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01/09/09

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OS CÂNTICOS NEGROS

Alcino Silva


Gosto muito da tua pequena cidade. Tem história, ruas estreitas e aquelas pedras seculares que guardam a passagem dos Homens pelo tempo, e o rio, lento apesar da proximidade do mar, com os seus estaleiros marginais onde juntavam madeira trabalhada que projectavam na imensidade do oceano na procura da aventura, do novo, da descoberta, e ainda aquele soberbo mosteiro, altaneiro sobre a margem direita, dominador do espaço e dos povos envolventes. Apesar desse fascínio não parei, segui para norte na peugada dos teus passos e por aí me instalei. Também tu o fazias nas manhãs certas da tua permanência. Tinhas mesa reservada naquele Café tão emblemático. Protegido pela coluna, escrevias e deleitavas o olhar pelo horizonte oceânico na procura de inspiração que te ajudasse a construir as palavras que tinhas para nos legar. Esse espaço acabou depois de teres partido e nos teres deixado neste vazio. Agora já não nos trazem café, é antes um espaço de cultura, bem, diria mais, de leitura. Mas reservaram-te a mesa. Mantêm-na como se, todos os dias, chegasses e prosseguisses o teu labor. Têm lá o teu nome e a tua fotografia e deixaram a chávena do café para que não se atrevam a ocupar o teu lugar. Afinal, quem o poderia fazer? Bem, outro dia, fizeram-no. Um desses leitores de Verão. Sentou-se e queria deslocar a tua chávena de café, o tolo. Sento-me por ali, próximo, para poder conversar contigo, trocar ideias com os teus poemas. Deitei-lhe um olhar severo, mas não reagiu, manteve-se sentado com o seu jornal desportivo aberto. É certamente um desses muito democratas que andam por aí, e votam, democraticamente como é natural e legítimo, e assim tudo vai ficando como dever ser. No teu tempo não haviam democratas destes, nem dos outros, sim desses que te venho falar, mas fica entre nós, como todos estes diálogos que aqui temos no intervalo da minha leitura e da tua escrita. Sabes que vivo com o teu "Cântico Negro", já to disse. Ajuda-me a encontrar caminhos, sobretudo quando tropeço na estrada com seráficos democratas que me sorriem ao mesmo tempo que me dizem, "com olhos doces,/estendendo-me os braços, e seguros/de que seria bom se eu os ouvisse/quando me dizem: "vem por aqui"!" Pedi-te conselho uma vez, recordas? E olhamos o mundo, de ontem, de hoje e, sobretudo, o de amanhã, o que desejamos, e sabemos que chegará, pese embora, os caminhos escuros e as agruras das esquinas, pelo que não os contesto, olho-os "com olhos lassos", "cruzo os braços", e simplesmente "nunca vou por ali…". Não compreendem que arrastados para os seus medos, os seus fantasmas nocturnos, perdidos nas suas teorias estreitas deixaram de perceber os contornos das grandes avenidas do futuro, só vislumbram atalhos estreitos e rendem-se ao conforto de um banco acolchoado de jardim. Ao longe, acenam-me, dolentes, na preguiça de prosseguir uma caminhada com percurso de estafeta. Chamam-me, escondem a voz entre a concha das mãos e dizem-me "vem por aqui". Sorrio pela sua insistência e digo-lhes que o meu tempo é continuar. "Prefiro escorregar nos becos lamacentos, /redemoinhar aos ventos,/como farrapos, arrastar os pés sangrentos,/a ir por aí…". Suspenderam a viagem da vida, confortam-se uns aos outros nessa imobilidade temporal e crêem que a História parou com a sua própria vontade, cegos e surdos a um movimento que prossegue na procura do novo e do desconhecido. Insistem em cada dia no seu chamamento sedutor, repetindo para consolo próprio, "vem por aqui"! Só lhes posso responder com as tuas palavras, pois tal como tu, também a mim só "Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém" E digo-lhes "Ide! tendes estradas,/tendes jardins, tendes canteiros,/tendes pátrias, tendes tectos,/ e tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios./Eu tenho a minha loucura!", os meus sonhos, se quiserdes as minhas utopias, minhas e da Humanidade que me projecta que me agarra nesse ancestral sonho de liberdade, de justiça, de dignidade e vós acenais-me a ficar parado na dolência da servidão que se aloja no pensamento dos homens derrotados nas suas ideias. Mas não, não é possível. Em vós corre "sangue velho dos avós,/e vós amais o que é fácil!" Por mim, "amo o Longe e a Miragem,/amo os abismos, as torrentes, os desertos…". Ah, meu poeta, meu escritor de Deus e dos Homens, lembro-me de ti quando me acenam e resisto, brinco com a proposta e lembro-me do outro poeta, transmontano, "a honra era lutar" e creio que pretendem de mim essa desonra de me acolher aos salões aquecidos dos ladrões. Ouço-os naquela calma de quem sabe que tem tempo de chegar e conhece o destino do seu voo e, repito-lhes as palavras de Galileo, Galilei ditas pelo poeta, outro:


"E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo

tal qual conforme suas eminências desejavam,

e dirias que o Sol era quadrado e a lua pentagonal

e que os astros bailavam e entoavam

à meia-noite louvores à harmonia universal"

É o que lhes vou contando para conforto das suas almas democraticamente perdidas, mas na verdade aos seus repetidos apelos escutam de mim apenas essas palavras que dizem "A minha vida é um vendaval que se soltou/É uma onda que se alevantou/É um átomo a mais que se animou…" e "sei que não vou por aí".


O CÓDIGO EX MACHINA

António Mesquita


Até que ponto poderia, numa sociedade em que o trabalho faz parte dum determinado sistema de produção, uma lei como o "Código do Trabalho" ser feita pelos trabalhadores ou pelos amigos dos trabalhadores?

Poderia sê-lo, independentemente da lógica económica e tendo apenas em conta conceitos como os direitos e a dignidade do trabalhador? A tese materialista diz-nos que isso não pode ser, pois são as condições materiais que sustentam a "super-estrutura" jurídica e moral.

Então o que temos é a relação de forças e qualquer coisa como a luta de classes, mesmo se as classes já não são as de Marx. E se há um equilíbrio, as leis podem ser mais ou menos "justas" (isto é, necessárias). No caso contrário, é, de facto, a lei do mais forte. Com a agravante de quem deveria representar o papel de árbitro não saber que força aplicar e em que ponto (se for bem intencionado).

Por isso, quando se diz que o Código de Trabalho é contra os trabalhadores, isso reflecte, por um lado, o sentimento duma relação de forças desfavorável e, por outro, o desejo de ignorar que frequentemente, e em última análise, se deveria culpar a organização do trabalho e a lei económica. Mas tais exorcismos fazem parte, no entanto, da retórica própria da "luta de classes".

2. O grande amortecedor desta sociedade conflitual é, de facto, a ideologia consumista, em que as forças que se confrontam no mundo da produção se descaracterizam e mais ou menos se conciliam.

O consumo é para a nossa versão do capitalismo o que era a religião para os autores do Manifesto: o ópio do povo. Mas agora não é no céu que as injustiças e as desigualdades se reparam, mas no acesso geral às compensações do mercado de bens materiais. Já nada separa as classes (elas deixaram de ser, como na zoologia, de espécies diferentes), porque todos podem, em princípio, ter o gadget desejado, como na democracia americana qualquer americano pode aspirar a ser presidente. O símbolo desta osmose anti-política é o telemóvel. Nunca no passado, um objecto se tornou assim um passe-partout entre estatutos sociais. Independentemente das diferenças de gama que, naturalmente, reflectem o poder económico, a posse, tão generalizada, desta tecnologia é como a afirmação dum novo "processo histórico" e duma democracia virtual que antecipa a superação da democracia real.

Mas o que a sociedade de consumo faz, a economia política desfaz.

As teorias da suspeita e da irredutibilidade dos conflitos podem em certos momentos compensar os trabalhadores ao conferir-lhes maior poder negocial ou poder tout court. Outros momentos há em que podem romper os equilíbrios necessários e virar-se contra os próprios trabalhadores.

Como ninguém sabe quando é que é oportuno ser irredutível, o que se passa é que este é um mecanismo cego e tanto se pode esperar dele um bom como um mau resultado.

Neste caso, parece que a única justiça é, como diziam os Antigos, a da "medida justa".

Nesta aferição, os ideólogos tendem a querer ser justos para além da medida.

PERGUNTAS DA DIREITA

Mário Martins

http://raulmarinhog.files.wordpress.com/2009/03/subsidio_pyme.jpg


Habilmente, de mansinho, um partido clássico de direita vem atirando para o palco eleitoral do costume umas quantas pitadas de sal, na forma de perguntas de agrado popular garantido. Um dos cartazes pergunta se "é justo dar rendimento mínimo a quem não quer trabalhar". Ignoremos a aparência demagógica e populista e a resposta óbvia para nos determos na questão séria que a pergunta oculta. A questão é a de ponderar se é correcto e justo a sociedade, representada pelo estado, atribuir prestações sociais regulares, tais como "rendimento mínimo" ou "subsídio de desemprego", como se salários fossem, a pessoas na idade activa, sem contrapartida de serviços à comunidade. A questão assume especial pertinência relativamente aos jovens sem emprego. Será saudável atribuir-lhes rendimentos ou subsídios regulares a troco de preguiça e desresponsabilização social? Não será possível antes, embora complexo e trabalhoso, organizar a prestação de serviços à comunidade, criteriosamente remunerada? Reconheço que a organização não é fácil mas para que servem a política profissional e os políticos a tempo inteiro?

À pergunta da direita respondo com perguntas decerto importunas neste quente final de Agosto. E o que responde a esquerda?


TOBIN E OS RICOS

Mário Faria

James Tobin



O homem jamais cogitou que essa taxa, exclusivamente financeira e devendo ser aplicada em bases nacionais, devesse ter como objectivo o propósito de "combater a fome no mundo". Não havia nenhum objectivo fiscal, ou de colecta de recursos para fins de desenvolvimento, ou de ajuda a países pobres.

Foram os movimentos anti-globalizadores que "sequestraram" a ideia de James Tobin, para os seus próprios fins. Aliás, James sempre desautorizou essa leviana interpretação de "tirar aos ricos para dar aos pobres" que essa gentinha pretendia : confundiram Tobin com Robin. Bando de ignorantes !

Definitivamente, não são os ricos que devem pagar a crise. Passo a explicar:

  • Os ricos não são ricos por acaso : merecem ;
  • Os ricos têm obrigação de preservar os seus bens e aumentá-los pois é a riqueza que gera mais riqueza ;
  • Os ricos é que criam os postos de trabalho ;
  • Os ricos são o orgulho da nação : são homens de sucesso como o CR9 ;
  • Não são os ricos que têm de mais, os pobres é que têm de menos ;
  • O que falta a Portugal não é o regresso à tralha ideológica e a essa estupidez marxista da luta de classes. O que faz falta é animar a malta que cria riqueza e anima o desenvolvimento social ;
  • A Portugal falta ambição e sonhar alto, porque o homem sonha e a riqueza nasce ;
  • Com as reformas da D. Manuela, a sua tenacidade, firmeza e o apoio incondicional do Sr. Silva, viveremos décadas de prosperidade e formaremos milhares de Belmiros, que criarão as condições para que os portugueses tenham a qualidade de vida que merecem ;
  • Em Portugal deixará de haver pobres ; apenas ricos e favorecidos ;
  • Haverá imigrantes pobres para que os portugueses possam dedicar-se ao exercício da caridade.

Por isso, e a bem da nação, insisto : não devemos pactuar com discursos populistas e medidas que visem ir aos bolsos dos nossos ricos empreendedores. Pelo contrário, entendo que deve baixar-se os impostos, exclusivamente os que recaem sobre os lucros das empresas. Essas mais valias geram riqueza, a riqueza atrai investimento, o investimento cria postos de trabalho, o desemprego diminui, a segurança social passa a colectar mais, as famílias a consumir melhor e fica assim refeito o ciclo que leva ao progresso. É fácil. Os Madoff, Rendeiros & Cia, são pequenos percalços de percurso que não beliscam nem um milímetro a superioridade do sistema e a supremacia da ética capitalista.

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