StatCounter

View My Stats

01/10/19

147


NO CORRER DOS DIAS

Marques da Silva

https://images.app.goo.gl/wU45VKwuyPYfXest7



O Outono chegou com aquela leveza dos dias com calor diminuído, brisas suaves e chuva com alguma delicadeza. As minhas visitas tornar-se-ão mais raras, pois o que é essencial preservar, o tempo meteorológico substitui-me e suspende as viagens que aqui me trazem. Talvez seja a fragilidade da energia que nos chega da estrela solar e a placidez deste lugar que me incentiva ainda mais à reflexão, enquanto contemplo a ponte e a passagem de comboios sonolentos quase sem ruído. Não direi que é nostalgia, mas o nosso diálogo vai até aos tempos em que viver era uma aventura, os sonhos tinham estrada e cada dia era uma batalha que perseguia uma utopia. Quando olhamos em direcção a esses anos, sentimos a beleza que foi fazer parte de um colectivo, em que cada um, era uma barreira, que somadas, erguiam um muro à passagem da ignomínia. Havia pessoas com muita coragem, outros tinham apenas a suficiente para não se deterem. Outros havia que tinham medo e até havia cobardes, mas todos, cada um à sua maneira, prosseguiam nesse trabalho de fazer regressar a dignidade a uma nação milenar. Nós chegamos naquela época em que o tripa de porco caiu do banco e bateu com os cornos no chão. Ao contrário do que alguns pensavam, o nosso combate tornou-se ainda mais difícil, mais sujeito à violência de um poder infame. Caminhávamos na noite entre as sombras de candeeiros de débil luz, procurando descortinar nas trevas, as silhuetas assassinas de lobos selvagens que saciavam a sede no sangue da liberdade. Olhávamos as montras das lojas como espelho para detectar os vermes que rastejavam por entre a multidão. “Sete flores de limão para lutar até vencer”, lembras-te, quando cantávamos em sussurros palavras que só nós escutávamos? E não deixávamos de amar no meio de tanta podridão faminta da dor que geravam numa nação violentada. Estávamos tão perto, mas ainda não sabíamos, até que naquele Verão começámos a desaparecer, uns atrás dos outros. Ninguém fazia perguntas, pois todos conhecíamos o caminho escolhido. Era um mergulho na noite ainda mais profundo. De certa forma, abdicávamos da nossa liberdade para que ela pudesse chegar para todos. Os esbirros davam conta que estavam a perder e assanhavam-se ainda mais na perseguição daqueles que sonhavam. Que ousadia, sonhar! Em duas ocasiões, perdi-me, fiquei uma ilha sem ligação a terra e lembrei-me que tu poderias fazer com que voltasse à estrada onde havia caixas de correio. Da segunda vez que trouxeste o santo-e-senha, foi a última vez que nos encontramos. Não podíamos saber, mas não nos voltaríamos a ver. Recordo-te sempre com o anoraque azul, os óculos que caíam sobre o nariz, a voz pausada e as palavras serenas em tom de quase silêncio. Os nossos caminhos separaram-se nesse dia, sem que se voltassem a juntar apesar de caminharmos no mesmo sentido. Agora, sabes, quarenta e cinco anos depois, um bastardo de Santa Comba quer-nos ensinar a interpretar o Estado Novo, que foi sempre tão velho como a exploração humana e há um grupo de historiadores, gente séria, pronta para reinterpretar a história, como se não a conhecêssemos. A acreditar no seu propósito ainda têm dúvidas de cinquenta anos de exploração violenta do trabalho, da miséria económica e social da esmagadora maioria da população, de décadas de torturas, privação da liberdade em condições ignominiosas, de perseguições, de exílios, do coartar da liberdade de pensamento e expressão, de terror e de medo. Mas não importa, haverá sempre servidores da indignidade, imitação de gente, capaz de ressuscitar os “mordomos do universo todo, senhores à força, mandadores sem lei”. Para nós, que ainda nos sentimos soldados do exército de Dario, o mais importante é o que a história jamais poderá apagar, aquele dia em que pudemos cantar, “já estremece a tirania, já o sol amanheceu”. O resto, são apenas os dejectos humanos da história.
     
Rui Rio levava uma campanha criando a ideia de um homem de princípios, de bom rapaz, de seriedade na política. Era com estes argumentos que procurava superar o que o seu programa eleitoral escondia, o benefício de quem tem muito e pretende ainda mais. De um momento para o outro, derrapou, descambou e mostrou o que se esconde por trás daquela face que se pretende amável. Com base numa acusação do Ministério Público, passou a julgar, através de um processo de intenções e com base em afirmações que no âmbito da prova, valem zero. Vir dizer que «é crível», «é admissível», «é suposto», «é indiciador», coloca-o ao nível de um farsante que dá pelo nome de Sérgio Moro. É uma questão política e não jurídica vem argumentar em seu socorro. «É crível que o primeiro-ministro foi informado» e «se não foi, significa que não tem mão no governo». Fazer juízos políticos com base em suposições é a forma mais miserável de fazer política. Rui Rio, desceu a esse nível e não vejo que possa sair desse terreno pantanoso. Tanto mais que o primeiro-ministro não é arguido nem tão pouco faz parte do processo.

Por outro lado, ninguém menciona o essencial, o estado de degradação ética e moral a que chegaram as chefias militares. Não esqueçamos que tudo nasceu e se desenvolveu no seu interior. Quanto ao Ministério Público, mais uma vez tem uma agenda política. Há mais de um ano que instrui um processo que havia de produzir acusação no meio de uma campanha eleitoral em que a Direita vivia num estado comatoso. Acresce que a vida mostrou que grande parte das suas acusações derrete-se à velocidade em que se desmoronam os glaciares do Monte Branco. Um MP que nem sequer consegue guardar o segredo de justiça sem que se conheça qualquer responsável, merece-nos credibilidade zero. Aliás, se existe instituição que merece uma quase unânime reprovação dos cidadãos, é a Justiça.

É interessante que até ao momento, ninguém se preocupou em saber o que diz a Defesa!

Assunção Cristas, passou a falar por metáforas. Diz-nos que a classe média alta é das mais desprotegidas. A classe média alta é, em linguagem popular, os mais ricos. Quanto ao Estado diz-nos que privatizaria tudo, quer dizer, distribuía pelos amigos o que no Estado é lucrativo.

No dia 1 de Outubro faz dois anos que a população da Catalunha enfrentou a barbárie da autoridade colonial e ocupante que no Estado espanhol dá pelo nome de Polícia Nacional e Guardia Civil. Puderam reviver os longos anos do fascismo franquista, um sedicioso e golpista que em nome dos seus interesses espúrios, matou, assassinou e fuzilou milhares e milhares de cidadãos, não só da Espanha como das nações que se encontram expurgadas da sua auto-determinação, numa guerra que contabilizaria 500 mil mortos. Quase desde esse dia 1 de Outubro, mais de uma dezena de políticos e líderes catalães encontram-se em prisão preventiva sem qualquer condenação. Sim, há 2 anos, com o silêncio cúmplice da tão democrática Europa. 


A ECONOMIA DA CARNE

Manuel Joaquim
https://images.app.goo.gl/PeEmKq5vRqUagGR79



Com a grande polémica que se instalou recentemente sobre a decisão da Universidade de Coimbra proibir nas suas cantinas o consumo de carne de vaca, veio-me ao pensamento o que Friedrich Engels escreveu na sua obra, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, sobre os efeitos no seu desenvolvimento físico e intelectual, do Homem passar a incluir na sua alimentação a carne. Provavelmente seríamos uma civilização muito diferente.

Sabemos que o consumo de carne sem regras não é saudável. Mas a sua total eliminação da alimentação humana também não será muito saudável. São discussões, de carácter científico, muito antigas e permanentes, sem fim à vista. 

Sabemos que a nossa civilização está assente na produção de animais destinados à alimentação e ao trabalho, não falando já nos animais ditos de companhia.

Gerações de famílias sobreviveram durante longos anos e continuam a sobreviver, com a criação de animais, destinados à sua própria alimentação e para a sua economia doméstica, obtendo rendimentos. Leite, cabritos, bois, vacas, vitelas, cavalos, ovos, galinhas, galos, coelhos, que pequenos produtores vendem, a maior parte das vezes para alimentar a família e educar filhos e netos. 

O abandono desse tipo de economia é provocar o abandono de grande parte do território, a destruição do que ainda resta para habitar. Um Amigo meu referiu-me, por conhecimento de causa, que quem trata dos lameiros, onde existe pasto natural, são os pastores e os guardadores de gado. Se não fossem eles as terras estariam ao abandono e sujeitos aos incêndios destruidores.

Sobre este assunto, não produzir animais, alguém, que visitou os Açores há pouco tempo, referiu que, por esse caminho, as ilhas do arquipélago, tinham de ser todas abandonadas. Toda a sua economia assenta na produção de carne, de leite, de manteiga e queijo.

A Universidade de Coimbra devia fazer pedagogia sobre alimentação saudável, ensinar a população a alimentar-se, fazer jus à dieta mediterrânea. Denunciar o que acontece nos viveiros da sua vizinhança, na produção de frangos. Muitos são lançados no mercado da alimentação humana com 8-10 dias de vida, cheios de produtos químicos. Denunciar o que acontece com a produção de ovos, cujas gemas obtêm cor pela introdução de produtos químicos na alimentação das galinhas. Denunciar a produção intensiva de animais que contribui decisivamente para muitas doenças humanas. Denunciar a poluição produzida pelos navios de cruzeiro que muito alegremente visitam o nosso país, pelos aviões das companhias de low-cost que permanentemente estão no nosso espaço aéreo.

 Podia, ainda, denunciar vigorosamente o que mais contribui para destruição das nossas vidas e do próprio planeta, que é a guerra.




ERA UMA VEZ

António Mesquita



Resultado de imagem para tarantino era uma vez em hollywood estreia




O título diz-nos que é uma história. É assim que temos de compreender a reescrita do caso da Família Manson, em que a vítima mais famosa (Sharon Tate) aparece no final como tendo escapado ao massacre.

Para que esta 'liberdade' com os factos seja aceite pelo espectador, seguimos ao longo de quase três horas a vida hollywoodesca, do estúdio para a piscina de um actor de westerns decadente, Rick Dalton (DiCaprio) e do seu duplo (stuntman) Cliff Booth (Brad Pitt) que divide o seu tempo entre fazer de chofer de Rick e dar de comer ao cão na sua caravana.

Algumas cenas movimentadas pontuam este rame-rame, a mais divertida das quais é o duelo com Bruce Lee, em que a basófia deste é posta a ridículo pela competência do 'stuntman'.

Não é dizer nada que não se saiba que a 'fábrica dos sonhos' é também a 'fábrica dos pesadelos'. E, nesse sentido não é a realidade, assuma ela a forma mais anárquica da cultura hippy (de que Charles Manson seria um subproduto) ou as repercussões do assassinato de Kennedy e da guerra do Vietnam, que irrompe no circuito feérico e alienígena da produção do cinema e da televisão em Los Angeles, mas a chacina de 1 de agosto de 1969 é ela própria uma 'produção' de Hollywood, não no estado de 'privação do sono', apenas, mas sob o efeito da droga.

E não é isso que Tarantino nos diz tratando os factos como um cenário alternativo, em que as personagens fictícias de Rick, Cliff e o molosso fazem justiça imediata sobre o gang transado, e a bela Tate (Margot Robbie), que ainda há pouco víramos gozando a eternidade de se ver na tela dum cinema qualquer, surgir de entre os mortos e justiçados como um holograma feliz?

Podemos deplorar que a preparação deste final se tivesse arrastado por cenas que nada acrescentam ao drama (mas não é essa a marca dum autor que gosta de 'esticar a corda' e sabe que pode contar com a benevolência do público? É quase como a extravagãncia na indumentária de Dali, por exemplo.
.
"Era uma vez...em Hollywood" não é o filme definitivo sobre a psicose dum tal lugar, mas é um bom candidato.

Depois há aquela despedida de Cliff e Rick na ambulância que salva o filme, pela amizade viril ao gosto dum Hawks ou de um Ford, que salvava o filme se fosse preciso tanto.



NIETZSCHE AO SOM DE WAGNER

Mário Martins

https://www.temasedebates.pt/produtos/ficha/eu-sou-dinamite/


O que é uma biografia? Agustina Bessa-Luís, na sua biografia da pintora Maria Helena Vieira da Silva, “Longos Dias têm Cem Anos”, afirma que “os factos não são importantes numa biografia a não ser como o seu folclore”, afirmação que, sobretudo, se compreende no contexto da escassez de dados da biografada a que teve acesso, daí resultando uma biografia porventura mais imaginada, ainda que comentada e autorizada pela amiga pintora, mas talvez mais exigente na compreensão do sentido essencial de uma vida; afirmação, de resto, corroborada por outra do mesmo jaez, do colega de ofício Mário Cláudio, de que “toda a biografia é um romance”.

No entanto, decerto que os graves padecimentos físicos, que frequentemente o retiam deitado na penumbra de um quarto dias a fio, como repetidos acessos de vómitos, fortes dores de cabeça, progressiva perda de visão e excessiva sensibilidade à luz, que o filósofo alemão Friedrich Nietzsche sofreu ao longo da sua vida (1844/1900), terão influenciado a sua filosofia, mormente o seu estilo. Os seus conhecidos aforismos, como forma de expressão curta e incisiva, são tanto o resultado directo da sua mente brilhante como da sua quase cegueira, que o impedia de escrever normalmente.

Como também o facto de se ter relacionado e vivido intensos momentos de comunhão espiritual com o célebre compositor operático germânico Richard Wagner  (e com sua mulher Cosima Wagner, filha do grande pianista e compositor húngaro, Franz Liszt), que considerava um verdadeiro Mestre e cuja música o punha fora de si, a ele, Nietzsche, que gostava de tocar piano e de compor, e que dizia, num dos seus famosos aforismos, que “sem música, a vida seria um erro”; bem como a ulterior ruptura pessoal e intelectual, terão, certamente, afectado a sua filosofia.

Ambos, Nietzshe e Wagner, partilhavam o desejo de pôr fim ao que consideravam ser a decadência cultural da Alemanha, mas enquanto o compositor era germanófilo e anti-semita, o filósofo não era nacionalista e recusava o ódio aos judeus. Essas diferenças e considerações mútuas nem sempre simpáticas, acabariam por prevalecer sobre o idêntico gosto pela Grécia clássica, conduzindo à separação e inimizade.

Com antecedentes familiares, Nietzsche viveu os últimos doze anos da sua vida no estado de loucura que, todavia, amigos mais chegados tiveram alguma dificuldade em reconhecer, sabendo como sabiam que o filósofo considerava que “todos os homens superiores que eram levados irresistivelmente a livrar-se do jugo de morais banais, se não fossem realmente loucos, não tinham outra opção para além de fingir a loucura”.

Tal como Wagner, mas mais abusivamente dadas as suas diferenças políticas, Nietzsche e a sua obra, simplificada e adulterada, nomeadamente pela sua irmã Elisabeth, uma fervorosa defensora da pureza da raça ariana e admiradora de Hitler, viriam a ser usados, anos depois do falecimento do filósofo, como caução da prática e objectivos do partido nazi. Mas como até um seu proeminente ideólogo sarcasticamente reconhecia, “se não fosse o facto de não ser socialista, nem nacionalista e se opor ao pensamento racista, Nietzsche poderia ter sido um grande pensador nacional-socialista”
View My Stats