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01/04/10

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CORRENTES...

Alcino Silva


Continuo a ver com uma clareza imensa, com essa clareza dos momentos que não se esquecem, essa manhã em que me perguntaram se já conhecia aquele encontro, das letras e das palavras e dos homens que as manejam. Senti-me nessas ocasiões em que me imobilizam toda a armada dos meus sonhos e titubeei no que fui dizendo, que sim que já tinha escutado algo sobre esse acontecimento, que já tinha até procurado informação, mas que não me tinha apercebido da grandeza desse encontro anual. Desarmado, sem caminhos por onde fugir, sem encontrar aquelas palavras que possam transbordar os nossos sentimentos, olhei, nessa tentativa de agradecimento, de mostrar o quanto me sentia reconhecido, mas como tantas vezes acontece, naufraguei no interior desse incêndio que é sempre ateado pela beleza daqueles cujos gestos nos cativam a alma. Nessa manhã, cujo tempo que fazia já não lembro, pois o sol apenas brilhava nesse espaço, descobri que o mar vivia no interior dos olhos que projectam sonhos e que todos os rios da vida desaguavam ali. Nas minhas mãos estimei aquelas folhas, aquelas páginas que li como de um livro sagrado se tratasse, bebi cada uma daquelas palavras como se de uma sede milenar padecesse. Cantei-as nas manhãs em que acordava com vontade de conquistar o mundo e espalhei-as como sementes pelas montanhas que me abraçam. No ano seguinte, não faltei e gravei na memória como quem cinzela a mármore azul do céu, esses instantes da descoberta e quando as palavras se soltaram em viagem, em pulos de alegria entre as estrelas que compõem desenhos constelados pelo universo, apareceu-me sempre um sorriso, imenso, e cuja intensidade reduzia a nada as luzes todas da terra. Escritas e escritores, histórias de mundos e de lugares, vivências e contos e cada um consegue alcançar um patamar do novo que deslumbra o seu semelhante. A magia, flutua pela plateia e nos sorrisos cúmplices, nos rostos felizes que escutam, perde-se a fronteira do real e da ficção, do encanto e da beleza e mergulhamos sem pensar nessas florestas que deslumbram os olhos e enterram em nós essa vontade de marear pelos recantos do sonho. Este ano voltei. Desembarquei num dia de inverno, por sobre as ondas alterosas mas com essa segurança de quem sabe que não poderá ser derrotado. Uma campainha tocou o silêncio e uma nave serena rolou pista fora e quando o ruído intenso dos motores atroou os ares, ergueu a proa e direccionou-se para o céu. A viagem começara e as palavras andavam à solta sobre nós. Uns, uniam-nas, outros separavam-nas, outros ainda espalhavam-nas como nenúfares, como flores de um jardim em que os canteiros são estrofes de poemas. O tempo pára naquelas horas, naqueles dias em que a fantasia toma conta da vontade dos homens e esboça esperanças de alegria, sobre o leito de rios, que hão-de desbravar caminhos até mares nunca dantes navegados. Por mim, viajo de nau em nau, de canoa em canoa, escuto contos, vidas vividas, percursos de instantes ocorridos em tempos que não estive, sinto experiências, embrulho sacos de linho carregados de letras, de aqui e de ali, de países extremos, de aldeias sem nome, de cidades rodeadas de muralhas. No meu lugar, sinto essa azáfama dos mercados onde os homens fazem trocas, da vida e das coisas. Olho em redor e pressinto o sonho a vencer memórias, a ocupar espaços, a ganhar terrenos, a conquistar a vontade dos seres humanos que como eu desejam ir além do infinito. Mas alguém acelerou o tempo e aqueles dias galopam em tropel pela vida. Compro hoje e amanhã, abasteço-me de produtos para o ano inteiro, tento encontrar os mestres que me ensinem a percorrer os lugares encantados, tento aprender o rudimento da escrita, procuro essa pena que faça esboços de fantasia com a vida dos homens e quando ainda vou longe do fim da minha procura, tudo termina, e sinto o esvaziamento da perda, a chegada desse vazio que nos entristece. Os sons da noite tornam-se normais e um zunido estranho ocupa-nos a cabeça. Ainda prolongamos o cântico da flauta que nos encantou que nos assombrou o mundo do sonho, mas fujo, antes que as sombras do medo assaltem a minha nave de ilusões e por entre a realidade das luzes, deste vento que sopra sem descanso, entre o ruído da maldade dos homens que não escrevem que não sabem da beleza das palavras, surge de novo o sorriso, um rosto que supera o das letras e dos livros e onde vive o mar onde haverei de deixar a nau da minha viagem. O último tema, disse-nos que cada palavra é um universo e a verdade escreve-se assim com universos, mas para mim, que persigo o infinito, cada palavra é a imagem que desenhei, entres as letras e a beleza das palavras, pelo que o universo por onde caminho também é esse que nasce na pureza dos olhares que procuro e se exprime em gotas de alegria que se espalham como perfume pelas manhãs do tempo. Agora aqui estou, junto á praia para te dizer até breve, um até logo, como sempre digo às palavras que comigo viajam e as que vou recolhendo em cada porto. Não é uma despedida, pois nunca nos despedimos das pessoas e das coisas que amamos. O galeão das minhas quimeras está ao largo. O batel que me há-de levar encontra-se no areal. Durante quatro dias, carreguei, noite e dia até conseguir encher todo o bojo que a coberta esconde. Livros e histórias, literatura, as ficções que a vida nos inspira, as frases que nos movem o pensamento e as ideias que nos projectam os sonhos e numa arca que carreguei às escondidas da noite, as palavras que nos ensinam a amar. Se olhares para o imenso velame, verás também que não é composto de pano de linho mas antes desse pano que tecem os poemas para que o vento quando soprar projecte a poesia para os confins da vida e encha de todo as acções dos homens e nos auxiliem a encantar as mulheres que nos olhos trazem toda a beleza do mar. Agora, despeço-me. Não, não é um adeus, nem uma partida, antes um até já, um até logo. Peço-te ainda um abraço. Deixa que a minha alma sinta o calor do teu corpo e quando o meu rosto sentir a pele do teu, se deres conta que uma lágrima rebelde se soltou, saberás que não é de água, mas antes e apenas uma palavra que te deixo.


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O IMPÉRIO DA RESSACA

Mário Faria

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Num contexto de profunda crise do capitalismo global e do seu programa de financeirização e de mercantilização de toda a vida humana, assiste-se a um enfraquecimento da democracia em função da sensível falta de correspondência entre a representação política e as clivagens sociais.
A Europa que parecia poder funcionar como uma defesa dos países menos ricos que fazem parte da UE, em situações de emergência como acontece na presente crise, mostrou a sua falta de coesão. Manda quem pode, obedece quem precisa.
A Europa vive sobressaltada pelo fantasma do Pacto de Estabilidade, qual camisa de forças que neutraliza todo e qualquer esforço de revitalização económica. O (re) equilíbrio das contas públicas tem prioridade máxima, sob os auspícios de Merkel e das empresas de rating. A economia definhará em quase todo o espaço europeu, a olhos vistos nos mercados em maior dificuldade : as empresas despedirão e reduzirão custos até ao limite e as pessoas contarão os tostões, sob a ameaça de desemprego.
Uma política orçamental de regresso ao equilíbrio, que o Euro exige para se manter forte e moeda de referência, produzirá danos colaterais, incluindo no plano das finanças públicas, porque destruirá mais receitas fiscais do que reduzirá as despesas.
A actual geração de economistas, de direita ou da esquerda convertida, já ditaram a sentença. Há que apertar o cinto, até doer. Sabem ler os números , mas esquecem frequentemente que isso é um meio e não um fim. Apesar do reconhecimento da asfixia política em função da ditadura económica, não basta a um putativo candidato à PR dizer frases deste teor, em pré-campanha. Tem de se exigir mais.
Não há espaço para a revolução e o espaço de intervenção é reduzido. Aliás, o Manuel deve sabê-lo bem, pois alegremente apoiou as políticas do FMI para salvar Portugal da ruína e da deriva colectivista animada pela sanha das nacionalizações, quando foi companheiro do amigo Mário Soares.
Pois é : depois da ressaca vem sempre mais ressaca. Estamos a viver no império da ressaca, a caminho da pobreza e da rendição total. Porém, quando todos reduzem a crise do país à "natureza malévola de Sócrates", algo vai mal no reino, porque o problema está a montante. E tem a ver com o regime e com a incapacidade de regular o sistema capitalista que pouco muda e raramente se transforma. Acompanha os avanços tecnológicos, muda de cosméticos e, se for necessário, sujeita-se a algumas operações para melhorar a imagem. Made in USA, surge a ideia de abandonar o termo "capitalismo" enquanto definidor do sistema dominante, substituindo-o por "sociedade de livre empreendorismo". Redundante, mas lindo!
A esquerda resiste. E esse mérito não lhe pode ser retirado, pois há muitos homens e mulheres que dão o melhor de si em defesa duma sociedade mais justa. Reconhecendo a enorme dificuldade de agir no actual quadro político, sinto que há barulho a mais, ideias a menos e acordos com a direita oportunistas que me deixam à beira de um ataque de nervos. São os efeitos da ressaca.

O JUÍZO DO ESPECTADOR

António Mesquita

"Mandarias muito bem sozinho numa terra que fosse deserta."

(réplica de Hémon a Creonte, na "Antígona" de Sófocles, citado por Antony O'Hear in "Os Grandes Livros")


Creonte é o rei de Tebas que condenou Antígona à morte, por esta ter desafiado a proibição de sepultar Polinices, o irmão, acusado de ser um inimigo do Estado. "Aquele que a cidade elegeu, força é que o escutem em questões de muita ou de pouca monta, nas justas como nas contrárias." É esta declaração que suscita a resposta de seu filho, Hémon, noivo de Antígona.

Creonte pensa (e bem) que o poder deve ser obedecido para salvação de todos, mas a irmã de Polinices invoca uma outra lei e uma outra salvação, a da "santidade da família e da piedade primitiva". O' Hear diz: "ao nível a que operam, a resolução do conflito é impossível. Tal resolução – ou seja, em termos hegelianos, a síntese – só será possível através da congregação do público e do privado, que ultrapassa a consciência de qualquer dos protagonistas da peça; mas a assistência pode aceder a um estado superior da consciência que lhe permite compreender que a tese e a antítese são ambas limitadas."

Como diria Niklas Luhmann, o conflito resulta da situação se colocar, no espaço público, entre dois subsistemas, o político e o religioso, sem que um possa subsumir o outro. O desaparecimento do sagrado nas nossas sociedades não exclui esse confronto entre o poder e o religioso (mesmo sob a forma duma convicção pessoal, como acontece, por exemplo, com a chamada "objecção de consciência").

Nesse, como noutros casos, tal como em Sófocles, podemos reconhecer a "razão das partes" sem que uma instância superior que corresponda ao juízo do espectador se apresente.

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NOTÍCIAS DO ÉTER

Mário Martins


Enquanto o popular PSD, esse partido único da cena política portuguesa, nos servia um espectacular congresso televisivo, em mais um emocionante episódio da telenovela sem fim, plena de traições e intriga, da luta pelo poder naquele que é o menos ideológico dos grandes partidos portugueses, nos céus de Mafra orbitava, vigilante, a nave-telescópio Kepler, lançada pela Nasa em 6 de Março de 2009.

Como referi no meu artigo "Um pontinho azul" de Dezembro passado (Periscópio nº. 29), o objectivo é o de nos próximos 3 a 5 anos identificar planetas parecidos com o nosso e com uma orbita similar à volta de estrelas semelhantes ao Sol.

Nesse mesmo artigo informava, erradamente, que já se haviam descoberto 208 exoplanetas (planetas que orbitam em torno de uma estrela fora do nosso sistema solar). Na verdade, como se pode verificar em PlanetQuest *, ascende já a 430 (sem contar com os chamados "pulsares") o número de exoplanetas até agora descoberto, orbitando 363 estrelas.

Desses 430 exoplanetas, 5 foram recentemente descobertos pela Kepler, a orbitarem estrelas solares, mas, à semelhança de todos os outros, sem as características propícias à vida do nosso planeta. A Nasa classifica-os como "Júpiteres quentes".

Por tipo de planeta foram identificados, desde 1995 até agora, 271 "Gigantes de gás", 89 "Júpiteres quentes" e 70 "Outros".

Durante a sua missão, a Kepler estará continuamente a observar o comportamento de mais de 100.000 estrelas (mais precisamente, a variação regular e periódica da luz emitida por estes sóis, potencialmente provocada pelo trânsito ou passagem de planetas nas suas órbitas) numa zona da Via Láctea compreendida entre as constelações do Cisne e da Lira, a uma distância variável entre 600 e 3.000 anos-luz.

Seguramente que a nave-telescópio (como, aliás, era o caso do célebre astrónomo alemão dos séculos XVI e XVII que dá o nome à missão), tem uma visão muito superior à dos políticos que correm para a presidência do PSD (no momento em que escrevo ainda não se realizou a eleição), devido não só às extraordinárias características técnicas do aparelho, mas também à nota de medíocre atribuída aos candidatos pela generalidade do enxame de comentadores e analistas.

Noutra constelação, como se fossem exoplanetas, estão o PC e o BE, cada um com os seus 6% de intenções de voto, de acordo com uma sondagem recente, surpreendentemente abaixo, respectivamente, dos 7,9% e 9,8% obtidos nas eleições legislativas de há 6 meses, apesar do milhão de votos que então somaram, representar menos de 20% da população activa. Mas nada disto parece influenciar a linha de rumo dos mais ideológicos partidos parlamentares.

Neste panorama, não admira que, desta vez, a sondagem não menospreze o CDS-PP (PP de Paulo Portas…), mantendo-o firme no patamar dos 10%, e que destaque, na frente, o partido do governo, apesar das dificuldades e das suspeitas e de 64% dos inquiridos considerar mau ou muito mau o governo de José Sócrates. Candeia que vai à frente…

* http://planetquest.jpl.nasa.gov/atlas/atlas_index.cfm

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