Marques da Silva
A Gioconda de Leonardo Da Vinci |
Sei que prometi que este mês te escreveria uma carta. Não uma mais,
antes uma diferente, talvez especial, dessas letras que falam da
beleza da vida e do mundo, da humanidade e dos gestos, de emoções e
dos sentimentos mais sublimes e, do amor, naturalmente. Como se
poderia escrever sobre a beleza sem insinuar o amor no seu interior,
esse afecto que une os amantes! Mas a minha promessa foi num tempo
que sabia distinguir o passado do futuro, o ontem do amanhã, a
realidade dos sonhos. Foi antes desse vendaval que misturou tudo na
minha memória. Num tempo anterior aos delírios que ora me levam,
como naquele dia em que acreditei que viajava entre a nebulosa de
Andrómeda e a galáxia M28. Quando o desvario abrandou, constatei
que apenas mudava de uma linha do Metro para outra. Vivo assim,
misturando os tempos e no momento de iniciar a carta que prometi, já
não sei onde me encontro, nem no tempo que passa nem naquele em que
vivo. Procurei então nas notícias dos dias, a inspiração que me
faltava, mas a primeira que chegou até mim, deixou-me nessa tristeza
infinita que é o desacreditar na humanidade, ou expresso de outra
forma, naqueles que em nome de todos, dirigem os destinos do mundo,
para o seu próprio interesse, para satisfação das suas vaidades,
para encherem as tulhas de gente sem rosto. A maldade humana no
esplendor do poder. Abandonei então a ideia de um diário para ti
com o noticiário dos acontecimentos quotidianos. Estava perdido,
entre a promessa e a minha incapacidade. Olhava à volta e não
vislumbrava caminho onde pudesse fazer passear as palavras que me
levariam ao teu encontro. Ainda pensei no mês dos pobrezinhos, mas
já todos se debruçavam sobre o assunto, até o presidente da
república. Lobo Antunes disse um dia que no seu tempo de criança
todas as famílias de bem tinham um pobrezinho, o seu pobrezinho, que
todas as semanas visitava a casa dos seus benfeitores para levar as
sobras e os restos. Claro que a democracia deu dignidade às pessoas,
mas nem quero pensar quantas delas perderiam o emprego se acabassem
os pobrezinhos. São eles a garantia de que estamos bem. Também não
era esta passagem que me faria chegar até ti. Entrei então na minha
desmemória da vida, nesse espaço onde vagueio, sem lugar nem nome.
Procurava nos atalhos do passado, a direcção em que corriam os rios
quando o teu sorriso dominava tudo e enchia de luz o universo, essa
luz que era o guia que segurava as estrelas na sua rota. Que faço eu
nesta mesa, olhando o outro lado onde te vejo sentada, altiva e bela,
com o olhar perscrutando um horizonte indefinido. O teu rosto move-se
vagaroso, como quem procura tempo para assimilar, não o que vê, mas
o que pensa. Sim, o teu pensamento viaja para outro lugar e outros
acontecimentos ou pessoas. É visível a tua ausência. É nesse
instante que a tua boca esboça um sorriso e ocorre-me pensar na
Gioconda, naquele enigmatismo que nos fascina e atrai. Estou preso
nessa beleza que irradia desse rosto que se volta na minha direcção
sem me ver. Acordo quando o ano terminou os seus dias e renasce outro
com a contagem a zero e de novo nos alimenta a esperança de que este
ano…, sim, este ano, vai ser distinto, vou realizar os meus sonhos,
vou alcançar os meus desejos, vou cumprir as minhas metas, não vou
deixar que os meus planos se esfarelem nas primeiras curvas da
estrada da vida. Entre todos os trajectos aparece-me o teu, com o
esplendor radiante do teu olhar nefertiniano, belo, apaziguador, fixo
no futuro, nesse fausto que a grandeza do teu rosto carregado dessa
imensa perfeição, nos confunde, atormenta, encanta e nos faz
amar-te. É esse então o meu desejo, encontrar nos dias da vida que
vão nascer, o caminho para descobrir as palavras que te enalteçam,
te exaltem e com elas preencher a carta que prometi escrever-te. É
uma utopia, eu sei, tão bela e tão digna como essa que empurra uma
parte da humanidade a combater por um mundo mais digno, mas tal como
esta, na minha utopia, o melhor está na estrada a percorrer. Talvez,
no fim do meu tempo, um dia nos possamos encontrar.
3 de Dezembro.
Donald Trump chegou a Londres para uma reunião da NATO. Entre as
palermices que disse em conferência de imprensa, saíram palavras de
grande gravidade. Reconheceu que as tropas dos EUA que invadiram a
Síria se mantêm a ocupar parte daquele país onde se encontram os
campos petrolíferos do povo sírio e acrescentou: «temos o petróleo
e podemos fazer com ele o que quisermos». Este roubo do petróleo
sírio rende aos EUA 30 milhões de dólares por mês. A Rússia
chamou a esta acção, «um acto de banditismo internacional». Cada
notícia que chega da democracia dos EUA só nos faz entristecer a
alma e desacreditar na humanidade.
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