António Mesquita
"Os meios de comunicação, por sua vez, entraram numa prática de democracia de opinião televisionada que está perto do conto do vigário, reduzindo o debate de ideias a um debate de imagens, frequentemente manipuladas."
(Danièle Bourcier)
A informação e a contra-informação estão na ordem do dia. Campeia a epidemia das "fake news", em inglês, claro, porque é global. Das discussões já não nasce a luz, se alguma vez nasceu, mas o nevoeiro da "Luz de Inverno", o filme de Bergman de 1963. O padre Thomas não demove o crente do suicídio, deitando óleo no fogo ao revelar a sua fraqueza, o "silêncio de Deus". Esse crente vivia apavorado com a perspectiva da China de Mao poder vir a ter a bomba atómica, coisa a que nos habituamos hoje em dia. E o mundo tornou-se tão perigoso que o "perigo amarelo" se relativizou. Este padre não pôde argumentar contra o "silêncio de Deus", por ele próprio o sentir. É certo que a haver discussão, nem tudo estava perdido, embora nada tivesse ficado esclarecido.
Teresa de Sousa, a propósito de algumas discussões na nossa praça, lembrou que para pôr fim a um desentendimento sobre o estado do tempo bastava abrir a janela. Infelizmente não se pode recorrer a esse método na maior parte das situações.
Devemos ter presente, aliás, que quando as "partes" chegam a acordo só se obteve um consenso, o que nem de longe nem de perto equivale ao estabelecimento da "verdade". Pode-se mesmo dizer, não em desabono da dita, que os homens parecem passar bem sem ela, apesar de não poderem passar sem a respectiva retórica. O consenso pode ter a ver com a justiça, mas com a verdade não.
Hegel, talvez o mais treslido dos filósofos, sobretudo desde a interpretação do seu mais célebre discípulo, ensinava que as ideias, na cabeça de cada um, atravessam várias idades e que a primeira é uma espécie de fetichismo enredado em preconceito e abstracção. Por isso a poesia permanece a chave mestra do movimento interno da ideia. As ideias feitas são afinal todas as ideias, tornadas coisa em vez de espírito. Estão, no melhor, no estado de conclusões e em nada nos ensinam a pensar. Já houve quem considerasse um preconceito metafísico o ensino da poesia separado dos outras saberes.
O que parece é que nunca encontraremos a verdade pelo confronto das ideias. É até mais certo de que só poderemos pensar uma questão controversa depois de nos envolvermos e de tomarmos partido.
A propósito da guerra, de qualquer guerra, que é o paroxismo da controvérsia, não me espanta que haja posições "recuadas" e posições mais consensuais. Porque a respectiva visão do mundo implica lógicas diferentes. Podemos hoje condenar as fogueiras da Inquisição sem que a religião ou a Igreja se tornem mais vulneráveis e, no entanto, é um facto que ambas foram parte de um "crime contra a humanidade". Galileu não deu realmente "o braço a torcer" para nós que conhecemos o desenvolvimento histórico das suas ideias. Mas não foi essa, certamente, a opinião do Santo Ofício.
A fidelidade de certos jornalistas à sua tomada de posição inicial, de moderação ou crítica ambivalente, não nos pode supreender, e não é uma questão de orgulho intelectual. É assim que todos pensamos, continuando o primeiro passo dado num sentido ou noutro.
George Steiner perguntava se a música poderia mentir ou se seria "completamente impermeável àquilo a que os filósofos chamam "funções de verdade". A minha hipótese é que a música procura o sentido, mesmo através da dissonância. Certos músicos que exploraram a via do não-sentido ficaram como ruínas no caminho.
Defendo que o chamado equilíbrio de posições, o "dar uma no cravo e outra na ferradura" é uma das misérias dum mundo que perdeu a dimensão do político.
Como diz Alain, não podemos fazer de balança e simplesmente olhar para que lado se move a agulha sob o peso das opiniões.(*) É preciso escolher.
* Alain, "Histoire de mes pensées"
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