Mário Martins
https://pt.quora.com/Qual-%C3%A9-a-sua-opini%C3%A3o-sobre-o-conceito-de-verdade-subjetiva
“A verdade é vista como um fenómeno oracular e não como uma realidade objectiva; é aquilo que o poder declarar que é verdadeiro, não há factos acima da opinião relativa do chefe e da sua ideologia.”
Timothy Snyder, citado por Henrique Raposo in “O fascismo tem um nome: pós-verdade”
Revista do Expresso, 2023-10-20
Partindo da consideração de que “O jargão pós-moderno, que manteve nas últimas décadas um mantra absoluto no coração da cultura ocidental (segundo o qual) não se pode ter discussões morais, pois tudo é relativo; não há uma verdade válida acima dos grupos historicamente situados, cada grupo tem a sua ‘verdade’; só há pontos de vista.”; bem como da identificação de casos típicos da pós-verdade (Trump é um homem amoral, e o trumpismo é a manifestação de um mal; os tories ingleses que promoveram a fraude do Brexit diziam que os factos são para totós), Raposo conclui, em forma de aviso, que “Se não reassumirmos que existe de facto uma verdade objectiva e impessoal acima de pessoas e facções, o mal triunfará e a esquerda pós-moderna e a direita randiana* serão os idiotas úteis do fascismo 2.0.”
Se subscrevo esta crítica da pós-verdade, essa espécie de guarda-chuva conceptual que abriga os sofistas da contemporaneidade, praticantes de toda a sorte de desmandos, desde o menosprezo da ciência e da prova, até ao logro da difusão de notícias falsas, importa, no entanto, examinar mais detidamente o conceito de verdade objectiva.
Contextualizemos, primeiro: o que queremos dizer quando falamos de verdade objectiva? No meu artigo de Dezembro passado defendi que não é humanamente possível aceder à verdade natural ou absoluta, ao âmago e ao sentido da Natureza. Donde, a verdade objectiva é a que se gera dentro do perímetro humano (o qual ninguém pode ultrapassar seja por que forma for), isto é, na relação entre os homens (a pessoa x está ou esteve com a pessoa y no local z) e entre estes e o mundo que os cerca (ontem, na praia, apanhei um valente escaldão). Verdade objectiva, sim, mas humana.
Dizem os filósofos clássicos (v.g. Kant – 1724-1804) que “A verdade material deve consistir na concordância do conhecimento com (um) objecto determinado ao qual se refere (…)” (Dicionário de Filosofia, de Jacqueline Russ)
Já na contemporaneidade, em Habermas (n. 1929) a verdade confunde-se com a validade intersubjectiva ou consenso. Se uma proposição não é submetida ao crivo da comunidade, nada se pode dizer sobre a sua falsidade (Wikipédia).
Asserções sobre as quais paira o fantasma do Relativismo, conceito segundo o qual os pontos de vista não têm uma verdade absoluta ou uma validade intrínseca, mas apenas um valor relativo, subjectivo, e de acordo com diferenças na percepção e consideração; conceito este que, no entanto, foi desde há muito refutado pelo filósofo grego Sócrates, pela pena de Platão: se são verdadeiras todas as opiniões mantidas por qualquer pessoa, então também é preciso reconhecer a verdade da opinião que considera que o relativismo é falso; ou seja, se o relativismo é verdadeiro, então ele é falso (desde que alguém o considere falso).
Ao invés, a imagem em epígrafe sugere que a verdade é relativa uma vez que, à primeira vista, o mesmo objecto aritmético tem duas leituras diferentes. O facto, todavia, é que não se trata de um único objecto aritmético, mas sim de dois: um 6 e um 9, tal dependendo da posição oposta dos dois observadores.
Em apoio da sua crítica à pós-verdade, Raposo invoca a ideia de razão em Platão a qual questiona e se fundamenta na ideia de justiça. “O que é a justiça? O que é uma sociedade justa? É a nossa sociedade actual uma sociedade justa? interroga Raposo para, de seguida, concluir: Este confronto entre a ‘medida justa’ – platónica e kantiana – e a realidade é a base da nossa civilização, da filosofia, do direito, da literatura. E esta ideia universal, esta ‘medida justa’ para a qual devemos apontar a nossa inteligência, é acessível a qualquer ser humano, seja qual for a sua raça, idade, sexo, nacionalidade ou mesmo época histórica.”
Observo porém, que as diferentes culturas e valores civilizacionais constituem muros altos que só a ciência, com o seu método e linguagem verdadeiramente universais, consegue transpor. A ciência une o que a cultura desagrega, infelizmente com grande vantagem para esta, a não ser que, eventualmente, venha a prevalecer uma cultura verdadeiramente planetária.
*Ayn Rand (pseudónimo de Alisa Rosenbaum), foi uma filósofa e romancista americana, de origem judaico-russa, que no seu mais famoso romance “A Revolta de Atlas”, coloca uma personagem a defender que “Não existem factos objectivos. Todos os relatos sobre os factos são apenas as opiniões de alguém. Por isso, é inútil escrever acerca de factos […] Nada é absoluto. Tudo é uma questão de opinião.”
Sem comentários:
Enviar um comentário