StatCounter

View My Stats

04/09/08

OS ESPAÇOS, O TERRITÓRIO, A PAISAGEM

Alcino Silva

http://i.pbase.com/o6/21/4921/1/31291934.qNAIDSG5.Minho006.jpg

De longe a longe, ou num documentário, ou numa abordagem sobre projectos de arquitectura lá me aparecem explicações onde se diz que a ideia foi abrir a pedra ao sol, o espaço à luz, dar maior amplidão ao local, criar uma sensação de vastidão. Em complemento aparecem várias figuras, doutas naturalmente, que dizem que sim, que sim senhor, parece-lhes bem e outras, doutas também, dizem que não, que não faz sentido, o local ficou desfigurado, sem graça, sem cor, sem vida, parece um deserto. Entretanto, aqui e ali vão emendando a mão e colocando umas árvores, mas a avenida dos aliados nunca mais foi a mesma.
Por mim, vou olhando, vendo e escutando e tento pensar se é verdade que aquelas pedras precisavam mesmo de tanta luz, daquela torreira de sol que nos dias quentes nos abrasam. Desse território que vem do Minho até ao Douro sempre o conheci verde, daquele verde que transporta vivacidade e brilha quando a luz estelar o tenta penetrar e forma as copas das árvores altas que em dimensão considerável nos permitem aquela frescura retemperadora nos dias de calor vivo. Ao lado destas cores, sim destas, pois este verde tem tonalidades que nos chegam a embriagar quando no Outono se transformam em diversos castanhos, convive aquele cinzento acastanhado do granito que embeleza as fragas, dá grandeza às montanhas e abriga em vales profundos, aqui e ali extensos, as pessoas, essas gentes que trabalham a terra, apascentam o gado e por ali cresceram e viveram. Outras tonalidades, não conheceram, em redor de si. Nas suas aldeias ou nas partes mais vetustas das cidades, entre ruas estreitas, vielas íngremes, lá encontramos aquela pedra dura, resistente, fria e acolhedora que nas noites gélidas nos esconde dos ventos que sopram do norte como navalhas a cortar o ar e nos dias cálidos se torna o nosso refúgio daquele estival tempo que em ondas nos parece afogar. Olhamos o horizonte e encontramos esta paisagem, esta mistura inconfundível que o sol quando surge lhe transmite uma tonalidade única. Como abdicarmos dessa luz da primavera que incendeia a nossa esperança na partida do duro e áspero Inverno e na chegada dos dias longos onde mesmo de braços abertos não conseguimos alcançar as pontas do dia? Será imaginável escutarmos o som dolente dos sinos escondidos nos exíguos campanários de igrejas e capelas se nos abrirem as ruas, apagarem os jardins e derrubarem as árvores para que o sol chegue aberto, rasgado e intenso? A magia destes toques, dos ruídos campestres teria o mesmo encanto nas planícies do sul em horizontes sem limites e expostos à impiedade permanente da luz provinda do céu? Por outro lado, só posso imaginar o território para lá do Tejo como um espaço aberto, amplo, de luz fulgurante, enérgica, sem limites, com uma intensidade que nos faz reter os olhos em terra. É uma luz cujo brilho queima e as gentes procuram os pátios interiores para se deleitarem naquele tempo de chamas de luz viva e mesmo as quelhas, as azinhagas, vêem aquela luminosidade entrar, aquecer, abrir horizontes. Escutar o sino nas tardes desse calor que nos amacia não terá nunca a fantasia que sentimos a norte, entre o Minho e o Douro, na terra verde e fértil regada pelas águas. Na planície se olharmos, quando de Almada atravessamos esse rio largo e rebelde, o que sentimos é um outro som a descer a colina em frente, guardada pelas muralhas medievais, o que escutamos é esse canto matutino que nos chama e apela à presença no espaço da oração, de antigas preces dos que expulsos foram, e aquela voz projectada ao vento, não podia progredir, nas ruas estreitas da cidade do Douro, nestas vielas, entre este granito. Aquele cântico necessita de luz, de abertura, de vastidão, enquanto a norte só ganha forças no interior granítico dos mosteiros ao abrigo da rocha dura das montanhas. Não fechem o canto do al-muedim, nem abram ao vento o toque dos campanários. Não derrubem este verde, nem apertem os espaços abertos do sul. Deixem-nos com os nossos jardins, as nossas árvores, o nosso território curto, abrigado, fechado. Deixem-nos abraçados a este cinzento granítico a esta beleza de cores que o sol enriquece em colorida harmonia e não encerrem os espaços infinitos para lá do Tejo onde a luz solar se espreguiça em labaredas de calor imenso. Não nos levem para o mediterrâneo, nem tragam o mar interior até nós. A natureza segue as suas próprias leis, escolhe os espaços e desenha-se no interior dos mesmos. Alterar o rumo nunca conduziu a bom porto.

2 comentários:

Anónimo disse...

Talvez por descuido da minha parte, pois às vezes embaraço-me com esta tecnologia, o comentário que enviei, relacionado com este texto, foi parar à «CRÓNICA DE UM APITO DESAFINADO». Pelo facto apresento pedido de desculpas.
Sérgio O. Sá

Anónimo disse...

Na sequência do meu primeiro comentário que, por descuido,não dirigi para onde desejava, e do pedido de desculpas que aqui já apresentei, deixo agora um soneto, elaborado em momento de revolta por sentir a decadência em que a Terra se encontra.
Com o meu obrigado ao Caríssimo Alcino Silva pela beleza da paisagem que encima o seu texto, pelo sentido sub-liminar que o envolve e pelas "imagens" que as suas palavras nos oferecem.

PROFECIA

Ouvi os passarinhos - madrugada!
E vi o Sol brilhar sua frescura.
Bendisse os céus, vi a terra abençoada,
A Natureza-Mãe, a Vida pura.

Mas o tempo correu, foi-se o encanto,
E a ilusão também não quis ficar.
Os pássaros perderam o seu canto.
Já nem a luz do Sol pode brilhar.

Os roncos de motor lugar tomaram.
Só fumos de alergia nos bafejam.
Os olhos que tivemos já secaram.

Faíscas de neutrões já relampejam.
E os homens, que a Vida tão mal trataram,
Terão o fim que a si mesmos destinaram.

1978, IN. Sérgio O.Sá, DISPERSOS NO TEMPO. (Poema musicado)

View My Stats