me movem até à estação, pese embora viajar em mim o entusiasmo e o prazer daqueles dias inesquecíveis. Embarco e procuro lugar como se deambulasse. Os sons de todas aquelas palavras vivem em meu redor, mas já não escuto, estou isolado no interior desta campânula onde se encerra o pensamento à procura da memória. Talvez demande a lembrança do passado agora que me deixaram sem presente. Encontro um lugar. Apenas um adjectivo nele se senta, de nome, belo, mas no superlativo absoluto simples. Pouso o meu olhar sobre o seu como no tempo em que a beleza me visitava ao amanhecer e deixo-me ir, só acordando desse torpor contemplativo quando se ergue para sair. A noite já nos alcançou e dois lugares à frente, restam os dois últimos passageiros destas correntes, o verbo amar e o substantivo silêncio. Apenas um conversa e os sons que produz aparecem como um cântico suave e doce. Aproxima-se a última estação e em ritmo lento a composição pára e as portas abrem-se. Estamos os três. O verbo levanta-se e sai. Vejo-o caminhando no cais, por entre as pessoas que se apressam, como se procurasse alguém, um alguém que o estará esperando. As portas encerram-se de novo e o movimento recomeça, sereno. Após esta derradeira estação já não há destino. A música deixou de se ouvir, desapareceu a magia dos sons que nos embala nos momentos inesquecíveis do tempo. Não sinto nada para além do olhar do silêncio. Ainda pergunto, «viajas sempre só?» e tenho como resposta, «por vezes, adiante, entra um substantivo, chama-se solidão». O comboio acelerou e perdeu-se na noite.   

A DÍVIDA NA CONSTITUIÇÃO

António Mesquita



"A agência de 'rating' Moody's considerou hoje que a imposição de um limite constitucional ao défice, acordado pelos dois maiores partidos espanhóis, é positiva para o futuro de Espanha."

Madrid, 29 ago (Lusa) 



Já alguém pensou no que vale a promessa de alguém que jurasse a eterna solvência?

Agora, trata-se do Estado e não do indivíduo, e a questão só se agrava. Porque como pode alguém ter mais controle sobre o Estado, no futuro, do que sobre as suas próprias contas?

Isto quer significar simplesmente que damos a terceiros o poder de nos colocarem fora da lei. Não era precisa tanta subserviência nem tanta falta de senso para mostrar bom comportamento diante dos credores.

Mas parece que tudo isto não nos diz respeito ou é de somenos. Entramos naquela incredulidade que todos experimentamos diante dos números astronómicos. 

A sabedoria popular aconselha-nos a nunca dizermos "desta água não beberei": mas, como se sabe, o poder não é sábio e parece até que é um afrodisíaco...

Depois do "desvio colossal", nada deve surpreender-nos. A "rentrée" está ainda em plena "silly season".


MAS AS CRIANÇAS, SENHOR...

Manuel Joaquim




Hoje, não vou escrever sobre a cidade do Porto, sobre o Teatro de S. João, cuja fachada está com andaimes há três anos à espera de dinheiros; ou sobre o Mercado do Bolhão que está condenado a não ser recuperado nos tempos mais próximos, apesar de estar ameaçado de ruína; ou sobre a Praça do Duque da Ribeira, lugar excelente para o tráfego e consumo de droga, a qualquer hora do dia ou da noite, e para o armazenamento de dejectos humanos, por estar completamente abandonada pelas autoridades camarárias apesar de se encontrar naquela praça duas associações de países africanos; ou sobre o abandono e ruína de uma quantidade considerável de prédios, de arquitectura magnífica, nas Ruas de Santa Catarina, do Bonjardim, de Mouzinho da Silveira, do Almada, ou nas Musas e Fontinha para não referir a parte velha de Miragaia e Sé.

Hoje, não vou escrever sobre a Ilha da Madeira, sobre a magnífica actividade que tem a cidade do Funchal, sobre os modernos túneis que permitem ligar rapidamente com qualquer ponto da ilha, sobre a quantidade de heliportos instalados mas sem grande utilidade, sobre as magnificas instalações para a cultura e para artes em lugares sem população; sobre as praias construídas com areias importadas de Marrocos mas que o mar teima em comê-las; não vou falar dos excelentes vinhos da Madeira, destinados os melhores e mais caros aos turistas, especialmente russos, e destinados os excedentes, quase sempre, para as casas exportadoras de vinhos do Porto, do continente; não vou falar sobre a fraude eleitoral, agora revelada no Funchal, nas eleições presidenciais de 1980, entre Ramalho Eanes e Soares Carneiro, de fazer votar 300 a 400 abstencionistas por mesa de voto a favor de Soares Carneiro, fazendo com que Ramalho Eanes fosse derrotado em todas as mesas de voto; sobre o “perdão financeiro” do Governo do Partido Socialista, chefiado por António Guterres, na ordem dos 200 milhões de contos, para obter na Assembleia da República a aprovação do Orçamento do Estado; sobre o escândalo do buraco nas contas publicas apesar do Tribunal de Contas ter divulgado e enviado sempre os seus relatórios para todos os órgãos de soberania e partidos políticos; sobre a Ilha do Porto Santo que está a ser cheia de betão e descaracterizada, não faltando muito para que as principais praias passem a ser de utilização privada, podendo-se, no entanto,  transformar,  a médio prazo,  numa ilha fantasma, cheia de hotéis e de vivendas de luxo, mas vazia, durante nove meses de cada ano. 

Não vou escrever sobre a troika de fora e sobre a troika de dentro porque as pessoas estão a ser cada vez mais confrontadas com a realidade, sentem-se ludibriadas, sentem cada vez mais a sua respiração, a falta de ar saudável, o esvaimento do seu sangue que é transferido por alguém e para alguém, e que os problemas não se resolvem, só se agravam; sobre as dificuldades crescentes dos bancos descontarem na hora cheques de valor cada vez mais baixo. 

Mas como algumas das medidas visam directa e indirectamente as crianças - aumento dos produtos alimentares, dificuldades crescentes na assistência médica e medicamentosa, aumento do preço dos transportes, desemprego, baixos salários, encerramento de milhares de escolas, degradação das condições escolares (educação física e desporto, artes, musica, deficientes, psicólogos e apoio escolar) é bom lembrar a Convenção sobre os Direitos da Criança, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989, assinada por quase todos os seus estados-membros e garante que as legislações nacionais respeitem os 54 artigos desta Convenção.

Artigo 5º - Os Governos devem respeitar os direitos e responsabilidades das famílias para aconselharem e orientarem os seus filhos para que, à medida que crescem, aprendam a usar os seus direitos adequadamente.

Artigo 8º - Os Governos devem respeitar o direito das crianças a terem um nome, nacionalidade e laços familiares.

Artigo 9º - As crianças não devem ser separadas dos seus pais, excepto se for para o seu próprio bem.

Artigo 13º - As crianças têm direito a receber e partilhar informações, desde que não seja prejudicial para e para os outros.

Artigo 19º - Os Governos devem garantir que as crianças são tratadas adequadamente. Devem protegê-las contra todas as formas de violência, abusos e abandonos pelos seus pais ou tutores legais.

Artigo 28º - Todas as crianças e jovens têm direito a uma educação primária gratuita.

Artigo 31º - Todas as crianças têm direito a repousar, brincar e participar num vasto conjunto de actividades.

Artigo 32º Os Governos devem proteger as crianças de trabalhos perigosos ou que possam prejudicar a sua saúde e educação.
(www. Unicef.org/crc)



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