“(A) religiosidade (do sábio) consiste em admirar-se, em extasiar-se perante a harmonia das leis da natureza revelando uma inteligência de tal modo superior que, perante ela, todos os pensamentos humanos e todo o seu engenho apenas revelam o seu nada irrisório.” 1
Albert Einstein
- Por que razão os efeitos e as causas não poderiam constituir uma série sem fim a retroceder no tempo e a prolongar-se no futuro? - pergunta o filósofo;
- Bem, não está fora de cena a hipótese de uma natureza eterna… - responde o físico teórico.
Se fosse eterna, isso significaria que a natureza ou a realidade física teria as propriedades próprias do conceito de Deus, e que, portanto, seria possuidora da inteligência superior revelada nas suas leis, que tanto maravilhou Einstein. Ocorreu-me, em tempos, que Deus poderia ser o processo, ou seja, o modo como as coisas, todas as coisas, animadas ou não, existem. É o que, à sua maneira, diz Carl Sagan: “O termo (Deus) significa muitas coisas diferentes em muitas religiões diferentes. Para alguns, é um homem encorpado e de pele clara com longas barbas brancas, sentado num trono algures no céu, gizando atarefadamente a queda de cada pardal. Para outros - Baruch, por exemplo, Spinoza ou Albert Einstein - Deus é essencialmente a soma total das leis da física que descrevem o universo. Não posso conceber alguém a negar a existência das leis da natureza, mas não sei de nenhuma prova consistente da existência do velhote no céu.” 2
EM CONCLUSÃO:
1. No seu excelente livro “O Dedo de Galileu” 3, o Professor Peter Atkins faz, numa nota de rodapé, uma afirmação incomum no meio científico: “Se o universo de facto emergiu de absolutamente nada, é de presumir que chegue uma fase em que tenhamos de examinar como pode algo vir de absolutamente nada, ex nihilo. Um dia, os cientistas terão de estudar absolutamente nada”. Na mesma linha, Richard Dawkins considera que a hipótese da existência ou não existência de Deus é uma questão científica, mas eu considerá-la-ia, antes, uma questão filosófica, racional, como tal inteiramente aberta aos dados científicos.
2. À semelhança do que se passa com a interpretação actual dos fenómenos do mundo sub-atómico, em que vigora o princípio da incerteza, esta questão, por o seu objecto não ser tangível, só pode ter, racionalmente, uma abordagem em termos de probabilidade.
3. Os elementos que aduzi anteriormente sobre o conhecimento actual do universo/multiverso, permitem concluir que ou é finito (começou e acabará) ou é eterno (sempre existiu e existirá).
4. Dawkins defende uma visão alternativa, ateísta, à de admitir uma inteligência superior aos seres humanos e sobrenatural, mas eu destacaria, em primeiro lugar, a evidência de que a natureza transcende os seres humanos e, quanto ao sobrenatural, afirmaria o seguinte:
. Se o universo/multiverso for finito, a sua existência supõe um acto divino criador, sobrenatural, porque efectuado fora dele ou fora da realidade. Se for finito é preciso o sobrenatural para o explicar; ou seja, Finito ≠ Deus;
. Mas a hipótese, cientificamente em aberto, de o universo ser eterno (na forma uni ou multi), é não só estranha (uma natureza eterna quando tudo, nela, é causal e finito…), como tem grandes consequências racionais, a primeira das quais é a dispensa de um Deus separado das coisas. Se for eterno, o sobrenatural é ele próprio 4; ou seja, Eterno = Deus.
5. O ateísmo parece-me muito mais uma doutrina de combate à função político/social das grandes religiões, do que uma visão racional consistente sobre a hipótese Deus, que reclama ser.
6. Uma natureza eterna, isto é, uma natureza autocriadora é, objectivamente, uma hipótese equivalente à de um Deus dela separado. Se a física teórica viesse um dia demonstrar a hipótese de a natureza ser eterna, então Deus seria ela própria, a Mãe Natureza, o que implicaria, pelo menos na nossa língua, que Deus mudaria de sexo…
1 “Como eu vejo o mundo”, citação in “Sciences et Avenir” - Dez2003.
2 Excertos de uma entrevista conduzida por Edward Wakin - 1981
In “Conversas com Carl Sagan”; Organização de Tom Head; Edições Quasi - 2007.
3 Editado pela Gradiva em 2007.
4 A física teórica, em geral, e a mecânica quântica, em particular, não têm feito outra coisa, aliás, do que descobrir propriedades do mundo sub-atómico que são típicas do que habitualmente concebemos como sobrenatural…
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