Até que ponto poderia, numa sociedade em que o trabalho faz parte dum determinado sistema de produção, uma lei como o "Código do Trabalho" ser feita pelos trabalhadores ou pelos amigos dos trabalhadores?
Poderia sê-lo, independentemente da lógica económica e tendo apenas em conta conceitos como os direitos e a dignidade do trabalhador? A tese materialista diz-nos que isso não pode ser, pois são as condições materiais que sustentam a "super-estrutura" jurídica e moral.
Então o que temos é a relação de forças e qualquer coisa como a luta de classes, mesmo se as classes já não são as de Marx. E se há um equilíbrio, as leis podem ser mais ou menos "justas" (isto é, necessárias). No caso contrário, é, de facto, a lei do mais forte. Com a agravante de quem deveria representar o papel de árbitro não saber que força aplicar e em que ponto (se for bem intencionado).
Por isso, quando se diz que o Código de Trabalho é contra os trabalhadores, isso reflecte, por um lado, o sentimento duma relação de forças desfavorável e, por outro, o desejo de ignorar que frequentemente, e em última análise, se deveria culpar a organização do trabalho e a lei económica. Mas tais exorcismos fazem parte, no entanto, da retórica própria da "luta de classes".
2. O grande amortecedor desta sociedade conflitual é, de facto, a ideologia consumista, em que as forças que se confrontam no mundo da produção se descaracterizam e mais ou menos se conciliam.
O consumo é para a nossa versão do capitalismo o que era a religião para os autores do Manifesto: o ópio do povo. Mas agora não é no céu que as injustiças e as desigualdades se reparam, mas no acesso geral às compensações do mercado de bens materiais. Já nada separa as classes (elas deixaram de ser, como na zoologia, de espécies diferentes), porque todos podem, em princípio, ter o gadget desejado, como na democracia americana qualquer americano pode aspirar a ser presidente. O símbolo desta osmose anti-política é o telemóvel. Nunca no passado, um objecto se tornou assim um passe-partout entre estatutos sociais. Independentemente das diferenças de gama que, naturalmente, reflectem o poder económico, a posse, tão generalizada, desta tecnologia é como a afirmação dum novo "processo histórico" e duma democracia virtual que antecipa a superação da democracia real.
Mas o que a sociedade de consumo faz, a economia política desfaz.
As teorias da suspeita e da irredutibilidade dos conflitos podem em certos momentos compensar os trabalhadores ao conferir-lhes maior poder negocial ou poder tout court. Outros momentos há em que podem romper os equilíbrios necessários e virar-se contra os próprios trabalhadores.
Como ninguém sabe quando é que é oportuno ser irredutível, o que se passa é que este é um mecanismo cego e tanto se pode esperar dele um bom como um mau resultado.
Neste caso, parece que a única justiça é, como diziam os Antigos, a da "medida justa".
Nesta aferição, os ideólogos tendem a querer ser justos para além da medida.
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