Manuel Joaquim
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Faz este mês de Março 8 anos que os EUA mais a Inglaterra iniciaram o bombardeamento do Iraque e a sua ocupação em nome da luta contra o terrorismo e as armas de destruição em massa, sem que nenhuma resolução da ONU tenha sido tomada nesse sentido.
Mais tarde, verificou-se que todos os argumentos justificativos para a intervenção militar eram falsos. As verdadeiras justificações estavam nos interesses económicos e financeiros, particularmente no controlo do petróleo. Na altura, muita gente, ingenuamente, não acreditava que fossem estes os objectivos. Para isso, contribuiu uma poderosa máquina de propaganda a favor da guerra, eficientemente montada, que teve como instrumentos praticamente todos os jornais, rádios e televisões, quer nacionais quer internacionais. Hoje, é claro que a guerra teve como objectivo o domínio daquele país e o controlo das suas riquezas, designadamente do petróleo. É o colonialismo puro e duro, em prática há centenas de anos. No Iraque, o neocolonialismo já não satisfazia.
No passado dia 26 de Março corrente, realizou-se na Associação 25 de Abril, em Lisboa, a 3ª Audiência Portuguesa do Tribunal Mundial sobre o Iraque, onde foi feito, perante os jurados presentes – magistrados, juristas, advogados, professores, jornalistas, arquitectos, economistas, deputados, etc. - Um depoimento, por uma cidadã iraquiana, Haifa Zangana, nascida em 1950 em Bagdad, escritora, artista e activista política iraquiana, prisioneira política no regime de Saddam Husseim, sobre “A situação das mulheres e das crianças no Iraque ocupado.”
Através desse depoimento escrito verifica-se que foi nomeado pelos ocupantes um ministério de Direitos Humanos em 3 de Setembro de 2003 mas que nunca teve qualquer acção credível na defesa dos direitos humanos, mesmo durante operações militares que eram acompanhadas por prisões em massa em todo o país.
Após as “eleições” de 2005, foi criada uma comissão para os Direitos Humanos no parlamento iraquiano. O vice-presidente dessa comissão foi assassinado depois de ter acusado os ministros do Interior e da Defesa de violações brutais dos direitos humanos nos centros de detenção sob as suas alçadas.
Houve um ministério para os Assuntos das Mulheres mas nunca passou de uma fachada de loja de interesses da própria ministra.
Estas e outras instituições nunca agiram no sentido de pôr fim à tortura que é praticada com a maior impunidade pelas forças de segurança e de defesa, apesar de os responsáveis e torturadores serem conhecidos pela opinião pública.
No quadro do actual processo político, onde se verifica um domínio cada vez mais acentuado da política confessional, que não existia no Iraque, com violentas lutas entre milícias dos diversos partidos políticos, muitos deles desligados da população, onde cada ministério tem as suas forças de segurança desligadas das forças de segurança nacionais, com o primeiro-ministro a ter forças especiais de segurança que respondem apenas a ele, com uma força ocupante de mais de 50.000 militares dos EUA, não contando com os militares ocupantes de outros países, e mais de 65.000 membros das milícias armadas e dos grupos de segurança privados, isto é, mercenários ao serviço das forças de ocupação, todos imunes às leis iraquianas, a situação dos direitos humanos é absolutamente catastrófica.
A corrupção assentou arraiais em todo o aparelho de estado, com os senhores da guerra a comandar todas as operações. O actual ministro das finanças é um exemplo dessa situação.
As mulheres iraquianas, antes da ocupação militar, tinham alcançado um elevado nível de educação, estavam em todas as áreas da vida profissional, destacavam-se na vida social do país. Eram das mais emancipadas da região. Com a guerra iniciada em 2003 pelos EUA, Inglaterra e outros, as mulheres iraquianas estão cada vez mais relegadas, lutam pela sobrevivência face à destruição e às políticas feudais e sectárias impostas em nome da religião pela classe política instalada no poder desde o início da guerra.
O Iraque era conhecido por ter tido um dos mais avançados regimes de direito da família da região, desenvolvido ao longo dos últimos 50 anos. O novo poder tentou em 2004 a introdução de uma versão deformada e sectária da lei islâmica Sharia. Não conseguiu. Mas a realidade política presente onde a lei é a espingarda, o direito civil iraquiano não é respeitado.
Passou a existir uma situação nova no Iraque, importada de outros países da região, que é o Mut’ah. É o casamento temporário, com intervenção de religiosos, que pode ter a duração de …horas. É uma forma de legalizar a prostituição e de alguma entidade receber emolumentos para os seus cofres.
Outra situação em desenvolvimento é a poligamia, estimulada por autoridades e pelo partido islâmico, que oferece dinheiro, de forma a responder ao número crescente de mulheres viúvas e solteiras. De acordo com o Comité Internacional da Cruz Vermelha, estima-se que em todo o Iraque se encontrem um milhão de mulheres nessa situação.
As mulheres e as crianças são as primeiras vítimas da guerra e encontram-se em situações cada vez mais vulneráveis. Mulheres e crianças são muitas vezes presas em virtude de homens da família serem considerados suspeitos pelas forças de segurança. São sujeitas a actos humilhantes que calcam todos os direitos humanos. Estas situações são sistematicamente denunciadas pela UNICEF, pela Human Rights Watch e pela Amnistia Internacional mas sem qualquer resultado.
A morte de centenas de milhares de civis, homens, mulheres e crianças, a privação de direitos básicos, a ruptura do sistema de educação, crianças deficientes sem qualquer apoio, os sistemas de saúde, da água e de saneamento destruídos, as habitações destruídas, as minas disseminadas pelas terras, milhões de pessoas deslocadas das suas terras, são consequências de decisões de mentes dementes de muitos senhores que nos entram diariamente em nossas casas através de terríveis instrumentos bélicos que nós próprios pagamos e que deformam as nossas mentes, sem darmos por isso. A guerra foi-nos transmitida em directo pelas TVs. Agora, informações sobre o Iraque deixaram praticamente de aparecer. As que aparecem são oriundas dos ocupantes. É preciso esconder a realidade.
Neste momento, está em curso a aplicação de processo idêntico noutro país. Os motivos são os mesmos, as consequências serão igualmente trágicas.
Será que se vai manter por muito mais tempo o quadro político que tem permitido semelhantes situações?
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