António Mesquita
"Como no modelo das bonecas russas, a participação acaba por tornar-se uma organização dentro da organização, uma burocracia dentro da burocracia. O resultado deixa-se em geral denunciar sob o nome de burocracia e celebrar sob o de participação. Esta dupla apreciação acaba por ter um efeito imobilizador; cauciona-se por razões de princípio aquilo que se considera nefasto na realidade. O indivíduo particular resigna-se, quanto a si, a estratégias pessoais visando a acomodação ou o aumento da influência própria, ou então à sua defesa ou à sua imunização."
"Politique et complexité" (Niklas Luhmann)
E, noutro passo, diz Luhmann que hoje nos é difícil compreender "até que ponto as esperanças ligadas às reivindicações de participação estavam sobreavaliadas, e até que ponto as ideias sobre a sua implementação e os seus custos podiam ser ingénuas."
O resultado decepcionante deste anseio da geração de sessenta e setenta, cujas origens o sociólogo remonta à Idade Média, quando o indivíduo podia aspirar a fazer parte dum todo, é normalmente interpretado como uma consequência dos obstáculos levantados pelo poder dominante. Esses crentes desiludidos podem, assim, poupar-se a uma análise do problema de fundo, atribuindo o seu fracasso às vicissitudes da luta de classes.
Mas o ponto passa, segundo Luhmann, por saber se é razoável esperar que o indivíduo possa participar (ter, realmente, uma palavra a dizer?) na própria sociedade democrática, quando esta, pela sua complexidade, passou a ter uma estrutura horizontal em que os vários sistemas se reproduzem e auto-regulam com recurso a teorias auto-referentes, relacionando-se os sistemas entre si como um organismo e o seu meio ambiente.
O facto é que o indivíduo só ganha voz, integrado num sistema (partidário, económico, mas também como espécimen do telespectador na medioesfera), nisso perdendo o que o distingue enquanto indivíduo particular.
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