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01/06/11

NOTÍCIA DE OUTROS TEMPOS

Manuel Joaquim 


Uma mão amiga ofereceu-me um exemplar do primeiro Boletim da L’Urbaine, referente ao 1º trimestre de 1964.

É uma pequena brochura, de tamanho A5, constituída por 14 páginas, com capa azul, com a reprodução do símbolo da L’Urbaine ao centro, secundado por “Boletim da L’Urbaine”, com um rodapé, em cor branca, com a identificação do número e do período a que respeita, que acima referi. Não tem ficha técnica, não identifica o proprietário nem os redactores. Alguns artigos têm a identificação dos seus autores, outros não.

O Boletim tem dois artigos que chamaram a minha atenção. O primeiro, o editorial, se assim se pode chamar, faz a apresentação e a justificação do nascimento do boletim. É assinado por René Cornemillot, que naquele tempo era o Director Geral da L’Urbaine em Portugal. A justificação para o aparecimento do boletim é o facto de “quando uma família aumenta é cada dia mais difícil manter-se o contacto entre os seus membros numerosos e dispersos. Era pois necessário criar um elo…”. Termina com “votos pela prosperidade do “Boletim” e para que os seus leitores encontrem sempre nas suas linhas o eco da nossa grande alegria: a alegria de trabalharmos todos unidos para a obra de engrandecimento da Companhia que aceitámos servir”. 

Recordo-me de, em 1974, pela voz de Fernando Barbosa de Oliveira, Presidente do Sindicato de Seguros, ouvir falar deste homem, como Director Geral da UAP em Portugal (UAP que sucedeu à L’Urbaine). Existia um conflito laboral naquela empresa, resultante da forma como eram classificados trabalhadores da área comercial. Depois de troca de diversa correspondência, foi marcada uma reunião entre a Direcção do Sindicato e René Cornemillot. A reunião realizou-se na Sede do Sindicato, no Porto, e teve resultados bastante positivos. Tive a oportunidade de o conhecer nesse dia. A deslocação à sede do Sindicato, do representante máximo em Portugal de uma companhia de seguros internacional, teve e tem significado, em todos os sentidos, e foi registado. 

Mais tarde, encontrei René Cornemillot como Administrador da Aliança UAP, aquando do processo de fusão da Aliança Seguradora, Garantia e UAP. 

O segundo artigo que chamou a minha atenção, é assinado por X.C., enquadra uma fotografia das novas instalações da L’Urbaine, na Praça Marquês de Pombal, em Lisboa. Pelo seu interesse, permito-me transcrever:
No velho sítio do Andaluz, em chãos de quintas sem história, projectou-se por 1880 uma grande rotunda, mas, como o local era afastado e a frequência perigosa, a urbanização levou anos a fazer. Por isso em 1898, quando da Feira do Centenário da Índia (de que nos resta uma pitoresca litografia que a nossa vizinha «B.P.» aproveitou com felicidade para o seu mural) existiam no vasto círculo apenas dois prédios: o que faz ângulo para o que seria a Rua Braamcamp (T.A.P.) e, do outro lado, a uma teórica esquina da futura Fontes Pereira de Melo, no meio dum jardim, o palacete do Conde de Sabrosa, naquele estilo novo-rico do último quartel do século XIX, meio renascença francesa, meio ridotto italiano, onde vivia em 1910 o Dr. Miguel Bombarda e de onde saiu o seu funeral. À ilharga da inexistente Duque de Loulé, ficava o anexo destinado às cocheiras, ostentando na fachada uma lápide comemorativa de aí se haver instalado o hospital de sangue quando da proclamação da República. É exactamente nessa esquina que se ergue hoje a grandiosa mole do edifício da L’URBAINE.

Quando ao subir as escadas do metropolitano se vê crescer aquela enorme bisarma com os seus 7 andares cheios de elevadores, monta-cargas e telefones, tão proficientemente funcional que até faz aflição, todos os veteranos, todos os que têm mais de 20 ou 25 anos de casa, devem, como eu, sentirem enevoar-se-lhe os olhos ao pensar no longo tempo decorrido, uma vida inteira gasta em trabalho quotidiano, e naqueles que ficaram pelo caminho. E quantas vezes me surpreendo a pensar na L’URBAINE de outrora!... Nas salinhas acanhadas da Rua do Comércio; no alargamento progressivo das instalações da Rua Augusta e, mais ainda, com ternura e saudade, em nomes e rostos desaparecidos, tenham sido eles figuras de proa ou humildes colaboradores…..Todos ajudaram a construir esta URBAINE que conhecemos agora! Ergue-se, repito, a materialização desta nova URBAINE; mas, quando a contemplo, não é a montanha de mármore, ferro e vidro que eu admiro: é a lembrança dos que, dando todo o seu esforço para que se levantasse, a não chegaram a ver, dos que nos transmitiram o exemplo a seguir… E, dentre eles, recordo principalmente o Homem que foi a pedra sobre que ela se edificou: o Sr. Pereira Sampaio, «verte vieillesse» impecável, impulsionador principal desta «Mãe dos seguros de vida…» e que foi muito justamente evocado pelo Sr. Montel aquando da inauguração…..”

O Boletim nasce em consequência do aumento do número de trabalhadores, necessário para responder ao crescimento contínuo da empresa, evidenciado no culminar com as novas instalações no Marquês de Pombal.
Tal como aconteceu com a UAP, tantas outras empresas de seguros, durante tantos anos, desenvolveram as suas actividades, cresceram, criaram postos de trabalho, criaram riqueza, investiram no património, eram reconhecidas pelas suas competências e pela idoneidade.

Hoje, o que vemos?

Vemos dezenas de imóveis, onde funcionaram empresas de seguros, particularmente nas cidades de Lisboa e Porto, simplesmente abandonados, alguns em estado de completa degradação, contribuindo para a desertificação dos centros urbanos. Vemos a diminuição drástica do número de trabalhadores nas empresas de seguros. Vemos a desvalorização das condições de trabalho. Vemos a subalternização e desrespeito dos Sindicatos pelas entidades patronais. Nada disto pode ser justificado pelos processos de fusão que aconteceram entretanto. Com os processos de fusão que resultaram das nacionalizações efectuadas em 1975, os postos de trabalho foram respeitados, os trabalhadores foram valorizados. 

Em resultado da política governamental, novos processos de fusão de seguradoras vão acontecer. E a orientação vai no mesmo sentido. Mais abandono do património, mais extinção de postos de trabalho, mais trabalho precário.

Será que as empresas de seguros estão, hoje, realmente a criar riqueza para Portugal?



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