António Mesquita
A morte de Arquimedes |
“E de tudo os espelhos são a invenção mais impura.”
Herberto Helder (“A colher na boca”)
Pensando bem, vivemos rodeados de espelhos. Não aqueles com que Arquimedes queimou a frota romana em Siracusa. Mas espelhos invisíveis que nos protegem do terrível estranho.
A começar pelo céu, com as suas luzes a que demos nomes, buracos negros e o “Big Bang” que nos devolvem a mais vasta imagem de nós mesmos que é possível, imagem imprecisa, mas que vamos “conquistando” ao desconhecido. O céu das cidades está muito mais abaixo e o calor humano aquece-nos como numa estufa.
Não podemos designar o absolutamente estranho, porque ao baptizá-lo com um nome, ele passa a fazer parte do nosso mundo. Não podemos escapar à linguagem, nem à lógica.
Mas por que é que o poeta fala em impureza a propósito dos espelhos?
Certamente que não é o mito de Narciso que mostra essa impureza. A espécie humana é activa e não se enamorou da sua própria imagem. É outra coisa, da ordem da ilusão (os hindus chamam-lhe véu de Maya). Os espelhos são impuros porque não se vêem e, no entanto, ocultam-nos a realidade, impedindo o nosso olhar de atravessá-los como um vidro transparente.
Em vez disso, vemo-nos a nós mesmos, como num espelho.
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