01/04/08
BATALHA ESTRATÉGICA
Há quem diga que se acabou de instalar na Europa o primeiro estado da Nato. O presidente da República tem-se manifestado e alertado a opinião pública e os restantes órgãos de soberania sobre os riscos do seu reconhecimento político. E quando fala de riscos, obviamente que fala de riscos para Portugal e para o mundo. Riscos políticos, sem dúvida, mas também dos riscos que estão associados e que são de ordem económico-financeira, material e patrimonial, de saúde e de vidas, pois Portugal faz parte da Nato e tem soldados no local. A Periscópio, em número anterior, publicou um texto sobre o Kosovo que vale a pena ler. Desde o fim da 2ª guerra mundial, pode-se dizer, a Europa esteve em paz. Agora a Jugoslávia foi destruída à bomba para nos seus bocados serem instaladas estrategicamente bases militares com determinados objectivos. A opinião pública mundial foi preparada pela opinião publicada dos grandes interesses em presença. Para não reagir a essa acção. Por enquanto, a situação encontra-se em lume brando. Mas será que naquele local se aproxima algo de muito importante, estratégico, que venha a alterar o rumo dos acontecimentos na Europa?
Há acontecimentos históricos que, de facto, alteram o rumo da História, apesar da generalidade das pessoas não lhe darem tal importância pelas mais variadas razões. Quando se fala da 2ª guerra mundial e das suas batalhas, não se dá grande importância à batalha de Kursk, quando, estrategicamente, foi da mais alta importância para a derrota dos exércitos nazis e para o fim da guerra passado algum tempo. Para a derrota dos franceses no Vietname e o fim da ocupação foi a batalha de Dien Bien Phu.
Na guerra de Angola, que nos diz particularmente respeito, tanto pela nossa intervenção como pela ingerência de muitos interesses de portugueses, na guerra colonial, no processo de independência, na guerra civil e na intervenção estrangeira, deu-se uma guerra, que fez 20 anos, no passado dia 23 de Março, que foi determinante para alterar o rumo dos acontecimentos na África e no mundo e que a opinião publica desconhece porque a opinião publicada nunca lhe deu qualquer interesse. A batalha de Cuito Cuanavale que teve a intervenção dos exércitos de Angola, de Cuba e do movimento armado da Swapo, da Namíbia, dum lado, e do exército da África do Sul, da Unita e dos EUA, do outro, determinou o fim do regime racista da África do Sul, a independência da Namíbia, o fim da guerra civil em Angola e alterações significativas em muitos países da região. O material de guerra utilizado nesta batalha foi incomparavelmente superior ao utilizado na batalha de Estalinegrado. Esta batalha nunca tinha sido comemorada até agora. Foi comemorada este mês por iniciativa das autoridades angolanas com altas representações de todos os interveninentes. A opinião pública nada sabe porque a opinião publicada praticamente nada disse.
As guerras no Iraque e no Afganistão, depois dos anos que já passaram desde o seu início, continua em lume forte, apesar de ser cada vez mais escassa a informação. Mas as preocupações cada vez maiores manifestadas pelos governantes dos países responsáveis, entre os quais se encontram portugueses, que não podem diluir as suas responsabilidades políticas e pessoais, devem merecer a nossa atenção. Há poucos dias, na Assembleia da República, foi votada uma proposta contra a guerra no Iraque. Vale a pena ver quais foram os grupos parlamentares que votaram favoravelmente a proposta. Até agora, não aconteceu nenhuma batalha que possa ser considerada estratégica, apesar da intensidade actual da guerra. Entretanto, é cada vez mais visível que estas guerras estão a derreter os EUA e a causar a crise financeira, económica e social em que se encontram os EUA, os seus apaniguados e o mundo. Um Prémio Nobel da economia, americano, que foi alto dirigente do Banco Mundial e do governo dos EUA e recentemente consultor na área de economia de Zapatero, escreveu que a crise actual deve-se à guerra do Iraque.
Será que a batalha estratégica que vai levar à inevitável fuga dos americanos e dos seus aliados, incluindo os portugueses, deixando pelo caminho milhares de mortos, estropiados e feridos e à derrota do imperialismo, vai dar-se quando estiverem exangues ou vai dar-se em resultado de outros acontecimentos? Essa batalha será só estratégica para a derrota do imperialismo na guerra ou será estratégica para a derrota do imperialismo na região?
Em 2006, Israel iniciou uma guerra contra forças políticas do Líbano, lideradas pelo Partido Hezbulá, da qual saiu militarmente derrotado, conforme é confirmado pelas suas próprias entidades oficiais. Acontecimento que surpreendeu muita gente pela capacidade evidenciada por aquelas forças libanesas. No passado mês de Fevereiro, governantes dos EUA percorreram vários países do médio oriente e pronunciaram-se sobre a situação no Líbano a pretexto de não conseguir eleger novo governo, naturalmente da confiança dos EUA e de Israel. Em 12 de Fevereiro passado, Israel assassina o segundo dirigente do Hezbulá em território da Síria. Entretanto, nas costas marítimas do Líbano são fundeados grandes navios de guerra dos EUA. A população do Líbano prepara-se para a guerra. Israel prepara a população para a guerra. Acabou nestes dias o luto de 40 dias pela morte do dirigente assassinado. Há quem tema que os militares e dirigentes israelitas pretendem desforrar-se da derrota militar de 2006. Será que também ali se desenvolvem acções que levem a uma batalha estratégica com consequências controladas ?
As guerras são a expressão última da luta de classes que podem ter expressão mundial. Mas as suas consequências são desastrosas, directa e indirectamente, para milhões e milhões de pessoas durante dezenas e dezenas de anos e por várias gerações.
Tudo isto vem a propósito de meditar na vida de alguns amigos que frequentaram comigo a escola primária e que indirectamente foram vítimas da 2ª guerra mundial apesar de Portugal, formalmente, não ter participado.
DEUS, ELOHIM E A CIENTOLOGIA
Nasci. Fui baptizado. Fiz a comunhão solene. Recebi o crisma. Casei pela Igreja. Baptizei os meus filhos. Depois de 25 de Abril, na condição de independente e intelectual de esquerda, assumi, primeiro, que era católico não praticante, depois agnóstico e mais tarde ateu. Deitado no leito do hospital, o medo fez-me rever a minha posição e voltei à situação de católico não praticante. Foi, assim, que me apresentei ao capelão quando me foi perguntar se “estava melhorzinho”, e se “era crente”.
Passado o “mau tempo”, voltei a vestir a minha condição de agnóstico, que é uma espécie de abstenção sobre o posicionamento pessoal, relativamente a Deus. Com o fim das ideologias, da luta de classes e um certo vazio que em mim se instalou, quando “normalizei”, resolvi virar-me para as artes, mas não resolvi o meu problema. O tédio, o stress, o comodismo, a inércia e a ameaça de novas maleitas, fez-me compreender que tinha de mudar o meu modo de vida, e que para firmar essa mudança, teria que rever a minha postura e o meu relacionamento com Deus. Como as doutrinas que conhecia não me deixavam grande saída, tratei de procurar um credo mais afim com o meu perfil. A religião que me propunha seguir tinha que ser moderna, ter futuro e ser compatível com as minhas vastas exigências espirituais.
No périplo que fiz à procura de encontrar a religião e o Deus certos, resolvi fazer uma derradeira tentativa junto de uma Igreja convencional, muito pela pressão de um vizinho meu que sofria de dores musculares intensas, de origem desconhecida. Esgotada a via dos fármacos, o homem resolveu aderir à IURD. O acompanhamento espiritual, os retiros, a oração, a fé e algumas massagens duma fisioterapeuta irmã da Igreja, acabou de vez com o seu sofrimento. Contrariado, aceitei o desafio. Ouvi alguns sermões, vi muitos programas da Record, mas conclui que era demasiado dirigido à classe média baixa, logo, pouco recomendável a alguém com o meu estatuto intelectual e social. Além disso, e mais importante, não cumpria nenhum dos pressupostos, que previamente tinha erigido como condições básicas para me tornar um crente sincero. Recusei, dizendo-lhe dramaticamente : “sou um homem sem fé, não vale a pena teimar.”
Não parei. Continuei a busca, de forma cada vez mais obsessiva. Stop. Finalmente, tinha sido “apanhado” pelos eloimitas (Michel Houellebecq : A possibilidade de uma Ilha) que veneravam os Eloim, criaturas extraterrestres responsáveis pela criação da humanidade. Para eles, tudo assentava num erro da transcrição no Génesis : o Criador, Eloim, não devia ser invocado no singular, mas no plural. Os nossos criadores não tinham nada de divino, nem de sobrenatural : eram simplesmente seres materiais, mais avançados do que nós na sua evolução, que haviam sabido dominar as viagens espaciais e a criação da vida. Também haviam vencido o envelhecimento e a morte.
Gostaria sinceramente de pertencer a esta seita religiosa. A ausência de um deus, a oferta da imortalidade e da juventude eram condições irresistíveis. Não podendo decidir sobre assunto tão delicado de forma leviana, levei a cabo uma profunda investigação que apenas confirmou a existência de Elohîm, termo frequentemente citado no antigo Testamento para designar Deus. O resto : da seita e da doutrina não recolhi qualquer confirmação ; dos extraterrestres : ninguém os viu, nem havia sinais. Conclui que os eloimitas eram pura ficção, desse genial maluco (Michel H). Abandonei o projecto, desanimado com a minha ingenuidade.
Começava a desesperar. Precisava, urgentemente, que uma nova espiritualidade religiosa preenchesse este terrível vazio de que não conseguia sair. A ideologia já fora, o trabalho também, e até a política deixou de entrar no meu quotidiano.
Felizmente, descobri a CIENTOLOGIA.
A HIPÓTESE DEUS (2)
LEITURAS
No mês de Fevereiro a cidade da Póvoa de Varzim assistiu à 9ª edição do encontro de escritores de expressão ibérica, Correntes d’ Escritas. Num desses dias de encontro com a literatura, assisti ao lançamento de um livro de um dos escritores participantes, Susana Fortes de seu nome, galega de nascimento e valenciana de residência. “O Amante Albanês” foi basicamente apresentado como a história de um amor proibido. A escritora não me seduziu nessa apresentação e, menos ainda, quando na mesa de diálogo em que participou procurou explicar a razão de ser do seu conteúdo, relevando o facto de a história se desenrolar na Albânia, à época vivendo sob um regime fortemente ditatorial e repressivo. Se já tinha sentido mal-estar, mais senti quando não foi capaz de contestar à pergunta de um dos participantes quanto ao ter escrito sobre uma realidade que não conheceu nem viveu quando tinha uma idêntica ou pior dentro de casa.
Contudo, a curiosidade, levou a que oferecesse o livro e desejasse lê-lo. È de facto uma história de amor e quanto ao proibido é uma outra questão que pode ser tema de debate. Será a felicidade proibida? E o amor não faz parte integrante da felicidade? Alguém pode ser feliz sem amar?
Susana Fortes criou uma história simples. Todo o livro se desenvolve ao encontro da vida e da atracção de dois personagens e talvez pelo facto de querer que nos debrucemos sobre essa paixão que vai sobrevir no último terço da obra quase passa em lume brando o grande e verdadeiro amor que ocorre ao longo de toda a história.
Lê-se na contracapa que o livro aborda paixões impossíveis e amor subversivo. Tenho dúvidas que as paixões sejam momentos de amor, pois normalmente resultam antes da atracção física, quase sempre violenta por incontrolável e que se esgota nesse contacto. Se se transformam em amor, então, porventura deixaram de ser paixões. E o trabalho da escritora galega leva-nos de facto até à história de um grande amor que se prolonga no tempo e, esse sim, proibido. Proibido, por uma sociedade ainda tribal, proibido por uma religião que não concede esse espaço e proibido ainda por um contrato de casamento igual a tantos outros que não concede que a felicidade possa estar para além e paralela ao mesmo.
Será a ama húngara à posteriori a fazer a avaliação ponderada dos actos e das consequências e a extrair as lições dessa felicidade encontrada no exterior do que a sociedade entende por relações normais. Relatando a Ismail a vivência amorosa da mãe, a qual como todos os grandes amores, tem o seu momento de paixão, como diz Hanna, “os sentimentos intensos são um desvario”, “A tua mãe às vezes comportava-se como uma miúda, percorrendo a galeria de um lado a outro, livre, aos saltos…”, mostrava-lhe contudo como esses instantes que se prolongaram ao longo de anos e lhe deram vida, a tornavam feliz e a felicidade deve ser uma procura constante. A busca da felicidade não deve merecer discussão, os caminhos para a alcançar é que podem ser questionados. A mãe de Ismail nunca teve nome ao longo do livro. Referiam-se-lhe como, Ela, tentando assim, apagá-la da vida e do passado, pois alguém que não possui nome acaba por nos convencer que não existiu e se não existiu deixa de nos perturbar tanto. Deste grande e intenso amor que a autora dilui ao longo da sua obra, nasceu Ismail que Hanna explica pelo facto de que em todos os grandes amores o que a mulher mais deseja é ter um filho que resulte dessa veemência sentimental.
Ismaíl acabará, não por ter um grande amor, mas uma grande paixão, violenta, descontrolada e para além da sensatez racional com a cunhada a jovem mulher do irmão e dessa intensidade amorosa resultará uma parte do desfiar dos segredos da história.
Nada acaba em bem neste livro e a parte subversiva da autora é quando de forma subtil vai introduzindo na vivência dos seus personagens todo um quotidiano policial e de terror que chega a assustar e perturbar. Desconheço se a Albânia foi exactamente assim. Apenas não me pareceu apenas de bom tom que no romance aparecesse esse lado negro da história em que os heróis do regime assassinam por conveniência, a seu bel-prazer e impunemente sem a explicação de uma sociedade que se permitiu fechar-se de forma férrea durante cinquenta anos e ainda hoje com todas as mudanças continua a esconder muitos enigmas para aqueles que a olham à distância como foi, aliás, o caso, da autora. De qualquer forma, também aqui o livro pode deixar um momento de reflexão aos Homens que no início do século XXI insistem em procurar uma sociedade livre e justa, com o idealismo e o romantismo que acreditam tenha havido em pleno século XX e que fez com que tantos seres humanos morressem por um ideal e outros transformassem experiências libertadoras em momentos de inexplicável pesadelo.
NÃO SABER LER NEM CONTAR
"A indiferença cresce. Em lado algum o fenómeno é tão visível como no ensino, onde, em poucos anos, com a velocidade de um relâmpago, o prestígio e a autoridade dos docentes desapareceram quase por completo. Hoje o discurso do Mestre encontra-se banalizado, dessacralizado, em pé de igualdade com o dos media, e o ensino é uma máquina neutralizada pela apatia escolar, feita de atenção dispersa e de cepticismo desenvolto ante o saber."
"A Era do Vazio" (Gilles Lipovetsky)
Perante este desinteresse pelo saber, "torna-se necessário inovar a todo o custo: sempre mais liberalismo, participação, investigação pedagógica, e o escândalo está nisso mesmo, porque quanto mais a escola se põe a ouvir os alunos, mais estes desabitam sem ruído nem convulsões esse lugar vazio." (ibidem)
Esse desinteresse e apatia são a experiência diária dos professores, para não falar das descargas de agressividade que o acumular do tédio às vezes desencadeia. Conhecer o povo escolar é, pois, de extrema necessidade.
E, porque os técnicos já sondaram o fundo da criatura, é que chegaram à conclusão que os exames e uma verdadeira avaliação do saber trariam à luz do dia a falência completa do sistema de ensino.
Porque, de facto, o meio em que crescem os futuros alunos é o duma inversão do saber tradicional: é o neto que ensina o avô a manusear o último gadget e que, quando chega à escola, está convencido de saber mais sobre os computadores do que a sotôra.
Claro que a sua competência é sobretudo lúdica e que o que está por detrás da excitação dos ecrãs é-lhes tão transcendente como as "Quatro Moradas Sublimes" do Brahma-Vihara. Tudo o que a palavra saber designou até aqui, como teoria ou prática, não encontra nos seus órgãos receptores o necessário apoio moral.
E, assim como a criança dos esquálidos reformatórios de Dickens era a carne que a Revolução Industrial pedia para os seus fornos, a família moderna, em crise de autoridade, proporciona o ambiente propício a outro tipo de atenção e de inteligência conformes à revolução mediática, em que o ritmo da música e a perda de importância do real, face ao mundo das imagens desempenham um grande papel.
Sabemos hoje tão pouco do futuro que nos reserva este império da "informação e da expressão", característico do pós-moderno, segundo Lipovetsky, como os pioneiros do século XVIII sabiam das consequências da Revolução Industrial.
Tudo o que temos para responder a este desafio, em grande parte desconhecido, é o recurso a soluções que funcionavam noutro contexto.
Mais rigor no ensino e na avaliação apressarão a mudança da nossa percepção da realidade, tornando-nos mais conscientes das oportunidades.
Mas estamos ainda na fase de esconder as misérias. E o duelo entre o ministério e os docentes é o melhor sinal disso.
OMAR KHAYYAM
Bebe vinho! Receberás vida eterna.
O vinho é o único filtro que pode restituir-te a juventude.
Divina estação das rosas, do vinho e dos amigos sinceros.
Goza este fugitivo instante que é a vida.
Quando nasci? Quando morrerei?
Nenhum homem pode evocar o dia do seu nascimento e designar o da sua morte.
Vem, minha dócil bem-amada!
Eu quero pedir à embriaguez que me faça esquecer
que nunca saberemos nada.
Emanará do meu túmulo um tal aroma de vinho,
que os caminhantes ficarão embriagados!
Uma tal serenidade rodeará o meu túmulo,
que os amantes não poderão distanciar-se dele.
Uma vez que ignoras o que te reserva o dia de amanhã,
procura ser feliz, hoje.
Toma uma ânfora de vinho, senta-te ao luar e bebe
lembrando-te que, talvez amanhã, a lua te procurará em vão.
Como é vil o coração que não sabe amar,
que não pode embriagar-se de amor!
Se não amares, como poderás apreciar
a deslumbrante luz do sol e a doce claridade do luar?
Bebe vinho, porque dormirás longamente sobre a terra,
sem amigos, sem mulher.
Confio-te um segredo: as túlipas fanadas não voltam a florir.
Quando a brisa da manhã entreabre as rosas
e lhes murmura que as violetas já abriram as suas vestes,
apenas é digno de viver aquele que contempla
o sono de uma esbelta rapariga,
toma a sua taça, esvazia-a e lança-a fora.
Na Primavera gosto de me sentar na orla de um campo florido.
E quando uma rapariga me traz uma taça de vinho,
não me importa nada a minha salvação.
Se eu tivesse essa preocupação, valeria menos que um cão.
Ouço dizer que os amantes do vinho serão condenados.
Não há verdades, mas mentiras evidentes.
Se os amantes do vinho e do amor forem para o inferno,
deve estar vazio o Paraíso.
Cairemos no caminho do Amor.
O Destino há-de espezinhar-nos.
Ó rapariga, ó minha encantadora taça, levanta-te
e dá-me os teus lábios, esperando que eu me transforme em pó.
Quando eu deixar de existir, já não haverá mais rosas,
ciprestes, lábios vermelhos e vinho perfumado.
Não haverá mais alvoradas e crepúsculos, alegrias e dores.
O universo não existirá mais,
pois que a sua realidade depende do nosso pensamento.
Numa taberna, pedi a um velho
que me informasse sobre aqueles que morreram.
Respondeu-me:
”Não voltarão. É tudo o que sei. Bebe vinho!”.
O vinho possui a cor das rosas.
O vinho não é, talvez, o sangue da vinha, mas sim o das rosas.
Esta taça não é, talvez, de cristal, mas de azul do céu coagulado.
A noite não é, talvez, senão a pálpebra do dia.
Dizem-me: “Não bebas mais, Khayyam!”.
Eu respondo: “Quando bebo, ouço o que me dizem as rosas, as túlipas e os jasmins.
Escuto mesmo aquilo que não pode dizer-me a minha bem-amada”.
Se estás embriagado, Khayyam, sê feliz.
Se contemplas a tua bem-amada de faces de rosa, sê feliz.
Se sonhas que já não existes, sê feliz,
pois que a morte é o nada.
Cansado de interrogar, em vão, os homens e os livros,
eu quis interpelar a ânfora.
Pousei os meus lábios sobre os seus e murmurei:
“Para onde irei quando morrer?”
A ânfora respondeu: “Bebe na minha boca.
Bebe longamente. Jamais voltarás aqui”.