"Mandarias muito bem sozinho numa terra que fosse deserta."
(réplica de Hémon a Creonte, na "Antígona" de Sófocles, citado por Antony O'Hear in "Os Grandes Livros")
Creonte é o rei de Tebas que condenou Antígona à morte, por esta ter desafiado a proibição de sepultar Polinices, o irmão, acusado de ser um inimigo do Estado. "Aquele que a cidade elegeu, força é que o escutem em questões de muita ou de pouca monta, nas justas como nas contrárias." É esta declaração que suscita a resposta de seu filho, Hémon, noivo de Antígona.
Creonte pensa (e bem) que o poder deve ser obedecido para salvação de todos, mas a irmã de Polinices invoca uma outra lei e uma outra salvação, a da "santidade da família e da piedade primitiva". O' Hear diz: "ao nível a que operam, a resolução do conflito é impossível. Tal resolução – ou seja, em termos hegelianos, a síntese – só será possível através da congregação do público e do privado, que ultrapassa a consciência de qualquer dos protagonistas da peça; mas a assistência pode aceder a um estado superior da consciência que lhe permite compreender que a tese e a antítese são ambas limitadas."
Como diria Niklas Luhmann, o conflito resulta da situação se colocar, no espaço público, entre dois subsistemas, o político e o religioso, sem que um possa subsumir o outro. O desaparecimento do sagrado nas nossas sociedades não exclui esse confronto entre o poder e o religioso (mesmo sob a forma duma convicção pessoal, como acontece, por exemplo, com a chamada "objecção de consciência").
Nesse, como noutros casos, tal como em Sófocles, podemos reconhecer a "razão das partes" sem que uma instância superior que corresponda ao juízo do espectador se apresente.
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