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01/10/19

NO CORRER DOS DIAS

Marques da Silva

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O Outono chegou com aquela leveza dos dias com calor diminuído, brisas suaves e chuva com alguma delicadeza. As minhas visitas tornar-se-ão mais raras, pois o que é essencial preservar, o tempo meteorológico substitui-me e suspende as viagens que aqui me trazem. Talvez seja a fragilidade da energia que nos chega da estrela solar e a placidez deste lugar que me incentiva ainda mais à reflexão, enquanto contemplo a ponte e a passagem de comboios sonolentos quase sem ruído. Não direi que é nostalgia, mas o nosso diálogo vai até aos tempos em que viver era uma aventura, os sonhos tinham estrada e cada dia era uma batalha que perseguia uma utopia. Quando olhamos em direcção a esses anos, sentimos a beleza que foi fazer parte de um colectivo, em que cada um, era uma barreira, que somadas, erguiam um muro à passagem da ignomínia. Havia pessoas com muita coragem, outros tinham apenas a suficiente para não se deterem. Outros havia que tinham medo e até havia cobardes, mas todos, cada um à sua maneira, prosseguiam nesse trabalho de fazer regressar a dignidade a uma nação milenar. Nós chegamos naquela época em que o tripa de porco caiu do banco e bateu com os cornos no chão. Ao contrário do que alguns pensavam, o nosso combate tornou-se ainda mais difícil, mais sujeito à violência de um poder infame. Caminhávamos na noite entre as sombras de candeeiros de débil luz, procurando descortinar nas trevas, as silhuetas assassinas de lobos selvagens que saciavam a sede no sangue da liberdade. Olhávamos as montras das lojas como espelho para detectar os vermes que rastejavam por entre a multidão. “Sete flores de limão para lutar até vencer”, lembras-te, quando cantávamos em sussurros palavras que só nós escutávamos? E não deixávamos de amar no meio de tanta podridão faminta da dor que geravam numa nação violentada. Estávamos tão perto, mas ainda não sabíamos, até que naquele Verão começámos a desaparecer, uns atrás dos outros. Ninguém fazia perguntas, pois todos conhecíamos o caminho escolhido. Era um mergulho na noite ainda mais profundo. De certa forma, abdicávamos da nossa liberdade para que ela pudesse chegar para todos. Os esbirros davam conta que estavam a perder e assanhavam-se ainda mais na perseguição daqueles que sonhavam. Que ousadia, sonhar! Em duas ocasiões, perdi-me, fiquei uma ilha sem ligação a terra e lembrei-me que tu poderias fazer com que voltasse à estrada onde havia caixas de correio. Da segunda vez que trouxeste o santo-e-senha, foi a última vez que nos encontramos. Não podíamos saber, mas não nos voltaríamos a ver. Recordo-te sempre com o anoraque azul, os óculos que caíam sobre o nariz, a voz pausada e as palavras serenas em tom de quase silêncio. Os nossos caminhos separaram-se nesse dia, sem que se voltassem a juntar apesar de caminharmos no mesmo sentido. Agora, sabes, quarenta e cinco anos depois, um bastardo de Santa Comba quer-nos ensinar a interpretar o Estado Novo, que foi sempre tão velho como a exploração humana e há um grupo de historiadores, gente séria, pronta para reinterpretar a história, como se não a conhecêssemos. A acreditar no seu propósito ainda têm dúvidas de cinquenta anos de exploração violenta do trabalho, da miséria económica e social da esmagadora maioria da população, de décadas de torturas, privação da liberdade em condições ignominiosas, de perseguições, de exílios, do coartar da liberdade de pensamento e expressão, de terror e de medo. Mas não importa, haverá sempre servidores da indignidade, imitação de gente, capaz de ressuscitar os “mordomos do universo todo, senhores à força, mandadores sem lei”. Para nós, que ainda nos sentimos soldados do exército de Dario, o mais importante é o que a história jamais poderá apagar, aquele dia em que pudemos cantar, “já estremece a tirania, já o sol amanheceu”. O resto, são apenas os dejectos humanos da história.
     
Rui Rio levava uma campanha criando a ideia de um homem de princípios, de bom rapaz, de seriedade na política. Era com estes argumentos que procurava superar o que o seu programa eleitoral escondia, o benefício de quem tem muito e pretende ainda mais. De um momento para o outro, derrapou, descambou e mostrou o que se esconde por trás daquela face que se pretende amável. Com base numa acusação do Ministério Público, passou a julgar, através de um processo de intenções e com base em afirmações que no âmbito da prova, valem zero. Vir dizer que «é crível», «é admissível», «é suposto», «é indiciador», coloca-o ao nível de um farsante que dá pelo nome de Sérgio Moro. É uma questão política e não jurídica vem argumentar em seu socorro. «É crível que o primeiro-ministro foi informado» e «se não foi, significa que não tem mão no governo». Fazer juízos políticos com base em suposições é a forma mais miserável de fazer política. Rui Rio, desceu a esse nível e não vejo que possa sair desse terreno pantanoso. Tanto mais que o primeiro-ministro não é arguido nem tão pouco faz parte do processo.

Por outro lado, ninguém menciona o essencial, o estado de degradação ética e moral a que chegaram as chefias militares. Não esqueçamos que tudo nasceu e se desenvolveu no seu interior. Quanto ao Ministério Público, mais uma vez tem uma agenda política. Há mais de um ano que instrui um processo que havia de produzir acusação no meio de uma campanha eleitoral em que a Direita vivia num estado comatoso. Acresce que a vida mostrou que grande parte das suas acusações derrete-se à velocidade em que se desmoronam os glaciares do Monte Branco. Um MP que nem sequer consegue guardar o segredo de justiça sem que se conheça qualquer responsável, merece-nos credibilidade zero. Aliás, se existe instituição que merece uma quase unânime reprovação dos cidadãos, é a Justiça.

É interessante que até ao momento, ninguém se preocupou em saber o que diz a Defesa!

Assunção Cristas, passou a falar por metáforas. Diz-nos que a classe média alta é das mais desprotegidas. A classe média alta é, em linguagem popular, os mais ricos. Quanto ao Estado diz-nos que privatizaria tudo, quer dizer, distribuía pelos amigos o que no Estado é lucrativo.

No dia 1 de Outubro faz dois anos que a população da Catalunha enfrentou a barbárie da autoridade colonial e ocupante que no Estado espanhol dá pelo nome de Polícia Nacional e Guardia Civil. Puderam reviver os longos anos do fascismo franquista, um sedicioso e golpista que em nome dos seus interesses espúrios, matou, assassinou e fuzilou milhares e milhares de cidadãos, não só da Espanha como das nações que se encontram expurgadas da sua auto-determinação, numa guerra que contabilizaria 500 mil mortos. Quase desde esse dia 1 de Outubro, mais de uma dezena de políticos e líderes catalães encontram-se em prisão preventiva sem qualquer condenação. Sim, há 2 anos, com o silêncio cúmplice da tão democrática Europa. 


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