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“Uma vez, num futuro indeterminado, mas certo (sublinhado meu), a natureza humana (ou as suas sucedâneas, seja que formas, estrutura e essência possam assumir…) virá a ser confrontada, pela primeira vez na sua história, com outras existências, realidades e dimensões exógenas, não-humanas, que muito provavelmente tornam anacrónico qualquer tipo de prognóstico ou antecipação das suas características (…)
Joaquim Fernandes
O Livro do Universo
Onde o ilustre autor, doutor em História das Ciências, alicerça esta certeza, é coisa que, estranhamente, não transparece da leitura do seu interessante livro nem, seguramente, da evidência científica que seja do domínio público. Não deixa, pois, de ser irónico que o autor aponte como “prova da inconstância e mutação dos critérios de verdade, ao longo da História, o facto de a crença contemporânea subscritora da hipótese de «não estarmos sós» ter adquirido um estatuto quase religioso, ou de para-religião (…)”
Mas o que interessa aqui, para lá da angústia existencial de não sabermos se estamos ou não sós, é a questão central da “inconstância e mutação dos critérios de verdade”, ao longo de um percurso histórico que, paradoxalmente, conduziu, numa época de consolidação científica, ao advento de um conceito concorrente da verdade: a pós-verdade.
Até que tenhamos provas da existência de seres inteligentes extraterrestres - eventualidade que, contrariamente ao defendido pelo autor, pode ser mais ou menos provável, mas não é certa –, tenho por axioma que a verdade é, e só pode ser, humana, na medida em que todo o conhecimento - sensorial, emocional, e racional - tem origem em nós, com as propriedades que a Natureza nos conferiu.
Não há, com efeito, outra fonte de conhecimento que não seja nós próprios, em relação com os outros e com a realidade circundante, mesmo quando, no foro religioso, idealizamos uma fonte divina. Esta realidade, cuja existência é apreendida pelos nossos sentidos e categorizada pela nossa mente, e a que chamamos objectiva para nos distinguirmos dela, é, e só pode ser, subjectiva, na medida em que passa pelo filtro da nossa experiência e compreensão, individual e grupal, que é sujeito a todo o tipo de influências culturais, e depende da incessante evolução tecnológica. A realidade natural objectiva, independente da nossa leitura, é simplesmente inacessível. Condenados a beber desta única fonte, estranho seria que não houvesse “inconstância e mutação dos critérios de verdade”, ao longo das diferentes épocas históricas.
O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa dá-nos um (entre vários) significado de verdade que, se por um lado me parece o mais ajustado, por outro encerra um problema: “Correspondência, adequação ou harmonia passível de ser estabelecida, por meio de um discurso ou pensamento, entre a subjectividade cognitiva do intelecto humano e os factos, eventos e seres da realidade objectiva”. O problema, evidentemente, é a nossa “subjectividade cognitiva”, e é por este ponto fraco da verdade que se insinua a pós-verdade.
Poderá então a pós-verdade concorrer ou mesmo suceder à verdade? Tendo em conta a definição que, por exemplo, o dicionário on line Priberam da Língua Portuguesa nos dá de pós-verdade: “Conjunto de circunstâncias ou contexto em que é atribuída grande importância, sobretudo social, política e jornalística, a notícias falsas ou a versões verosímeis dos factos, com apelo às emoções e às crenças pessoais, em detrimento de factos apurados ou da verdade objectiva”, não é de augurar grande futuro para conceito tão malicioso, não obstante Agustina, sempre interpelativa, pôr Camilo, em “Fanny Owen”, a afirmar que “neste mundo ou tudo é verdade, ou não há verdade nenhuma”…
Apesar de condenados à “subjectividade cognitiva”, não há alternativa à verdade suportada pela prova, nem, muito menos, à conhecida citação de Carl Sagan, de que “afirmações extraordinárias exigem provas extraordinárias”.
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